quinta-feira, 17 de janeiro de 2019



DEZ REIS DE MEL COADO


FLeming de OLiveira


Como já tenho referido aos meus estimados leitores, não sou adepto incondicional das novas tecnologias, nem alinho muito com as chamadas redes sociais, embora reconheça que a internet é uma fonte de informação de partilha e de espaço incomparável e imprescindível. Nela corre a graça que transforma em humor alguns comportamentos ainda que de resistência, tomamos contato com condições de vida que desconhecíamos ou julgávamos ultrapassadas por uma democracia intitulada de sucesso e de modo a que não fossem possíveis mais histórias de carência e humilhação como a que era contada por um primo do meu Pai, dono de um pequeno bazar em Matosinhos que vendia brinquedos para crianças e outras bugigangas.
Uma tarde, por meados do século passado e próximo do Natal, entrou-lhe na loja um garoto, que perguntou timidamente o preço de um reluzente automóvel vermelho que se encontrava exposto na montra. O lojista, percebendo a “pobreza” do catraio respondeu, de pronto entre o sério e a brincar: “Por ser para ti, e porque estou bem-disposto custa dez reis de mel coado”. O rapaz agradeceu, voltou a colocar o boné, saiu e dias depois regressou e disse: “Gostava de comprar aquele carro, mas a minha mãe disse que não tem mel coado em casa para lhe pagar, pois já o gastou todo com a tosse do meu pai”. Recordo aos mais novos que “dez reis de mel coado” é uma expressão antiga, que significa uma coisa de pequeno ou nenhum valor. Como o lojista percebeu o logro em que tinha induzido o rapaz, mas tinha um coração ainda não dominado pelas tecnologias, rendeu-se e mesmo sem invocar espírito de Natal, entregou o carro ao “cliente”, em troco de uma mão cheia de nada. Espero que um dia destes em substituição da moeda palpável que cada vez mais vai ocorrendo, as pessoas tenham de pagar com mel coado que escorre entre os dedos, mas nessa altura desconhecerão de todo, tão tecnocráticas que serão, o que isso significa.

Sem comentários: