segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O NOSSO NATAL FO





(III)

De Matosinhos retenho as melhores memórias.
Antes do fim deste ano, ao passar de carro em Serpa Pinto, senti uma vontade danada de ir dar com o Quitolas dois chutos na bola, naquela viela da casa que também já não existe.
Note-se que foi na Igreja do Senhor Bom Jesus, de Matosinhos, que começou a nossa saga, a História FO., com o casamento do rapaz/Avô Augusto J. de Oliveira com a menina/Avó Lícia Fleming, e que já vai na quarta geração.

Ó Senhor de Matosinhos,
A vossa Capela cheira,
Cheira a cravo, cheira a rosa,
E à flor de laranjeira.

O Senhor de Matosinhos era, creio que ainda é, uma romaria anual importante e buliçosa, que ocorre na segunda Oitava do Espírito Santo, bem maior que a do Senhor da Pedra, que vem quinze dias depois. Primeira destas todas é da Senhora da Hora. Domingo, Segunda e Terça com missa solene e sermão, são os dias maiores (ainda hoje?), para devoção, culto, divertimentos, comes (sardinhadas, peixe frito com salada, broa, azeitonas e farturas), negócio de loiças, loicinhas em barro ou quinquilharias, bem como a presença de multidões abarrotando as ruas de dia e noite, ao som do foguetório, zés-pereiras, bandas de música, ranchos com gaitas de foles, ferrinhos e violas chuleiras, e do fogo de artifício de bonecos, representado por figuras em movimento, que era um dos momentos mais aguardados. Antigamente também lá iam os oleiros, os bonecreiros e os paneleiros do norte, que feiravam enquanto se exibiam na rua os gigantones e os cabeçudos, para o nosso enorme gáudio de crianças.
A componente espiritual, ali como em muitos outros sítios do mesmo género do nosso País, tem-se diluído irremediavelmente, em detrimento das bancas de venda de roupa, calçado, ouro, artigos chineses e o que mais houver. Socorrendo-me do imprescindível Hélder Pacheco, vou recordar a título exemplificativo um ex-voto, também popularmente chamados de promessas, ao Senhor de Matosinhos:

Milagre que fez o Senhor de Matosinhos a José da Silva Silvestre, de Entre-os-Rios, na sua doença, apegando-se com ele foi servido o dar-lhe saúde cujo qual lhe prometeu de oferta o valor do seu barco o qual carrega 55 pipas e logo que ele foi louvado o dito lhe deu o emporte do seu barco. Na era de 1813.

A devoção e as promessas eram muitas e variadas, para os males de cada um ou os navios no mar alto, infelizmente muitas vezes sem resultados a contento, pois nem sempre a tormenta permite a salvação, como é na nossa Vida, e se lê na História Trágico-Marítima.
Mas o Senhor de Matosinhos, na sua imagem de Cristo crucificado, com a cabeça ligeiramente descaída, era mesmo milagreiro. A sua imagem, segundo apurei, saiu apenas por 5 vezes de Matosinhos até ao Porto, em solenes procissões de penitência para esconjurar outras tantas calamidades públicas. E com bons resultados se afiança. Em 1526, por intenção de terríveis temporais que assolaram o Porto e o norte de Portugal. Em 1585, novamente por via de uma tremenda tempestade. Mais tarde, no reinado de D. Pedro II, a imagem voltou ao Porto, para apaziguar uma epidemia que estava a dizimar a população indefesa. Segundo reza a história, destas e das demais vezes, a visita da venerada imagem apaziguou efectivamente os males e o Senhor de Matosinhos operou o necessário milagre. Estes e muitos outros acontecimentos levaram a que o seu culto se difundisse em particular no norte de Portugal e mesmo no Brasil. Sendo tradicionalmente Matosinhos uma terra de pescadores, estes nos momentos de perigo e tormenta não esqueciam a invocação ao seu Bom Jesus. A testemunhá-lo estão tantas promessas, ex-votos, em agradecimento de favores concedidos como lenitivo de uma vida muito árdua e crença no poder da Fé.



(IV)



A T., nos seus quase dez anos (em 2004), dizia que gosta muito do Natal porque estou com a minha Família toda e porque brinco com os meus primos.
Acredita a Teresinha ainda no Pai Natal? Sim, acredito no Pai Natal porque vi há uns anos na televisão uma reportagem com três meninos que foram à terra dele.
Hoje em dia o Natal é, tem de ser, diferente, mas desejaria que o seu sentido se não alterasse, pese embora a tradição não ser o que era. Já não é possível reunir à volta da mesma mesa, os Avós, os Tios, os Primos, que se ausentaram. Os que cá estão, têm novas conversas, novas preocupações, mas continuam disponíveis para registar as novas palavras, as novas emoções no grande livro das memórias e guardar um lugar de honra na galeria dos retratos da Família FO. Admito ser um lugar comum, mas é nos filhos e netos, que vou mantendo uma fonte de energia e vitalidade. Tal como outrora é por eles e através deles, que renovamos o nosso Natal.
Há dias reli um texto natalício, de António Gedeão, que não resisto a compartilhar convosco.

Hoje é dia de ser bom,
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
De falar e de ouvir com mavioso tom,
De abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros -coitadinhos- nos que padecem,
De lhes darmos coragem para poderem continuar,
A aceitar a sua miséria, de perdoar aos nossos inimigos,
Mesmo aos que não merecem, de meditar
Sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Seria um verdadeiro milagre capaz de atenuar uma tristeza irremediável ligada aos tempos de hoje, bem escondida no íntimo e por timidez por vezes não partilhada. A tristeza decorre do que deixamos para trás, pois optamos, homens e mulheres, por ser profissionais urbanos, ocupados, sem tempo para mais que produzir e criar para os outros a troco de uma remuneração ou realização.
Uma das baixas causadas por este modelo de vida, foi a sábia e carinhosa culinária familiar. Os longínquos dias da inocência, em que logo de manhãzinha odores, suores e formas inebriantes se libertavam da cozinha da Carminda, que por vezes começava a cozinhar de madrugada, ainda nós dormíamos o primeiro sono, perderam-se para sempre. Mas não desapareceram da memória. Hoje estamos dependentes das cadeias logísticas das grandes superfícies comerciais, da cozinha rápida, porque não há tempo para mais, do fast food, incapazes de colocar a afectividade de um bom bacalhau à gomes do senhor sá.
Quantas vezes dou por mim, nostálgico, à saída de um restaurante ou mesmo de uma mesa de Família e pensar que estava excelente, mas não chega aos calcanhares daquilo que a Carmindinha nos preparava.

(CONTINUA)

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