quinta-feira, 15 de setembro de 2011

(II) UM EXCELENTE CAVALEIRO TAUROMÁQUICO (José Tanganho)



-A Volta a Portugal a cavalo (CIRCUITO HÍPICO DE PORTUGAL-1924)
-Conchita Citron
-O Cão de Água Português (Conchita Citron e Vasco Bensaúde)

Quando o feitor Tempero, cessou funções na Quinta Nova de S. José para se dedicar ao comércio e agricultura, foi sucedido por José Bernardo Tanganho, que granjeou alguma fama como cavaleiro tauromáquico, e especialmente depois de vencer, em Outubro de 1925, o Circuito Hípico de Portugal, uma volta a Portugal a cavalo, prova muito dura, montado no Favorito, aonde participaram 45 concorrentes, dos quais apenas 3 não eram militares. Como foi isso? Numa entrevista de Tanganho, nos anos sessenta, ao Século Iustrado contou que, estava eu um dia nas Caldas da Rainha, com o tenente-coronal José Mousinho…José Mousinho, (…, era genro de Vitorino Fróis, que foi o nosso primeiro mestre do toreio a cavalo. Creio que ainda era da família do Mousinho de Albuquerque… Bom. Estávamos nós a tomar café na barraca de um judeu qualquer, quando vimos passar a cavalo o capitão Silva Dias. Vejo-o todos os dias-disse eu-Que é que ele anda a fazer? Anda a treinar o cavalo para o raid-explicou-me o José Mousinho. Qual raid?! A volta a Portugal a cavalo. Cá para mim, resolvi logo. -Também vou entrar nisso. Tenho uma égua que não há quem possa com a vida dela. Era a égua de uma tipóia de aluguer que eu me governava. Mas toda a gente me queria tirar aquilo da cabeça: -Tu és doido? Os militares andam a treinar os cavalos há três meses e já só faltam quinze dias…
E prosseguiu:
Agarrei no animal e, sem parar, fui com ele das Caldas a Alcobaça, Nazaré, S. Martino, Foz do Arelho, Peniche…Mas acabei por desistir da égua, quando vi que ela tinha uma assentadura. Nessa altura, quando viram que eu tencionava mesmo levar a minha por diante, apareceram-me várias pessoas a oferecer cavalos. Escolhi o do lavrador António Joaquim, do Cartaxo, um cavalo que andava também engatado a uma charrette, e levei-o das Caldas à Foz do Arelho. Quando lá cheguei, fiquei uns dez ou doze dias em exercícios: amarrava o cavalo a uma bateira e punha-o a fazer força para ganhar pulmão.
O País vibrou com o raid que se disputou, durou dezoito dias, sob sol e chuva, umas vezes a pé, outras a cavalo montado. Inicialmente passou desapercebido, mas aos poucos foi criando interesse pela rivalidade entre o capitão Rogério Tavares e o civil José Tanganho. Afirmava-se, que o civil estava a dar água pela barba ao militar. Sob aplausos frenéticos das pesoas por onde passava, percorreu as quatro partidas de Portugal (do Minho ao Algarve). Rompi três pares de botas em dezoito dias… Andava dez metros a cavalo e vinte a pé, para o animal se aguentar. E percorria 100, 150 e até 250 quilómetros por dia, sem horário fixo. Alguns casos que aconteceram durante a prova, foram curiosos e ficaram registados. Na etapa Odemira-Monchique, que deveria ser através da serra, o guia, que devia acompanhar os concorrentes, não conhecia o caminho, pelo que andaram perdidos, até darem com o casebre de um pastor. O percurso de Moncorvo a Bragança foi feito debaixo de um autêntico dilúvio. Em Arcos de Valdevez, não havia cavalariças, nem ração, mas isso foi devido a razões políticas. Ao chegar a Vila Franca de Xira, o meu cavalo o Favorito começou a fraquejar e houve quem me desse uma garrafa de vinho do Porto para o animal beber e arribar (isto é uma sopa de cavalo cansado). O cavalo bebeu e passados alguns metros estava com uma grande bebedeira…E para ali vim eu, com o cavalo a curti-la…Tive de o trazer à mão e foi assim que o capitão Rogério Tavares chegou a Lisboa em primeiro lugar, isto é, à minha frente.
No dia da chegada a Lisboa, apesar da chuva miudinha que caía, os caminhos que levavam ao Pote de Água tinham grande movimento, bem como o Campo Grande. Ao passar um grupo de cavaleiros que constituíam a guarda avançada, dizia-se que era o capitão Tavares que iria ganhar. Quando este passou, o povo ficou em silêncio, ninguém queria acreditar. Nessa altura José Tanganho vinha ainda a cerca de 7 quilómetros, a pé, com o cavalo pela mão, consolado por um grupo de apoiantes, que davam vivas ao que consideravam ser o vencedor moral. Quando finnalmente chegou ao Campo Grande, dois bombeiros quiseram oferecer a Tanganho um cálice de porto, mas o muitidão desvairada ao ver fardas gritava: Não bebas que te querem envenenar. Acontece que tendo o cavalo Emir, pertença do capitão Tavares, morrido durante a noite, ao que se diz por cansaço, Tanganho sagrou-se vencedor do raid pois, ficou à frente nas provas finais do Jockey Club (trote e saltos de sebes). Foi o delírio no meio. O público invadiu a pista do Jockey Club, levou Tanganho em triunfo, organizou um grandioso cortejo até à Câmara Municipal onde estava preparada uma recepção para consagração dos vencedores e entrega de prémios A classificação final ficou assim ordenada :1º)- José Tanganho; 2º)- Ten. Brandão de Brito; 3º)- Cap. Silva Dias.
Daí em diante, Tanganho foi contratado para se exibir no Coliseu de Lisboa e Palácio de Cristal, do Porto, ganhando por cada exibição o cachet de vinte mil escudos, quantia muitíssimo elevada (milionária?) para a época.
A 8 de Outubro, Castello Lopes estreou, no cinema Condes, O Bicho da Serra de Sintra, filme de Artur Costa de Macedo (também director de fotografia) e João de Sousa Fonseca (argumentista e protagonista), para Sociedade do Turismo de Sintra. Em complemento projectou-se, Touradas Portuguesas, com os distintos artistas cavaleiros Simão da Veiga (Filho), D. Ruy da Câmara, António Luís Lopes e José Tanganho. No dia 16 de Novembro, o Cinema Tivoli, em Lisboa, estriou o documentário de actualidade, Circuito Hípico de Portugal.
Por insistências de Vitorino Fróis, Tanganho veio a tomar alternativa como cavaleiro tauromáquico, em 1926, no Campo Pequeno. Durante algum tempo, onde se exibia, meninas prendadas tocavam ou cantavam a Marcha do Tanganho, cuja letra dizia: O Tanganho leva o cavalo e o cavalo leva o Tanganho e das janelas enfeitadas nalgumas vezes com garridas colgaduras, despejavanm sobre o herói bandejas e açafates de pétalas. Por instâncias da mulher, abandonou a tauromaquia ao fim de algum tempo, regressando a Caldas da Rainha, de onde era natural.

