sexta-feira, 30 de setembro de 2011

(I) O 1º DE MAIO DE 1975 EM ALCOBAÇA -Várias versões. -A festa era só para os escolhidos ?




A 1 de Maio de 1975, os Bombeiros Voluntários de Alcobaça, fizeram 87 anos de vida, pelo que organizaram um vasto programa que abrangia uma romagem ao cemitério, projecção de uns filmes com uns incêndios em que intervieram, baile, almoço-convívio, homenagens e a apresentação de uma nova ambulância. Ao mesmo tempo ficou a saber-se que se pretendia organizar um Corpo Feminino Auxiliar, aberto a meninas e senhoras com mais de 14 anos, indo começar em breve a instrução das primeiras aderentes.
Nesse dia a festa política, em Alcobaça, era só para alguns, pois o PC, MDP/CDE e outros, os organizadores da festa, não queriam a presença dos populares-democráticos, quer no comício da Praça D. Afonso Henriques, quer no desfile, muito menos aos portadores da bandeiras laranja.
Logo de manhã, a população de Alcobaça foi acordada pelo som estridente do foguetório lançado do Castelo e pela animação das bandas de música da Vestearia e da Maiorga, a desfilar pela rua.
Vamos ou não participar no desfile?
Como sempre, as questões discutiam-se na sede do PPD, como em plenário improvisado, pelo que após acalorado debate, em cima da hora, com as manifestações já a decorrer, foi decidido que o PPD, depois de grande instigação de Silva Carvalho e do casal Evangelista (Natália Evangelista saiu a empunhar uma bandeira do PPD, o que lhe acarretou momentos de glória quando alguém a quis tirar-lhe), e não obstante os apelos à moderação de parte de Gonçalves Sapinho, iria integrar o desfile, ainda que sujeito ao risco de uns mimos verbais e físicos, como aliás veio a acontecer, com Natália Evangelista e Fleming de Oliveira. Ao fim e ao cabo, à escala de Alcobaça, expressavam-se contradições de um processo que teve o seu ponto mais elevado no Estádio 1º de Maio, em Lisboa. Na verdade, ocorreram lá confrontos graves entre grupos de manifestantes alinhados com a Intersindical, que reclamavam a unicidade, a exclusiva representação dos trabalhadores e os defensores de um sindicalismo livre, com destaque para Mário Soares, Salgado Zenha e o PS. Os dirigentes do PS foram impedidos de entrar na tribuna do Estádio por militares e pelo PC. Como que à moda das claques de futebol, gritava-se do lado do PS socialismo sim, ditadura não e do MFA e PC socialismo sim, vigarice não.
(...) Quando Mário Soares, com Salgado Zenha e outros dirigentes do PS, se dirigiu à tribuna do Estádio 1º. de Maio, onde decorriam as festividades e onde se comemorava o que ali tinha acontecido um ano antes, não o deixámos entrar na tribuna. (...) Ele não ia entrar no palco para falar no Estádio 1º. de Maio. Aquele povo era nosso, e nós precisávamos dele. Na tribuna estavam, entre outros, o Presidente da República Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal, para além dos dirigentes da Intersindical. Na véspera, o governo tinha aprovado o decreto da unicidade sindical. (...) Eles tinham chegado com a manifestação dos que não queriam a unicidade sindical. (...) Quando Mário Soares, com Salgado Zenha e outros dirigentes do PS, se dirigiu à tribuna do Estádio 1º. de Maio, onde decorriam as festividades e onde se comemorava o que ali tinha acontecido um ano antes, não o deixámos entrar na tribuna. (...) Ele não ia entrar no palco para falar no Estádio 1º. de Maio, cfr. Zita Seabra in Foi Assim.

Ao cair da tarde, em Alcobaça, lambidas algumas feridas e com os ânimos mais serenados, houve um espectáculo de variedades com um José Viana engagé, Ermelinda Duarte, Uma gaivota voava, voava, e a estreia da Orquestra Típica da Maiorga, sob a regência do Maestro Ricardo Cunha.
A Comissão Política Concelhia de Alcobaça do PPD, reuniu e emitiu um seguinte comunicado, pleno de expressões ideológicas, bem de acordo com a terminologia da época:

A RAZÃO DA FORÇA SUBSTITUI A FORÇA DA RAZÃO

Dominada por forças partidárias, comemorou-se também em Alcobaça, o 1º de Maio, a Festa dos Trabalhadores, monopolizada pelos apregoados antimonopolistas PC, MDP/CDE. O PPD de Alcobaça, consciente da sua responsabilidade e do apoio que o eleitorado inequivocamente lhe conferiu no País e, nomeadamente, no Distrito e no Concelho, pretendeu sem reservas, associar-se às manifestações, apesar de ter conhecimento prévio que a sua presença seria contestada por tais anti monopolistas PCP e MDP/CDE. Durante o comício que inaugurou as cerimónias, pelas 15 horas, com a presença do MFA, não se registaram incidentes, tendo estes surgido apenas durante o desfile que percorreu as ruas da vila. Inicialmente, verificaram-se insultos vários a militantes do PPD, os quais atingiram o ponto máximo diante do edifício da Conservatória do Registo Civil. Ali, as forças anti-democráticas organizaram o ataque físico comandado com altifalantes. Usando o microfone como arma, um destacado membro do PCP local, agrediu um militante do PPD o que fez também a soco e a pontapé. Dois militantes do PPD vieram a ficar feridos, tendo um deles ido receber tratamento no Hospital desta Vila. Pensamos que estas forças antidemocráticas agem apenas movidas por despeito e que a única via que se lhes oferece, e que aproveitam, é a razão da força. E isto tem de ser definitivamente desmascarado pelos verdadeiros democratas que só aceitam a força da razão.
ABAIXO O SOCIAL-FASCISMO!
ABAIXO A DITADURA!
VIVA A SOCIAL-DEMOCRACIA!
VIVA PORTUGAL!

De acordo com o Voz de Alcobaça, as coisas não se passaram assim. A festa foi muito solidária, abrangente e agradável, para um dia recordar com muito afecto. Bandas na rua, um comício, uma manifestação, uma tarde de pintura infantil, vários espectáculos e muitas horas de confraternização popular, assim foi assinalado o 1º de Maio de 1975, em Alcobaça.
Este programa foi organizado pelo PC, PS e MDP, correspondendo a um apelo da União dos Sindicados do Distrito de Leiria. No comício, que teve lugar pelas 15h, falaram Armando Correia, pela União dos Sindicatos Livres do Distrito de Leiria, Basílio Martins, do MDP/CDE, Rui Alexandre, do PC, Joaquim Matias Ferreira, do PS e Ten. Carvalhão, em representação do MFA.
Gilberto de Magalhães Coutinho, defendeu anos mais tarde que, na época, as coisas viviam-se muito intensamente, com paixão, e às vezes surgiam aqui e acolá excessos, comportamentos menos serenos, palavras menos correctas. Mas o panfletário/esquerdista Voz de Alcobaça, nas suas notícias passava ao lado desses pequenos pormenores.
Vergílio Ferreira, numa carta a Vasco Gonçalves, após as acidentadas comemorações do 1º de Maio de 1975, criticou a tese de contrapor uma cultura elitista a uma cultura popular, pois que cultura é uma só.
É bom que assim seja, para que nela ao menos nos sintamos irmãos e o povo tenha acesso ao que foi dos privilegiados.

(CONTINUA)


Fleming de OLiveira

Sem comentários: