sexta-feira, 4 de janeiro de 2019


CAPÍTULO VI

O FASCÍNIO PELO HORROR E PELO MAL








  Como é que se explica que a II Guerra continue a exercer um enorme fascínio, mais de 70 anos decorridos sobre o seu termo?
  Como pode isso acontecer com uma tragédia que matou mais de 50 milhões de pessoas e deixou o mundo em ruínas?
  Como é que os alemães, cultos e evoluídos, permitiram as atrocidades nazis?
  O mesmo não ocorre com outros conflitos na História, concretamente a I Guerra, A Guerra que Poria Fim a Todas as Guerras.
   Um texto com a palavra nazi no título, provavelmente, estará entre os mais lidos. Não foi obviamente com esse objetivo que aqui o utilizei.
  Parece-me inegável que, aquando da II Guerra, nos Aliados havia a noção de que era uma guerra justa, o bem a combater o mal.
  Alguns cínicos defendem que o motivo do fascínio foi a presença de tantos líderes nacionais tresloucados, como Hitler, Mussolini, Estaline e o nipónico Tojo.
  Serão as batalhas da II Guerra a razão deste fascínio?
Sabemos que a guerra é estúpida, violenta e mortal, mas ainda assim não nos conseguimos afastar dela.
  Mas talvez o principal motivo que leva ao interesse pelo nazismo, é o fascínio pelo mal, que encarnou como nunca antes.
  Há uns anos, dizia-se que os heróis da II Guerra estavam a morrer e que seria bom que os filhos e netos pudessem compreender melhor o que se passou.  O povo alemão passou décadas do pós-guerra a ignorar o tema, um grande tabu.
  A propaganda nazi idolatrava Hitler como se fosse um estadista talentoso que houvesse trazido estabilidade económica e gerado empregos, restaurando a grandeza da Alemanha, vexada pela Conferência de Versalhes.
  Sob o regime nazi, os alemães deveriam mostrar publicamente a lealdade ao líder, através de formas quase que religiosas como a saudação nazi e cumprimentando-se entre si, com as palavras Heil Hitler [1].
  Como forma de incutir nas crianças uma educação fiel ao regime, foram criadas as Juventudes Hitlerianas, organização de carácter militarista onde dominava a ordem e disciplina e lhes era incutido um espírito selvagem de adoração ao chefe e à Nação. O regime alemão, distinguiu-se pela eugenia, pelo antissemitismo e pelo militarismo. Um dos seus objetivos, era a purificação da raça ariana, eliminando os impuros. Foram desenvolvidos estudos de forma a determinar características da raça ariana e, encontrados os indivíduos perfeitos, acasalavam de modo a obter cidadãos dotados com qualidades superiores. Ao mesmo tempo que se pretendia preservar a raça, eliminavam-se as raças inferiores como eslavos, ciganos, negros, homossexuais, epiléticos, esquizofrénicos e retardados. Porém, a raça a abater e considerada a mais inferior, era a dos judeus, acusados de causarem todos os males da sociedade. Inicialmente os judeus foram boicotados, segregados e excluídos. Mais tarde viram destruídos os locais de culto e de trabalho, foram encerrados em guetos e obrigados a usar no braço a estrela amarela de David. À medida que os judeus iam deixando de poder trabalhar no funcionalismo público ou em profissões dependentes do governo/partido ou por estes reguladas, como medicina ou educação, muitos proprietários de negócios da classe média e outros profissionais, foram forçados a aceitar empregos subalternos e mal pagos. A emigração era difícil, pois os judeus tinham de pagar até 90% dos seus bens para deixar o país. Em 1938, já era difícil, os judeus alemães encontrarem na Europa país que os aceitasse. Os livros considerados não/antialemães, incluindo os de autores judeus, foram destruídos em autos de fé durante uma queima à escala nacional, a 10 de maio e 21 de junho de 1933, poucos meses depois da chegada ao poder de Adolf Hitler. Em várias cidades alemãs, foram organizadas, queimas de livros em praças públicas, com a presença da polícia, bombeiros e outras autoridades.
  Os cidadãos judeus foram, em suma, submetidos a humilhantes condições de trabalho e depois à solução final.
  E, e… entretanto… [2].
  A Folha Católica de Passau, emitiu e publicou a seguinte nota, pelos 50 anos de Hitler (1939):
Cumprimentamos o nosso Führer pelo seu aniversário. Ao mesmo tempo expressamos os nossos agradecimentos pelos mais de 6 anos de comando de nossa Pátria. Nesse curto período ele conseguiu reconduzir ao trabalho seis milhões de desempregados libertando as famílias da ansiedade, da insegurança, da miséria e do sofrimento. Com altiva sabedoria e fervor nacionalista ele quebrou as amarras que a conferência de ódio de Versalhes havia destinado a Alemanha, devolvendo a honra e o nosso nome.
  A Igreja Evangélica Alemã enviou a Hitler, no dia 30 de junho de 1941, o telegrama, a que foi dada grande publicidade, que segue:
O Conselho da Igreja Evangélica Alemã, pela primeira vez reunida após o início da luta decisiva na frente oriental, deseja garantir-lhe nessas tempestuosas horas renovar a total fidelidade de toda cristandade do Reich. O nosso Führer, afastou o perigo Bolchevista-Judaico da Pátria e chama agora o povo e os povos da Europa para o encontro decisivo contra o inimigo mortal de toda Ordem e da Cultura Cristã. O povo alemão e todas as facões religiosas cristãs agradecem esse acontecimento.
  No dia 30 de julho de 1941, o Cardeal Arcebispo de Paris, Alfred-Henri-Marie Baudrillart (fez campanha para despertar o apoio internacional à França durante a I Guerra, enquanto na II Guerra apoiou o regime de Vichy e os alemães por liderarem a luta internacional contra o bolchevismo) afirmou que A guerra de Hitler é uma nobre empresa em defesa da cultura europeia.
  Baudrillart apoiou o governo do marechal Philippe Pétain, emitindo uma declaração intitulada Choisir, Vouloir, Obéir em 20 de novembro de 1940, que muito incomodou os colegas e veteranos da I Guerra. Em agosto de 1941, como fervoroso anticomunista, endossou a formação da criação de uma Legião de Voluntários franceses contra o bolchevismo para lutar ao lado dos alemães.  Era membro do Comité Honorário de Patrocinadores da Legião, e os seus pontos de vista, foram influenciados por reuniões com Kurt Reichl oficial austríaco, católico, alemão e agente de contraespionagem nazi. Por sua vez o seu endosso da Legião dizia:
Sacerdote e francês, como posso, em um momento tão decisivo, recusar-me a aprovar o nobre empreendimento comum dirigido pela Alemanha, dedicado a libertar a Rússia dos laços que a mantiveram nos últimos vinte e cinco anos, sufocando seu lado antigo humano e cristão, tradições, a libertar a França, a Europa e o Mundo do monstro mais pernicioso e sanguinário que a humanidade já conheceu, para elevar os povos acima de seus estreitos interesses e estabelecer entre eles uma fraternidade sagrada reavivada desde a Idade Média cristã?.
  O Conselho da Igreja Evangélica da Turíngia, também publicou a 6 de agosto de 1941, o seguinte e muito encomiástico comunicado:
O nosso povo está a participar numa exemplar luta pela Ordem Europeia e Mundial.
A luta que hoje desenvolvemos é no mais profundo sentido uma luta
Entre Cristo e o Anticristo
Entre a Luz e as Trevas
Entre o Amor e o Ódio
Entre a Ordem e o Caos
Entre o Eterno Alemão
E o Eterno Judeu.
  A austríaca Gitta Sereny escreveu depois da II Guerra O trauma alemão [3], obra interessante que procura entender o caráter de uma geração de alemães do pós-nazismo. A obra é, pois, uma tentativa de explicar a reação dos jovens frente ao comportamento da geração que viveu o drama da guerra e da derrota.
 