Tanganho, ainda foi preparador de cavalos, da conhecida e graciosa cavaleira tauromáquica Conchita Citron nascida no Chile, embora por muitos considerada peruana, dado neste país ter vivido desde muito nova, e que nos anos cinquenta atingiu notoriedade em Portugal e frequentou Alfeizerão com assiduidade. Conchita Citron também deixou marca, entre nós, como a criadora do cão de água português, raça em vias de extinção. Cochita Citron veio para a Europa para taurear em Espanha, o que lhe não foi permitido pelo franquismo por ser mulher.
Tanganho, depois de ter estado a trabalhar durante cerca de dez anos em Moçambique, faleceu na casa de David Ribeiro Teles, no Ribatejo, no Monte do Biscainho, a 12 de Fevereiro de 1968. No dia seguinte, o jornal O Século publicou a notícia na secção de necrologia, além de lhe ter dedicado uma página de homenagem.
Vasco Bensaúde foi um homem discreto, embora muito rico, e criador de cães, registados todavia em nome do filho Filipe e como tal apresentados em exposições. A certa altura, tomou conhecimento da existência de uma bem sucedida criadora de perdigueiros portugueses, Conchita Citron, que havia casado com o aristocrata português, D. Francisco Castelo Branco. Esta, impedida pelas leis espanholas de ser matadora de touros, tornou-se cavaleira tauromáquica, e veio viver para Portugal.
Bem sucedidos foram os seus perdigueiros portugueses, que criava na quinta situada na margem sul do Tejo, a Quinta do Índio (remeniscências da sua origem?). Um dia Bensaúde, convidou Conchita Citron e marido para almoçar, onde lhe fez a oferta de ficar com o seu canil, como herança. Conchita nunca mais viu Vasco Bensaúde, nem os seus cães. Bensáude veio a morrer em Agosto de 1967 e mais tarde, a família contactou-a para vir buscar (reclamar) a herança. Assim, Conchita Citron, levou os 14 cães do canil Algarbiorum, de Bensaúde, para a Quinta do Índio, juntamente com os respectivos ficheiros.
Registou o seu novo canil, com o nome Al-Gharb Começou a criar e a apresentar os cães de água em exposições e concursos. Achava que os esforços de Vasco Bensáude na selecção, recuperação e preservação da raça, mereciam ser reconhecidos e considerando Portugal um país pobre de gente sem recursos para manter tão maravilhosos cães, recusava-se a vende-los para o mercado nacional, sendo apenas alguns oferecidos a pessoas de extrema confiança e jamais fêmeas. Bem relacionada no estrangeiro, começou uma campanha de publicidade junto de americanos ricos. Mas poucas fêmeas fugiram ao seu controle.
Com o 25 de Abril, algumas pessoas sairam do país e abandonaram as propriedades que eram ocupadas pelos trabalhadores e sindicatos. Foi o caso da Quinta do Índio, então com 32 cães de água nos canis. Muitos dos animais foram soltos ou fugiram e quando no fim do Verão de 1974, D. Francisco de Castelo Branco conseguiu ir á propriedade, restavam 15 cães, a maioria gravemente doente e com problemas de pele. Levou-os ao Canil Municipal de Lisboa para abate, mas segundo o enfermeiro Fernandes, alguns poderiam ser salvos, tendo-se assim recusado a abater 3.
D. Francisco Castelo Branco levou de volta esses 3 cães mas nunca mais ninguém soube deles.
Conchita Citron, portuguesa por casamento, pouco depois saiu do país com a família para o México, e não levou cão algum.

