terça-feira, 27 de setembro de 2011

AS NOSSAS MEMÓRIAS FLEMING DE OLIVEIRA


(V)

MIRAMAR (anos 50/60),
-A PRAIA DAS ROSAS E
-O SENHOR DA PEDRA
Não estou neste momento a fazer nenhum balanço de vida, com um deve e um haver, um diário ou uma autobiografia. As minhas glórias são efectivamente muito limitadas.
Podem perguntar-me se sinto um vazio por não ter conseguido realizar coisas com que sonhei. Respondo que não. Por isso, digo que não tenho medo de, mais cedo ou mais tarde, me reformar. Nunca fui obsessivo ao ponto de fazer ou construir toda a vida exclusivamente à volta da actividade profissional, como aliás tenho dito ao Nuno G.. Doutro modo, estava já em contagem decrescente. Tentei criar alguns focos de interesse e um deles é, escrever.
Vou continuar a escrever, embora já não para publicar, a não ser que achem que sou chato, piegas ou ridículo.
Estou convencido de que todos, mais ou menos, temos uma missão e que alguns valores que me foram transmitidos, devo passá-los, nomeadamente aos filhos e netos.
Sei lá o que é o Mundo de amanhã !!!

Há momentos que me pergunto porque razão gosto tanto de ir ao Porto ou a Miramar e outros em que não me apetece mesmo nada lá ir, embora lá tenha a Paula, e me sinta muito bem na sua casa, tal como a Aninhas bem demais, porque supõe que lá manda alguma coisa. Porque é que por vezes gosto menos de lá ir? É que os anos mudaram tanto as coisas, como as pessoas. São os prédios novos, as ruas e as pessoas. Sem dúvida que ainda reconheço alguma coisa. Mas a casa de janelas com portadas verdes, no nº 179 da Avenida Principal da Praia das Rosas, (…e porque aqui se cultivam rosas todo o ano, alguém a chamou de Costa das Rosas) o emblema do nosso ramo FO, já não é nossa. Era uma casa onde cada recanto nos dizia muito a todos, e a cada um por si. Longe estão os tempos que remontam ao início do século XX, dos belos chalets de praia, alamedas frondosas, arborizadas e belas roseiras envolventes, antigamente não era a Praia das Rosas?, e na rotunda da nossa Avenida Vasco da Gama, a delicada escultura dos meninos (um anjo protector e dois meninos) de José de Oliveira Ferreira ocupava o seu lugar, sem o disputar com uns muito inestéticos montículos mamudos, propostos pelo Meneses, de Gaia, seguramente com a concordância do Aguiar, de Arcozelo.
Conhecem a Lenda da Costa das Rosas?

Das lindas praias que tem,
Granja, Aguda e Miramar
Arcozelo é doce mãe,
Com três filhas p’ra cuidar.

Praias de finas areias,
Cheias de rara beleza
Com encanto de Sereias
Fascínio da Natureza.

Nasceram de Pai Velhinho,
Nas areias da Marinha,
O Sol foi seu Padrinho
Tendo a Lua por Madrinha.

Uma Fada abençoou
Essas Sereias Formosas
Com carinho as transformou
Na bela Costa das Rosas.