 
  Mais de setenta anos após o fim do nazismo, a Alemanha continua estigmatizada pelo acontecimento. Quando da última vez em que estive em Bonn, falei com um Colega que me disse que, embora as pessoas de hoje não tenham culpa pelos crimes nazis, elas se sentem responsáveis.
  Museus e monumentos históricos têm como função contribuir para que a memória do nazismo e da II Guerra continuem vivos, e para que o que ocorreu não se repita.
  Além dos memoriais, é possível encontrar, como aliás me mostrou, placas douradas colocadas no chão em frente a casas onde viveram famílias de judeus. Nelas, além dos nomes e sobrenomes, há menção à data da deportação e em que campo de concentração foram mortas.
  A perceção sobre o mal causado pelo nazismo só veio muito depois, explicou-me o Colega que ouvia histórias dos pais, crianças na época, sobre a receção a Hitler quando ele visitava a cidade. Havia uma atmosfera de euforia sempre que Hitler aparecia. Foi um fenómeno de massas.
  Apesar de parecer paradoxal, a paixão ou o fascínio que a Guerra causa, pode ter relação com o desejo de que algo assim nunca mais se repita.
  Da minha parte e como antigo militar na Guiné existe devoção, enormíssimo respeito por todos (todos mesmo…), mas especialmente os jovens que perderam a vida no maior conflito humano da História. Espero poder sempre reverenciar esses heróis. Por isso, milhões de pessoas ainda visitam, com muito respeito e interesse, os locais das batalhas, cemitérios militares, antigos campos de concentração e de extermínio, como aliás também fiz em Dachau e Omaha Beach (Omaha a Sangrenta), no ano de 2003.




[1] A. Oliveira Marques in História de Portugal e Cabo Verde na Grande Guerra (Momentos da História).
[2] Gitta Sereny, nasceu a 13 de março de 1921 e faleceu a 14 de junho de 2012 foi uma biógrafa austríaca-britânica, historiadora e jornalista de investigação. A autora apresenta na sua obra reflexões e experiências vividas por si durante a II Guerra. Ela resistiu ativamente ao nazismo, exercendo funções importantes durante e após a guerra, realizando uma reflexão sobre os efeitos da violência que traumatizou milhões de pessoas.
[3] Desde menino consigo perceber um pouco o alemão, que melhorei após dois anos nos antigos sexto e sétimo anos, cinco deslocações à Alemanha em turismo (1987, 1994 e 2003) e cursos de natureza político-jurídica (1997 e 1999).










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