quinta-feira, 29 de setembro de 2011

É PROIBIDO USAR ISQUEIRO SEM LICENÇA - FLEMING DE OLIVEIRA


Há coisas que, vistas à distância dos anos, parecem incompreensíveis para os mais novos. É vulgar achar graça ao compararem-se preços com os do antigamente, algumas tradições, artes, que se foram perdendo ou as novas, velhas facilidades ou dificuldades da vida. Algumas situações tidas como naturais, no tempo da outra senhora, levantam as maiores reservas ou dúvidas nos rapazes e raparigas que hoje têm 35 anos, como se tratasse de ingénuos contos da carochinha. Lembrem-se, algumas restrições aos direitos, liberdades e garantias que afectavam a população portuguesa em geral, as incapacidades cívicas e políticas de que padecia a mulher relativamente ao homem, fosse ele marido ou não.
Até aos anos 70, em Portugal, era proibido o uso ou simples detenção de acendedores ou isqueiros que estejam em condições de funcionar quando os seus portadores não se achem munidos da licença fiscal. Os infractores eram punidos com a multa de 250$00, além de sofrerem a perda dos acendedores ou isqueiros, que eram apreendidos. O mesmo diploma acentuava que das multas, no caso de haver denunciante (não se esqueça que por esta altura a Pide acabava de dar origem à DGS), lhe caberia uma parte-37$50, correspondente à metade do autuante. Admitindo que não era relativamente exagerado o valor da licença semestral, 50$00 em Maio de 1970, tratava-se todavia de uma pequena gota de água no oceano do Orçamento do Estado. Claro que havia muita gente que não tinha licença de isqueiro, num tempo em que quase todos eram de gasolina, mais não fosse por uma pura questão de princípio. Estavam a aparecer no mercado os isqueiros a gás, os BIC descartáveis e os recarregáveis. No último semestre de 1969, cerca de 8.000 portugueses da Metrópole, tiraram licença de isqueiro.
No Ultramar, não vigorava esta imposição.
O Conselho de Ministros, já presidido por Caetano, ao decretar a abolição, não fez mais do que dar uma pequena satisfação moral a uns milhares de portugueses. Acabou-se deste modo uma prática sem paralelo na Europa, que pouco beneficiava o Estado, implicava incómodos aos cidadãos em demoras arreliadoras para obter o impresso adequado, que custava $50 numa Repartição de Finanças, onde apenas era entregue. O preceito inseria-se na forma como, politicamente, o regime tratava certos assuntos. A licença de isqueiro foi instituída em 1937 e terá tido como razão a protecção da indústria fosforeira portuguesa. O diploma não fazia referência ao destino das verbas recolhidas. A decisão de Caetano não teve grande impacto, até porque veio beneficiar apenas os portugueses fumadores, mas foi saudada, como uma manifestação de distensão da Situação. Pelo menos, os fumadores deixaram de estar preocupados com a eventual e irritante presença de um fiscal, o fiscal de isqueiros.