quarta-feira, 21 de setembro de 2011

(I) NO TEMPO DE SOARES, CUNHAL E OUTROS. O PREC também passou por Alcobaça

E
sta obra, vem na sequência da que apresentei sob o título de NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS. Alcobaça e Portugal.
Não pretende ser a história dos tempos do PREC em Alcobaça, muito menos em Portugal. A grande História do PREC está feita, apesar de díspares interpretações, pelo que dificilmente poderia trazer aqui algo de factualmente novo. Optei por outra abordagem. Tendo como pano de fundo, o tempo conturbado que vai do 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975, não obstante haver quem entenda que o PREC se refere, especificamente ao período de 37 semanas que vai de 11 de Março a 25 de Novembro de 1975, irão ser aqui referidos factos, sem preocupação de lhes conferir uma ordem cronológica e impressões de alguns protagonistas, onde, passe a imodéstia, também se inclui o autor, que estiveram envolvidos no processo de transição para a Democracia.
A obra pretende assumir um distanciamento temporal ou, se quisermos, um distanciamento passional, em relação ao período revolucionário, sem prescindir de possuir, em simultâneo, uma proximidade afectiva, que não se dissimula e que se afigura até, sob um dado prisma, um elemento interessante para quem ler ou compreender este livro. Por outras palavras, como autor sei do que falo, li muito do que se encontra disponível, pesquisei arquivos nacionais e locais, públicos e privados, entrevistei pessoas recolhendo histórias orais interessantes, ainda que eventualmente facciosas, de uma experiência que, no contexto global do PREC, se caracterizou por uma peculiar intensidade. Recolhi alguns textos, que marcam a reacção e a evolução a partir de 25 de Abril de 1974, concretamente NOTAS SOBRE OS TEMPOS DO PREC EM ALCOBAÇA, in O ALCOA-1994, publicados por mim durante cerca de 6 meses.
Talvez não tenha existido em Alcobaça nada de especialmente original em relação ao que ocorreu noutras paragens do Distrito e da Zona Centro, graças à natureza da estrutura fundiária do concelho, em comparação com a que existia noutros, bem como a ausência acentuada de clivagens sociais. Os operários de Alcobaça, durante o PREC, não queriam, em geral, assenhorear-se da empresa, mas tão só obter melhores condições de vida, emprego, salários, horários e protecção social. As reivindicações deveram-se, na minha opinião, muito mais a uma orientação feita a partir de cima pelos dirigentes, do que a um desejo de vindicta, obviamente, sem esquecer pontuais situações de pura vingança. Fiz a compilação de alguns acontecimentos que, a quente, pareceram por uma ou outra razão significativos, no seio de uma batalha político-social, em que se tentaram conjugar, nem sempre com felicidade, as actividades de cidadão militante do PPD e de jovem advogado em início de profissão. Admito que, por força da vida pessoal/familiar, profissional e alguma política, possuo um conhecimento da realidade e um definitivo envolvimento emocional com a Alcobaça e a região. Reunida a informação, houve depois que trabalhá-la e apresentá-la.
O segundo mérito do livro, se é que existe algum, reside no método de investigação e no modo como os resultados são trazidos ao leitor. O produto final é uma mescla de história, estória, sociologia rural e política. A matéria-prima da minha investigação foi a terra, as pessoas e o tempo, ou, talvez melhor, a memória que um tempo deixou em quem o viveu, de um lado e do outro da barricada. Não quis circunscrever o trabalho ao concelho de Alcobaça, por não o considerar paradigmático, salvo naquilo que teve de singular no contexto desse processo atribulado.

Ao versar o tema do PREC, enfrentei algumas dificuldades. Desde há muito que me ocupo do Concelho de Alcobaça, inicialmente como Autarca, Deputado à AR, colaborador de jornais e, mais recentemente, como autor do supra referido livro.
Neste último, estudei Alcobaça e as suas características, embora tendo como pano de fundo o País, investiguei as transformações sofridas na região ao longo de um período relativamente amplo, que começou ainda no tempo dos frades, passou pelo Estado Novo e terminou no 25 de Abril.
Reconheço que a minha presente análise, é menos apoiada em dados objectivos e fontes documentais, pelo que se ressente de algum impressionismo, onde é visível a marca de um certo desencanto que se compartilha com as pessoas que entrevistei e os leitores, a qual terá, poderá mesmo dizer-se, traços de uma nostalgia reprimida ou de um objectivo inatingido, no modo como se analisa o destino de uma terra que parece condenada a servir de residência a uns tantos desajustados das novas realidades.
Seria, sem dúvida, exagero defender que este trabalho visaria captar de forma objectiva e isenta o que se passou no conturbado tempo do PREC, marcado por preconceitos ideológicos. Antes deste livro, já foram ensaiadas tentativas meritórias de interpretação e levantamento do processo revolucionário.
A objectividade asséptica, a ser possível, não pode ser entendida como mérito, o que, de resto, não é também em si um defeito. Ao invés de me limitar a coligir dados e estatísticas, levados a notas de rodapé, não me eximi à aventura de dar uma visão pessoal, obviamente contestável, mas apoiada em diversos elementos, com destaque para a memória oral. Da euforia dos cravos na ponta das baionetas, com as alegrias, as inadvertências, os desacertos e acertos com uma liberdade reencontrada algo imprevistamente, passou-se à vivência de uma realidade agressiva, sob muitos prismas, e nem sempre bem definida nos contornos fundamentais. Tanto tempo vivido sob um regime autoritário, deixou o País num estado ingrato. A febril agitação em alguns meios urbanos e industriais, contrastou com a passividade reticente e a desconfiança dos meios rurais, num país a oscilar entre um passado e um futuro incerto quanto ao rumo, e que passou a interrogar-se perplexo, solicitado por vários lados por força da avalanche de propaganda contrária, entre a esperança e a inquietação.

(CONTINUA)

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