quinta-feira, 22 de setembro de 2011

CARTA A UM NETO QUE AINDA VAI NASCER, LÁ PARA OUTUBRO


Alcobaça, 2003


Meu (minha) querido (a) Neto (a):


Bem sei que ainda não sabes se vais ser menino ou menina. O teu Pai disse-me, um dia destes, que parece que vais ser menino, por causa de um sinalzinho, entre as pernas. Ora bem, que fique claro, para a Avó Minana e para mim, tanto faz.
Tanto faz... mas só, até nasceres. Depois queremos que sejas, mesmo e só, menino ou menina, sem confusões.


Ando encantado com a ideia de ter um outro(a) neto(a).
Por isso te estou desde já a escrever, ainda antes de nos conhecermos. Quando nasceres, vais ver que há alguns problemas cá fora, mas todas as coisas se vão resolvendo aos poucos, principalmente tendo a sorte de ter uma Mãe e um Pai Miguel (sabes porque Ele se chama Miguel? - porque podia ter nascido em S. Miguel-Açores). E quando digo sorte estou a falar muito a sério, embora ache que o Pai Miguel às vezes é muito complicado/teimoso e se não tiver cuidado fica em breve muito gordo e careca. Não sabes também, mas eu previno-te a tempo e horas, ele já tem abundantes cabelos brancos e alguma barriga. Tens de lhe ralhar, pode ser que te ouça e faça exercício.
Se nasceres menino, havemos de ir à bola (de boné, ao novo Estádio das Antas-Queres ser sócio?), beber umas cervejolas, dizer mal do árbitro que é gatuno e algumas carvalhadas (mas baixinho e sem o tua Mãe ou a Avó ouvirem, porque as mães e as avós só têm ouvidos para música).
Se nasceres menina, temos de arranjar uns vestidinhos com rendinhas, uma saia azul de pregas ou um kilt, meias até ao joelho e aos seis anos ballet que é tempo, que dá graciosidade e é social, como cumpre. Às meninas, dão-se mais miminhos e beijocas.
A Avó Minana não quer confessar a ninguém, muito menos a mim, mas sei que anda excitadíssima (mais do que com a guerra do Iraque, que supõe assistir em directo na TV, calcula bem!!!, até às 3 da madrugada, de olho arregalado) ao saber que vais nascer.
Sabes que ela perguntou à Tia P. (que é muito boa, meiguinha e irás conhecer um dia destes) pois não se lembrava bem ao certo... com quantos meses nasce um bébé? Ela que teve três, mas foi há muito (deve andar muito esquecida!!!). Depois começou a fazer contas à vida, a contar com os dedos para não se enganar, e disse que segundo as contas dela (matéria onde não é muito forte), nascerás até meados de Setembro próximo. Bate certo com as tuas contas? É uma altura boa, digo-te eu, está quentinho cá por fora e sentes menos a diferença.
Este fim de semana, vieram almoçar a Alcobaça o Tio N. e a Tia Paula, e então estivemos a estudar onde haveremos de te comprar um carrinho de bébé, com maxi cosi. Tens alguma ideia? Claro que não, que tolo sou eu, ao fazer-te esta pergunta. O carrinho da tua prima T. foi comprado em Vigo, recordo-me eu. Mas agora não sei aonde havemos de o comprar.
O Tio N. disse-me que se nasceres rapaz (serás como nós, um F.O.) e se quiseres, limpa a ferrugem e tenta pôr de novo a trabalhar o meu comboio eléctrico, que está guardado nos Montes. O teu Pai nunca achou muita graça a este brinquedo, nem a um outro, uma pista de dois automóveis, que teve. A Avó Minana diz que o teu Pai era ainda muito filho quando teve essa pista, que veio antes do tempo e não podia apreciar. Mas também me disse, e nisso eu estou totalmente de acordo que, se fores rapaz, ficas um dia (se quiseres com direito de preferência, registado, escrito e reconhecido no notário) com o Citroen preto. Esse carro, que foi do teu Bisavô Amilcar, já tem mais de 50 anos, mas ainda pode durar outro tanto. Foi nele que, segundo consta, a Avó Minana aprendeu a guiar. Este fim de semana dei umas voltas nele, pois já não andava desde Dezembro. Fomos até Peniche e almoçamos bem na Foz do Arelho, numa esplanada. O carro está em bom estado, puxa muito bem, mas gasta muita gasolina.
Pudera!, é do tempo em que era barata e ninguém fazia contas a ela. Pode ser que aches graça ao bicho (como dizia a prima Teresinha). Hei-de mostrar-te e darmos uma volta.
Eu sei que és ainda muito pequenino(a). Mas já se nota coisa na barriga da tua Mãe? Ouvi dizer que ainda na barriga da mãe, os bébés já percebem alguma coisa. Um dia destes, vou experimentar contigo, se os teus Pais me derem licença.
Também por tua causa (mas que boa causa!!!), vamos ter que fazer alguns arranjos no quarto dos teus Pais, em Alcobaça, ou seja, o quarto do teu Pai, quando era filho. A Avó Minana já pensou no assunto com todo o esmero ontem à noite, às 4 da manhã, depois de ver a guerra do Saddam. Temos que arranjar uma cama de casal mais larga, e para ti, claro, uma caminha de bébé. Será que te serve uma das que foram das Tias (R. e P.)? A tua prima T., em breve, já dorme numa cama das grandes. Não te importas?
Sabes tive uma ideia maluca. Quando saíres cá para fora, podias convencer o Tio L.N. e a Tia R a mandarem vir mais um bébé para teres um primo(a) com quem brincar, quando vieres a Alcobaça. Eu nesse aspecto não consigo nada, eles não me dão ouvidos nenhuns.
Quando eu nasci, em 1945, o meu Tio M., que espero ainda venhas a conhecer (irmão do meu Pai, o teu Bisavô Zico) deu-me um pincel de barba e uma navalha. E creio que ainda um cavalo de madeira.
Se me puderes mandar uma mensagem cá para fora, sejas menino ou menina, diz-me se tens preferência por alguma coisa especial. Sabes o que pensei? Se saíres menino, que tal um par de botas de carneira, com protectores, se saíres menina, que tal um biberão especial, cor-de-rosa?

Olha:
Há lugares e situações capazes de nos transportar, instantaneamente, aos reinos encantados da memória, simples, mas nem por isso menos grandiosos. Eles têm o condão de nos subtrair à monótona transitoriedade de um presente anódino e trivial, para nos deixarem nas margens de um passado intemporal, capaz de fazer sonhar ou sorrir, tal como aconteceu com gerações antes da nossa e irá acontecer com as que depois de nós virão... Por isso, sem querer ser piegas (se achares que sou chato podes dizer à vontade) te escrevo, mesmo condescendendo que se possa entender que o faço antes do tempo.

Falo nesse momento de coisas antigas, que chamo do tempo da outra senhora. Claro que sei que ninguém volta ao passado, regredir no tempo é apenas uma mistificação dos programas da SIC. Mas tenho a ideia que o passado (sei lá, a juventude) é sempre incompletamente vivido e de certa forma se pode transferir para o futuro e ficar à nossa espera para um acaso, um gesto ou uma vontade.






Vai daqui uma beijoca, e diz-me se a recebeste.

F

NOTA:

Afinal nasceu o DIOGO FO a 2 de Ouitubro de 2003, que é o FO mais velho da sua geração (a 4ª).
Hoje em dia tem um mano, o FRANCISCO KICO FO, que nasceu a 21 de Setembro de 2010.

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