terça-feira, 27 de setembro de 2011

AS NOSSAS MEMÓRIAS FLEMING DE OLIVEIRA


(I)

-O BAÚ DA INFÂNCIA (anos 50)-MIRAMAR
-HISTÓRIAS DE NINAR PARA COMER A
SOPA
A vida é feita de memórias, saudades e histórias que nos marcaram, marcam e marcarão.
Assim, e porque alguns desses momentos devem ser partilhados com a Família, vamos falar de algumas coisas bem intemporais. Todos buscamos, dia após dia, ano após ano, uma vida cheia de bons momentos. Buscamos a alegria, os prazeres e o conforto. Ou seja, as coisas boas da vida, que passa por ter perto ou presente quem se gosta, cuida ou se preocupa connosco.
O meu baú da infância é como uma arca de Noé, está lá tudo o que fomos, Miramar (a Casa), Porto/Foz (Boavista-Brotero-Tenis), Matosinhos (Avó Lícia, Tio Mário e Quitolas), o que somos, mesmo aquilo que não conseguimos lembrar ou que inventamos como verdadeiro. Este baú de infância é um dos mais produtivos da existência e um autor que se preze, segundo certos psicólogos teve, pelo menos, um trauma na sua infância. Porque não descortino esse trauma, não serei verdadeiramente um autor digno desse nome.
Em Miramar, na nossa Casa FO, havia sempre muita gente, de verão e inverno, especialmente aos fins-de-semana.
Nesses dias, ninguém se sentia sozinho, apesar das crises de mau génio que ia havendo. Seria pesado e tortuoso o silêncio lá de Casa, sem as discussões dos mais crescidos entre si ou com os mais novos. Porque nós, como crianças saudáveis que fomos, não éramos certinhos de todo. Há uma pessoa que desses tempos recordo, com muito amor e saudade, a Carminda, que ajudou a criar os 8 filhos dos Zicos e alguns filhos dos filhos dos Zicos.
A Carminda já cá não está, deixou-nos há uns anos, doente e velhinha, depois de ter vivido e trabalhado connosco, cerca de 50 anos. Não sabia ler nem escrever, os seus pais eram pobres, tinham vários filhos, e por isso não puderam mandá-la para a escola, mas, com a prática e o tempo aprendeu as horas, a conhecer o dinheiro e a contar histórias emocionantes, para nós comermos a sopa, o bacalhau dourado ou a farinha de pau, quando os Zicos não estavam.
O senhor tem bilhete? Se eu tenho colete?
Era meiga, esperta e gostava de nós, como se fossemos filhos. Aliás, éramos a sua família.
Quando normalmente de quinze em quinze dias íamos os cinco de Alcobaça a Miramar, a Raquel que era muito bibinha com os seus caracóis muito fechadinhos com eram os da Teresinha, a Paula, a muito bonitinha, senhora das dores, e o Miguel, o nosso menino jesus delico-doce, ela ficava sobre brasas para preparar o almoço, o jantar, os iogurtes, comprar os 100 pães, é verdade !!!, e tudo o mais necessário, para que nada faltasse. Na sua alegria, chamava-nos, ingenuamente, a Sagrada Família.
Quando era mais nova, cozinhava muito bem. Recordo, o bacalhau dourado, à Gomes de Sá (do senhor sá), à espanhola ou em filetes, os rojões à moda do Minho com cominhos, as viradinhas ou as bolinhas de farinha de pau. Em doces, porém, não era muito forte. Ainda sinto o cheiro e os paladares desses pratos.
O Rodrigo, tentou ensiná-la a ler e a escrever !!! Para isso, arranjou-lhe um caderno com linhas, onde passava os deveres, como se fosse na escolinha. Claro que ela nunca aprendeu as letras. A Carminda não tinha cabeça, nem idade para isso. Éramos nós que lhe escrevíamos as cartas para a terra, as quais começavam sempre da mesma maneira: Espero que esta carta os encontra a todos bem de saúde, que nós por cá estamos bem.
Quando éramos miúdos, recorda a Náná e a Carminda tinha de tomar conta de todos, para nos ter quietos, contava-nos histórias e punha-nos s descascar ervilhas ou favas. A história era sempre a do pai, que tinha ido para Coimbra e comprado um carro por um tostão; não me lembro do enredo, mas sei que era sempre o mesmo e quando ela se enganava nos corrigíamos. A Náná tem toda a razão eram totalmente proibidas alterações à história, ainda que fossem de mero pormenor.
Gostava, que a T. quando for mais crescida, se pudesse lembrar do tempo em que vinha a casa dos Minanos e me ensinava com rigor, mesmo a ralhar se necessário, porque sou distraído e preguiçoso, mas com muito carinho, a fazer contas e a tabuada no quadro preto onde a mãe e tios também escreveram em meninos e sujaram as mãos com giz. A T. e eu, conversamos sobre muitas coisas, novas ou antigas, fazemos difíceis jogos de palavras com pistas, brincamos aos doutores, ou jogávamos ao quem vê primeiro, como antigamente com a Raquel que, no banco de trás do carro, nunca via nada antes dos manos e, perdia sempre.

Na nossa Casa FO, de Miramar, que era grande, havia muitos meninos. Ao todo, os Zicos tiveram 8 filhos !!! Eu era o mais velho, e logo a seguir vinham só meninas, a Náná, Núnú, Clara e Xica.
O Tio Santo, apareceu mais tarde e foi o primeiro a nascer, na Casa. Ficou com o alcunha de Santo por ser muito bonzinho, como alías ainda se conserva. Depois dele, nasceram lá a Biquica e a Inês. Todos os outros até à Xica, tinham nascido na Avenida da Boavista/Freguesia de Cedofeita, no Porto.
Quando o Nuno era pequenino, recorda sem maldade e a rir a Náná, e nós tínhamos que ir no comboio para a escola na Aguda (da D. Dorinda e do Sr. Gregório), eu fazia o Nuno levantar-se, vestia-o, punha-lhe um lacinho vermelho, e obrigava-o a ir connosco para o mostrar na rua, depois voltava para Casa com a Carminda que nos ia levar.
A Freguesia de Cedofeita, é onde também nasceram a Raquel, Paula, Miguel, a T. e o Diogo (DODO).
Como ia dizendo, a Zica ia ter os filhos a casa da Mãe, a Avó Ferreira, no chamado quarto azul, que era o seu, do tempo de solteira. Os quartos, em casa da Avó Ferreira, eram conhecidos pelas cores do papel da parede.
Nesse tempo, já lá vão muitos anos, as crianças nasciam normalmente em casa como nós, só raramente na maternidade.
Deste tempo, há cerca de 50 anos !!!, a Náná recorda amavelmente que éramos muito amigos e apesar das rixas entre irmãos, que aliás é próprio, se não, não seríamos irmãos.

FLEMING DE OLIVEIRA

Sem comentários: