quinta-feira, 22 de setembro de 2011

QUE VIVAM AS MULHERES


Que vivam as mulheres!, foi o título de um artigo que há uns anos escrevi num jornal, logo seguido por um pequeno coro de críticas, predominantemente de origem masculina. No fundo, aquilo que quis dizer, é que muitas mulheres ainda não deram suficientemente bem conta do que valem, do peso que têm na sociedade portuguesa, e não exclusivamente no seu papel tido por tradicional reservado às nossas Mulheres, Mães ou Avós. Numa sociedade como a nossa, a Mulher é tanto ou mais instruída, tem tantas ou mais condições para chegar a lugar de chefia, que o Homem.
Recentemente apareceu-me no escritório, uma rapariga dos seus trinta e poucos anos, que atribuía a uma escorregadela no lajedo da cozinha, as nódoas negras que salpicavam os braços e pernas, e tinha pudor de referir e mostrar. Mas ela, que tinha telemóvel e mexia muito bem na net, continuava a dizer apostar no milagre da reconciliação conjugal, mesmo sabendo da sua natureza episódica ou condicionada. Sabia que a linha chegara ao fim, mas não era capaz de respirar fundo e regressar ao tempo, não muito distante, em que houvera dias capazes de criar sonhos. Não sabia viver sem sonhos e sentia-se perdida porque, a falta deles, iria afectar a sua realidade. Exagerava todas as dúvidas, não obstante as verdades insuspeitas e irrefutáveis. No estado em que se encontrava, acabou por contagiar a vida pessoal e até profissional, com indisfarçável rancor.
Admito que o sofrimento psicológico, fruto de um mau e continuado relacionamento, se venha a traduzir mais cedo ou tarde, numa, deficiente, prestação laboral, num adoecimento físico, com mais problemas para agravar a crise social do País e muito especialmente dos que estão eventualmente deles mais ou menos dependentes. A violência física é normalmente mais fácil de constatar e provar como costumo questionar, desde logo, os clientes quando me abordam essa situação.
Este ano conheci um indivíduo de cerca de 70 anos, viúvo, e reformado parcamente, embora não dependente materialmente, referindo que a agressão mais penosa e traumatizante de que era vítima, acontecia durante o sono, apanhando-o a nora de surpresa assustando-o! O grave é que esta situação poderia perpetuar-se, mediante ameaças de ser pior ainda, se a vítima reclamasse a intervenção da autoridade, advogado ou parentes, naquele caso filho e netos.
Tenho conhecido casos, onde na agressão intervém o uso imoderado do álcool como o do marido rural, que bebia, tornando-se agressivo, tanto que depois nem se lembrava dos detalhes. A mulher ia à missa, frequentava os padres a quem cuidava da limpeza da casa e refeições, rezava piedosamente, vinha desabafar comigo e pedia a Deus que este lhe levasse depressa o homem, para por termo ao tormento. Chegou a fazer por mais que uma vez queixas na GNR, que acabaram arquivadas, por sua iniciativa, mudando o depoimento. A dependência emocional, não a económica ou sexual, fazia a mulher suportar todos os vexames.
A violência assume muitos contornos. O tipo comum da chamada Agressão (chantagem) Emocional, revela-se sob a forma de comportamentos histéricos, cujo objectivo é mobilizar o outro ou outros membros familiares, para satisfazer a necessidade de atenção, importância e até carinho, supostamente em carência. Diz-se que isto é especialmente próprio das crianças, mas creio não ser correcto. Sem preconceitos, creio que a violência emocional encontra-se mais frequente nas mulheres, sendo uma situação aonde, os homens sofrem especialmente.
Lidei com alguns casos de histerismos, uma vez o de uma adolescente cujo pai, bom homem, pouco letrado, humilde e desesperado, gastou um dinheirão, ganho em França, metido com curandeiros, mulheres de virtude e até um padre italiano de Fátima. No histerismo da pequena, sempre me pareceu que o traço predominante era o histrionismo, um comportamento desviante, caracterizado por grande dramatismo, na procura de atenção. Por vezes, o histérico obtém o seu desiderato através de um comportamento afectado, exagerado, exuberante ou dissimulado e com uma representação que oscila conforme a receptividade da plateia, que no caso concreto eram os pais, que se encontravam impreparados. Mas como comprovei outras vezes, a natureza do histérico passa pelo movimento e acção, como por exemplo, destruir sem sentido objectos pessoais e de valor sentimental.
E o caso da rapariga dissimulada, para quem ficar calada, com ares de não querer incomodar ninguém, acabou por ter um impacto maior, criando para fora a ilusão desejada, virar sempre as coisas a seu favor, isto é, encobrir um namoro e uma gravidez indesejada?
Um histérico pode apresentar um quadro de severas razões para que o cônjuge não vá ver a Final do Campeonato do Mundo de Futebol, como sempre desejou e tinha junto dinheiro ou para que a(o) filha(o) não saia à noite com os amigos.
Uma das mais virulentas e refinadas formas de violência emocional, que em termos de análise ou estudo é a única que de momento me interessa é fazer o outro sentir-se inferior ou dependente. Há cerca de 30 anos, estando eu a trabalhar há pouco em Alcobaça com o Dr. Magalhães, recebemos uma cliente, aliás enfermeira de mérito, como depois ao longo da vida comprovou em Coimbra, cujo quadro que nos apresentou como motivo da sua intenção de separação litigiosa de pessoas e bens, ainda não era permitido o divórcio a quem se casasse pela Igreja, consistia no facto de o marido, operário fabril, ter boa cabeça, excelentes mãos para a bricolage…!!! Ele apresentava-lhe tudo muito certinho, não com o propósito de a corrigir ou ensinar, mas para lhe mostrar a enormidade da sua incompetência. Entre outros exemplos possíveis, imputava-lhe não saber fazer as contas da casa, pregar um prego, a comida está sempre crua, sem sal, fria, isto ou aquilo.