O arraial do Senhor da Pedra é agora, uma esplanada muito turística e domingueira graças ao Meneses, boa para fotografias de casamentos e ir almoçar ao badalhoco. A própria romaria, no Domingo da Santíssima Trindade e nos dois dias seguintes, uma das mais típicas da região do Porto, praticamente acabou e com ela a nossa excitação. Apenas a capelinha é a mesma, assente num rochedo negro, a Pedra da Assoreira, no areal de Miramar, o rochedo sim é eterno, rochedo esse que o mar rodeia na maré cheia. A capela foi mandada reconstruir num lugar de antigo culto pagão, pelo Abade José Barbosa Pereira, com o produto das esmolas dos fiéis, em meados do século XVIII para, segundo a tradição, dar guarida a uma imagem do Senhor que deu à costa e por isso estaria abençoada. Segundo um documento a que tive acesso para estas notas Medição da Freguesia de Arcozelo feita aos 17 de Abril de 1653, diz-se que começando pela Pedra da Assoreira, fica no meio dela uma pedra, que serve de marco para extremar as duas freguesias de Arcozelo e Gulpilhares.
Já não há mais o intenso foguetório, barraquinhas com venda de louça de barro, carrinhos de choque, nova corrida, nova viagem que esta terminou !!!, comboio fantasma, poço da morte, o gigante e a mulher-anã ou o homem mais gordo, carrosséis, ourives de Gondomar e de Ermesinde que transportavam o material em malas de madeira rodeadas por um cordel, bandas de música ainda sem mulheres, excursões de camionetas e rusgas, com o povo a farnelar pastéis de bacalhau em qualquer canto, seja nas bouças ou no passeio. Antigamente havia pinhais, mas hoje desapareceram. Não há mais comboios especiais, bêbados de vinho tinto e aguardente a fazer desacatos que acabavam com galos e nódoas negras, a vomitar e cambalear com o garrafão a bambolear mas bem preso na mão, barracas de farturas e mendigos andrajosos a pedir compaixão dos fiéis, lado a lado com ciganas que lêem a buena dicha.
Muito ligado à romaria do Senhor da Pedra, se bem me lembro, eram as camarinhas, com que se faziam raminhos para colocar ao peito, ao pescoço ou nas fitas do chapéu dos namorados enlevados. Por esta altura do ano, fins de Maio ou princípios de Junho, apareciam as primeiras cerejas. Hoje creio que praticamente acabaram as camarinhas, fruto silvestre comestível, em forma de pequenas bagas esbranquiçadas, que proliferavam nas dunas arenosas do litoral. A romaria era (é?) de três dias, com missa celebrada no Domingo de manhã na capelinha, na terça-feira eloquente sermão e procissão, com bandas de música a preceito e imagem para benzer o mar, a percorrer o areal até ao arraial.
Entre lendas, tradição e histórias com pedaços de verdade, hoje em dia o Senhor da Pedra menos para pagar promessas, está ligado a estranhas práticas de bruxaria, em determinados dias da semana.
Ao preparar estas notas, encontrei algumas saborosas quadras populares que segundo o já prestimoso Dr. Helder Pacheco e Soledade Martinho Costa, terão sido cantadas pelas antigas rusgas ao Senhor da Pedra:

Fostes ao Senhor da Pedra,
Minha rica Mariquinhas,
Nem por isso me trouxestes
Um ramo de camarinhas.

Hei-de ir ao Senhor da Pedra,
P’ra colher as camarinhas,
Meu amor é da lá,
Já m’as tem apanhadinhas.

Hei-de ir ao Senhor da Pedra,
Nem que me leve um Verão,
Em manguinhas de camisa,
Co’o meu amor pela mão.

Meu rico Senhor da Pedra,
Meu rico Senhor da Areia,
Eu queria lá ir dentro,
Mas a capela está cheia.

Hei-de ir ao Senhor da Pedra,
Que meu irmão já lá foi,
Hei-de ir ao Senhor da Pedra,
Ver a pegada do boi.

Também não existe mais o Hotel de Miramar, arrojadamente construído no fim da II Guerra, pelos irmãos Amândio e Afonso. A partir de certa altura, os tempos não indo de feição, sofreu grandes alterações arquitectónicas, que o desfiguraram completamente num característico e frio bloco de cimento e tijolo, hoje em ruínas.
Também ali perto, estão definitivamente em ruínas o Hotel da Granja e a Assembleia da Granja, que mesmo nos seus bons tempos pouco frequentávamos mais por uma questão de princípios.
Segundo se sabe, ainda a Granja dava os primeiros passos como praia de banhos, por iniciativa de alguns dos seus frequentadores se criava (1876) a Assembleia da Granja, durante muitos anos a sua sala de visitas. O Hotel foi outro ponto de encontro da elite de outros tempos, frequentadora daquela praia.

Fleming de Oliveira

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