quinta-feira, 22 de setembro de 2011

UM PORTUGUÊS DOENTE


Quando dois ingleses se conhecem ou se encontram, apertam as mãos e perguntam how do you do. Ambos sabem que a pergunta é de circunstância, nenhum se sente na necessidade de responder e a conversa segue normalmente.
Quando dois portugueses se encontram e se perguntam como está? como vai isso? Passou bem? não é seguro que a pergunta seja pura retórica, inocente e, assim, ambos se sentem na obrigação de responder. Segue-se logo um rol circunstanciado de desgraças, achaques, ou maleitas, capaz de fazer a fortuna de qualquer médico ou curandeiro de Vilar de Perdizes.
A verdade é que um português nunca diz estar muito bem, obrigado! Na melhor das hipóteses, responde com um encolher de ombros, vai-se andando, menos mal, obrigadinho ou como Deus permite.
Dois portugueses (homens, mulheres, novos, velhos, no barbeiro, na venda da fruta, na paragem do autocarro ou em conversa com a vizinha) estão normalmente, a falar de doenças. Das suas, dos outros, dos parentes, dos amigos ou conhecidos. Na comparação de graus de sofrimento, cada um se esforça por se apresentar pior que o outro e ganhar a batalha. Ao ouvirmos uma afirmação verdadeiramente surpreendente, seria normal perguntarmos incrédulos ao nosso interlocutor:
-Isso será mesmo assim? Não estará a exagerar?
Se a pergunta for feita, haverá sérias probabilidades de não se poder repetir, cortam-se relações, perde-se um amigo. Mesmo que não se chegasse a esse ponto, o nosso interlocutor responderia com cara de poucos amigos:
-Em matéria de doenças nunca brinco!
E lança um profundo suspiro.
Bem vistas as coisas, esta resposta tão contundente e séria, acaba por constituir mesmo um atestado de insanidade.
Uma conversa normal, começa numa dor de barriga, e acaba sem intimidações em tumores malignos e aneurismas inoperáveis.
Nos filmes americanos, as pessoas metem conversa pedindo um cigarro, lume ou convidam para beber um copo. Em Portugal, uma boa maneira de meter conversa não é falar da mulher, mas de uma noite mal passada, da azia ou dos bicos de papagaio.
Admito que em Portugal haja pessoas que não se tratam, com medo de perder um importante tópico de conversa, embora se revoltem contra o estado de funcionamento do SNS.
Afinal, uma pessoa que não sofra de um órgão qualquer, pode falar de quê? Futebol (só se for à segunda feira), mulheres (só se for para no bar, dizer bem da sua…), política (só se for para votar no Santana L. como o melhor português de sempre). A situação pode ser dramática e ficar-se mal visto se não puder apresentar uma doença!
Imagine-se um rapaz, que nunca teve uma dor de dentes ou sofreu uma canelada a jogar a bola, a procurar nos profundos recônditos da memória uma recordação com que possa entrar na interessante conversa de bar com amigos sabidos. Pensa, pensa e nada sai! Nem um resquício de sofrimento que possa trazer à baila e comparar! Que luta desigual… Os outros, que tinham começado a conversa com uma unha encravada, passaram depressa à fase dos panarícios, e ele ali, calado, a espremer as meninges, na tentativa de se lembrar de qualquer coisa dolorosamente interessante.
Um dos amigos recorda, com saudade, o sarampo que teve aos oito anos, o levou a faltar uma semana à escola e a perder um jogo de futebol com o Eusébio, outro contrapõe-lhe logo com a grave diarreia que sofreu há dois anos e o impediu, na falta do IMODIUM, de ir ao baile dos finalistas do liceu, galar a Maria S. Argumentos imbatíveis, como numa lição bem estudada do cabulão Vasco Santana. Daí passa-se à vesícula da antiga namorada do irmão mais novo e o desgraçado, são como um pêro, só consegue lembrar-se do dia em que fez seis anos e queimou a ponta de um dedo ao soprar as velas a pedido da avó, uma coisa de nada, que nem cicatriz deixou. Desiste, derrotado!!!. Resta-lhe a esperança de ir à Tailândia, apanhar uma valente gripe das aves, estar mesmo, mesmo a bater a bota, e sobreviver por milagre, para contar que foi pior que o tsunami.

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