José Tanganho faleceu algo esquecido, mas não obstante o seu passamento foi objecto como se disse de algum destaque no jornal O Século, que lhe dedicou várias colunas e uma foto. De facto, haverá muitíssima gente, mesmo em Alfeizerão, que já não se recorda nem do nome de José Tanganho.
Só em 1970 vai surgir em Portugal a primeira mulher toureira (a pé) profissional, que aliás não fez grande carreira. Foi o caso de Ana Maria, natural de Azambuja, que ficou assim conhecida na arena, como Ana Maria d’Azambuja e que, com 16 anos, obteve a carteira profissional. Azambuja, é terra onde há bastantes aficionados e apreciadores da tourada, bem como a Tertúlia Tauromáquica Azambujense, sita numa antiga taberna, um museu vivo que comprova a aficcion do homem que um dia quis ser toureiro, mas o coração não me deixou, confessa com a mão no peito para reforçar a nota. Trata-se de António Salema, que colecciona na Tertúlia artefactos que dizem respeito à festa brava. Para alimentar a sua paixão, usou a energia a ensinar outros, como Ana Maria d’Azambuja. As fotos dos pupilos estão expostas a comprovar o carinho do mestre pelos seus discípulos, onde a de Pedrito de Portugal ocupa um lugar de destaque.

FLEMING DE OLIVEIRA

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