Mas se fosse feita à maneira da minha mãe, ficaria melhor… Calculo que isto, em termos de violência emocional não é muito diferente da atitude do pai perante o filho, que não está sendo exactamente do jeito por si idealizado, e que lhe atira isso à cara.
No meio deste quadro sobre o título genérico de violência, gostaria ainda de abordar aquela forma penosa de violência, a de tipo verbal, que anda muitas vezes intimamente associada à violência psicológica. Pessoas há que dirigem a sua artilharia pesada para ferir moralmente o outro, contra a sua figura do corpo, o trabalho que desenvolve, a depreciação de membros da família ou amigos próximos, quando não estão presentes ou perante pessoas estranhas. Como decorrência da sua normal menor força física, não emocional claro, parece serem as mulheres, desculpem-me esta generalização, eventualmente muitíssimo injusta, as especialistas nestes comportamentos. Mas não é menos vulgar infernizar a vida imputando, querendo ouvir confissões de coisas que nunca ocorreram, nem têm sentido, como o argumento de que o relacionamento tem de se basear na base da confiança, do respeito e da verdade. Tens outro(a) amante, querias ter ficado com ele(a), ainda ontem estavas a atirar-te a ele(a), bem vi.
Claro que me preocupo com estas situações como Marido, Pai, Avô, como cidadão e não propriamente como jurista.
Se as crianças ou os adolescentes não conseguem encontrar estabilidade e segurança, nas suas casas e famílias onde a violência grassa, cometida por pessoas que conhecem muito bem, que visão e comportamento levarão para o exterior? Creio que é justo considerar que a violência doméstica pode perpetuar um modelo de actuação agressivo e violento em pessoas com a personalidade em formação.
A violência psicológica cometida contra crianças e adolescentes assume para mim, um interesse e preocupação especiais. Não aceito que adultos usem ameaças ou estratégias equívocas para exigir que uma criança obedeça a um certo comando, quando as comparam com outras, depreciando-as ou quando lhes negam afecto.
O objectivo destas notas não é clínico, memorialista, muito menos científico ou didáctico.

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