quinta-feira, 22 de setembro de 2011

LIÇÕES (benévolas) PARA A FELICIDADE (II)


O Manuel da Neta estava muito feliz com seu florido jardim, no Bárrio, que um dia foi invadido por um tipo de lagartas daninhas, que o estavam a destruir. Após tentar em vão tudo o que sabia a fim de acabar com a praga, foi falar com um antigo jardineiro da Câmara, que era tido lá na terra por filósofo, a pedir uma orientação. Enumerou todas as providências tomadas e terminou perguntando:
-O que mais me resta fazer?
A resposta foi curta e simples:
LIÇÃO A REGISTAR:-Experimenta gostar delas.
As pessoas querem ser felizes.
Ser feliz é uma atitude positiva.
A tempo inteiro, em cada instante, interminavelmente. O senso comum insiste em criar histórias, para adultos e crianças, que desprezam o que há de mais inconciliável na nossa condição, substituindo os monstros devoradores de crianças por histórias sobre pessoas felizes que não conhecem o engano em ascéticas trajectórias.
Essa exigência é esperada por todos os alcobacenses, seja qual for o respetivo nível individual e social, reforçada pelas drogas da felicidade e por uma imersão mediática numa atmosfera de euforia, onde os bens necessários à plena satisfação estão à venda numa série interminável de coisas, oferecida sobre essa égide. Há hoje, uma espera constante e permanente por uma vida isenta de perdas, traumas, violência, frustrações, lesões, mesmo enganos. Enquanto há outro, há dor diria Freud, se perguntado sobre o sentido geral de uma de suas obras maiores, O Mal Estar na Civilização. Falando de Freud, não devo esquecer que disse que a literatura é o reino onde impera soberano o Princípio do Prazer, afirmação que no meu entender não deve ser confundida com a mera ideia de fruição.
Talvez seja esse o critério que, mais facilmente, nos ajuda a distinguir os gigantes intelectuais, dos meros vendedores de livros, os celebrados best sellers, de um qualquer plumista televisivo.
Na nossa história estética, nenhuma obra cunhada sob uma atmosfera edificante, com personagens felizes, sempre emitindo bons exemplos, resistiu à prova do tempo. A vassoura da história varre de nossa memória obras irrelevantes, não condizentes com a dimensão mais elementar da vida, aquelas que não são feitas sob a proposta de um trilhar sobre nossas veredas mais intimas.
Mesmo as histórias feitas para crianças, são metáforas do que há de mais odioso na nossa condição e que, por meio das narrativas infantis, encontram uma brecha na pesada barreira do recalque para alertar as crianças que a vida não é para amadores e que exige que pisemos leve e não confiemos demais.
LIÇÃO A REGISTAR: O mundo não vale o mundo, como sintetiza algo cinicamente o meu amigo M…, de quem já tenho falado, tal como poderiam dizer dizer, se perguntados, os contos dos irmãos Grimm, as fábulas de Esopo ou de Andersen, obras que os meus netos, cuja carne hoje ainda é feita de sonho e vento, confio que haverão um dia de ler, nas suas casas da Figueira da Foz ou Lisboa.

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