quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

RACIONAMENTO E CONTRABANDO DE AZEITE NA SERRA D’ AIRE E CANDEEEIROS (Tempo da II Guerra) FLeming de OLiveira A crise provocada pela II Guerra foi vivida na zona da Serra de Mira d’Aire e Candeeiros de forma intensa, com o racionamento do azeite, um dos mais preciosos rendimentos dos seus habitantes, o que conduziu ao fomento do seu contrabando, como recordava Graciete Soares, da Mendiga. A vida de pessoas da Serra dependia em grande parte da produção do azeite já que, os terrenos são fracos para a agricultura, mas bons para a oliveira. O racionamento levou ao contrabando, como destacava também Inocência Maria, do Casal Val Ventos, actividade que desenvolveu durante anos, sem nunca ter sido apanhada, e que a ajudou a alimentar a boca do marido e três filhos. As famílias, escondiam as talhas no meio das terras, debaixo do soalho ou nos currais, para depois venderem o azeite diretamente ou mesmo aos contrabandistas. Inocência Maria, conhecia histórias como a do almocreve da Mendiga, que transportava numa furgoneta azeite para Alcobaça e Nazaré. Escondia os odres dentro dos bancos e assim conseguia iludir a fiscalização postada na estrada. Outros, escondiam o azeite dentro das enxergas de palha das mulas que, carregadas com odres, atravessavam a serra de noite. Saíam ao escurecer, subiam a encosta da Bezerra, ou desciam até às Pedreiras. Os vendedores escondiam as mulas, enquanto um se ia certificar se havia guardas por perto. Mas estes, que por vezes, ouviam os passos dos animais também se escondiam, e apanhavam os negociantes. Era um trabalho duro e com riscos, estilo gato e rato, como reconhecia Inocência. Por vezes, especialmente de noite feria os pés, pois calçado era mau e muito usado. Quando a guarda atuava não se podia fazer nada. Ficávamos sem o azeite e, em alguns casos, sem a mula e tínhamos de calar o bico. A alternativa, quando havia, passava por subornar o guarda, o que não era raro, mas prejudicava o negócio. O contrabando de azeite era normalmente reservado aos homens, sendo o caso de Inocência Maria da Felismina, se não único na zona, pelo menos raro. Entre os habitantes mais idosos como recordava Inocência, contavam-se casos de mulheres, escondendo o azeite debaixo da roupa, fingindo estarem grávidas, ou colocando os depósitos entre as pernas. Na edição de 30 de Novembro de 1946, “O Mensageiro”, de Leiria, relatou o caso de uma mulher que viajava de comboio, com volumosos seios que, embora bem ajustados ao corpo da madama, tremiam, dançavam e moviam-se (...) e até ameaçavam desandar para as costas. Quando desabotoou a blusa no posto de fiscalização instalado no comboio, a mulher revelou duas grandes bexigas cheias de azeite. O mesmo jornal conta, também, a história de uma senhora que se sentou num comboio e que, nos braços trazia um gorducho menino, roliço, imbuído em mantilha de seda (...) um pimpolho que amamentava aos seus úberes seios. O bebé afinal, era um odre de azeite e os seios eram bexigas cheias do dito. A fiscalização nem sempre era rigorosa, abstraindo os casos de suborno, que reduzia o proveito da atividade. Em Alcobaça, respigando o “Ecos do Alcoa”, constata-se que houve comerciantes que se queixaram da pouca lealdade de alguns armazéns fornecedores que a esta Vila vinham fornecer no tempo da abundância e que agora contando com êles pela inspecção que lhe foi feita, aqui não vêem com prejuízo para todos nós, vendendo tudo a mais o que arranjam onde muito bem lhe convém ou onde mais lhe pagam concerteza.

 

 

 

RACIONAMENTO E CONTRABANDO

DE AZEITE

NA SERRA D’ AIRE E CANDEEEIROS (Tempo da II Guerra)

 

FLeming de OLiveira

 

 

 

A crise provocada pela II Guerra foi vivida na zona da Serra de Mira d’Aire e Candeeiros de forma intensa, com o racionamento do azeite, um dos mais preciosos rendimentos dos seus habitantes, o que conduziu ao fomento do seu contrabando, como recordava Graciete Soares, da Mendiga. A vida de pessoas da Serra dependia em grande parte da produção do azeite já que, os terrenos são fracos para a agricultura, mas bons para a oliveira. O racionamento levou ao contrabando, como destacava também Inocência Maria, do Casal Val Ventos, actividade que desenvolveu durante anos, sem nunca ter sido apanhada, e que a ajudou a alimentar a boca do marido e três filhos. As famílias, escondiam as talhas no meio das terras, debaixo do soalho ou nos currais, para depois venderem o azeite diretamente ou mesmo aos contrabandistas. Inocência Maria, conhecia histórias como a do almocreve da Mendiga, que transportava numa furgoneta azeite para Alcobaça e Nazaré. Escondia os odres dentro dos bancos e assim conseguia iludir a fiscalização postada na estrada. Outros, escondiam o azeite dentro das enxergas de palha das mulas que, carregadas com odres, atravessavam a serra de noite. Saíam ao escurecer, subiam a encosta da Bezerra, ou desciam até às Pedreiras. Os vendedores escondiam as mulas, enquanto um se ia certificar se havia guardas por perto. Mas estes, que por vezes, ouviam os passos dos animais também se escondiam, e apanhavam os negociantes. Era um trabalho duro e com riscos, estilo gato e rato, como reconhecia Inocência. Por vezes, especialmente de noite feria os pés, pois calçado era mau e muito usado. Quando a guarda atuava não se podia fazer nada. Ficávamos sem o azeite e, em alguns casos, sem a mula e tínhamos de calar o bico.

A alternativa, quando havia, passava por subornar o guarda, o que não era raro, mas prejudicava o negócio. O contrabando de azeite era normalmente reservado aos homens, sendo o caso de Inocência Maria da Felismina, se não único na zona, pelo menos raro. Entre os habitantes mais idosos como recordava Inocência, contavam-se casos de mulheres, escondendo o azeite debaixo da roupa, fingindo estarem grávidas, ou colocando os depósitos entre as pernas.

Na edição de 30 de Novembro de 1946, “O Mensageiro”, de Leiria, relatou o caso de uma mulher que viajava de comboio, com volumosos seios que, embora bem ajustados ao corpo da madama, tremiam, dançavam e moviam-se (...) e até ameaçavam desandar para as costas. Quando desabotoou a blusa no posto de fiscalização instalado no comboio, a mulher revelou duas grandes bexigas cheias de azeite.

O mesmo jornal conta, também, a história de uma senhora que se sentou num comboio e que, nos braços trazia um gorducho menino, roliço, imbuído em mantilha de seda (...) um pimpolho que amamentava aos seus úberes seios. O bebé afinal, era um odre de azeite e os seios eram bexigas cheias do dito.

A fiscalização nem sempre era rigorosa, abstraindo os casos de suborno, que reduzia o proveito da atividade.

Em Alcobaça, respigando o “Ecos do Alcoa”, constata-se que houve comerciantes que se queixaram da pouca lealdade de alguns armazéns fornecedores que a esta Vila vinham fornecer no tempo da abundância e que agora contando com êles pela inspecção que lhe foi feita, aqui não vêem com prejuízo para todos nós, vendendo tudo a mais o que arranjam onde muito bem lhe convém ou onde mais lhe pagam concerteza.

 


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