terça-feira, 27 de setembro de 2011

AS NOSSAS MEMÓRIAS FLEMING DE OLIVEIRA


(II)

-A FAMÍLIA FO É GRANDE E CRESCEU BEM
-BRINCADEIRAS SEM MALDADE
Era uma excitação muito grande quando ouvíamos o choro de mais um bébé, ou seja, mais um mano que acabava de nascer.
Depois, éramos autorizados, íamos em fila, ver a Zica e o menino (a).
Há muitos anos, as famílias no Norte de Portugal, eram grandes e nós em Miramar, não éramos uma verdadeira excepção. Isso foi possível, porque a Zica não trabalhava fora de casa, tinha várias empregadas para a ajudar e claro a Carmindinha. Não sei se foi isso que a deixou muito cansada e doente de cama.
Sou do tempo que havia 3 ou 4 empregadas na casa, ou seja, uma para a cozinha e de confiança, a Carminda, outra chamada de dentro, para servir à mesa, outra para tomar conta dos meninos na rua, e outra, a dias, para lavar, passar a ferro e fazer limpezas.
Até chegamos a ter, nas férias de verão, uma fraulein, o que era nesse tempo uma coisa muito chique, mas que no nosso caso não era autêntica alemã, pois era de Espinho. Nem sabia, nem uma palavra de alemão. Inglês, pouco! Gostava, se bem me lembro, de jogar voleibol. Eu gostava de jogar ténis. Recorda a Náná que, quando éramos pequenos havia uma rivalidade com os Pinto Leite, porque eles tinham uma mademoiselle belga, suíça, etc. e nós tivemos uma menina de Espinho.
E as reuniões da canasta, quem se lembra disso? A Náná pois quem haveria de ser. Eram todas as semanas e rodavam pelas amigas da Mãe. Quando eram lá em casa, nós ficávamos atrás da porta, a fazer um bocadinho de barulho para ver se não comiam tudo e nos deixavam algumas torradas e bolos.
Um dia ainda contarei aos meus netos, como fui na Foz do Douro campeão de juniores do norte em ténis, com direito a fotografia no Comércio do Porto, no Senhor da Pedra campeão de prego à espanhola, ou seja, com o bico ao contrário o que era muito mais difícil, do jogo da macaca no Parque da Gândara ou do salto à corda, na escola primária. E também como aprendi a jogar damas, o que me permite ganhar sem batota, às vezes à Teresinha, que gosta pouco de perder..
A Naná, que era muito fina e senhoreca como dizíamos para peguilhar com ela, tinha um enorme desgosto. De facto, a Naná nos seus doze anos gostava muito de andar de tacões altos e de ter conversas profundamente filosóficas sobre a existência da Alma, ou o inferno para os pardais. O desgosto da Náná era a nossa fraulein não ser mesmo alemã, como acontecia numa outra família, os Pinto Leite, nossos vizinhos, que tinha uma verdadeira fraulein, para os 10 filhos. Eu não gostava de sair à rua com a nossa fraulein, porque com os meus 12 anos, entendia que não precisava que tomassem conta de mim, muito menos por uma menina, para aí com uns 20 anos, morenaça, de cabelo cortado à rapaz e jogadora de vólei. Mas a Náná também tinha um desgosto profundo que só conheci em tempos recentes, que nunca manifestara anteriormente. O quê? Além de tudo eles, os Pinto Leite, podiam tomar groselha todos os dias e nós só podíamos comer um chupa-chupa por semana !!!

Os Zicos, iam com frequência vezes jantar fora com amigos ou a casa de parentes, os jantares dos primos ou da toga como eram conhecidos, e nós ficávamos, com a Carminda. Nesses dias fazíamos as coisas mais variados. Lembras-te Náná? Claro que se lembra dos concursos para arrotar mais alto, para ver quem cuspia caroços de cereja mais longe. Durante uma larga temporada os primos direitos do lado Fleming, juntavam-se todos os meses e de cada vez em casa de cada um.
Embora isso não seja muito bonito, tenho de confessar aos meus meninos que também fazíamos, de vez em quando, as nossas birras, dizíamos que não gostávamos do jantar para arreliar a Carminda e ela nos contar, as mais que sabidas, histórias, que não eram da carochinha ou contos de fada, mas da Carminda. Segundo a Náná que tem boa memória, graça e cabeça para certas coisas, pelo menos no dizer das manas, o que subscrevo, o Fernando e eu andávamos sempre a batatada no entanto não nos podíamos ver separados. Durante o 1º e 2º ano do liceu, ele estava no Porto em casa da Avó Laura, só vinha nos fins de semana e quando voltava ao Porto eu ficava a chorar. Nunca me tinha apercebido disso, nunca me tinhas dito isto, querida irmã.
A Clara era muito boazinha e acreditava em tudo. Mesmo tudo?
Quando os Zicos não estavam em casa, eu sentava-me à cabeceira da mesa de jantar. Eu era o mais velho dos manos, o patrãozinho, tal como o Miguel também chegou a ser conhecido, e gostava já nessa altura de dar ordens.
Querem recordar comigo algumas coisas que fazíamos à Clara?
Comecemos pela Náná, que não era nenhuma santinha como hoje se pode benevolamente pensar. Um dia, conta a Náná, a Clara era bebé e eu também pequena, é claro, e estava proibida de lhe pegar porque ainda estava no berço. Apanhei a Mãe longe e peguei-lhe mas ela virou-se para trás e caiu. Eu peguei nela, fui po-la no berço mas de vez em quando ia ver se já tinha morrido.
E agora eu.
Em Casa comia-se muitas vezes bacalhau dourado, prato de que gostávamos, mas também de que por vezes estávamos enjoados. Dizíamos à Clara para ir, por exemplo, à cozinha chamar a Carminda, buscar água, ou ver se estava a chover, mesmo que estivesse uma bela noite de verão ou de luar. Como era boa menina e obediente, a Clara ia logo num pulinho. Nós aproveitávamos essa saída, e dos nossos pratos ou da travessa enchíamos o prato dela. Quando a Clara voltava, ficava admirada, pois tinha muito mais comida do que a que deixara no prato, quando fora ver se chovia. Nós dizíamos-lhe, com o ar mais sério do mundo, que foram as bruxas que vieram pelo tecto da sala encher-lhe o prato, no que ela acreditava, ou fingia acreditar como agora diz com ar sério, e assim comia tudo, até ficar empanturrada e ter de desapertar a saia.
Lembra a Náná que quando nos portávamos mal, o Pai dizia-nos que íamos para a tutoria (a Carminda por sua vez dizia titoria). Um dia convenci-me que isso era verdade e comecei a distribuir os meus bens.
Outras vezes quando a Naná se portava mal, o que raramente acontecia, mas acontecia, a Mãe dizia-lhe não és mais minha filha. Eu começava a chorar e a dizer eu quero ser filha da mãe.
Nessa altura, a Núnú e Clara eram bem redondinhas. Acreditam nisto, ao ver hoje a Núnú tão magra? A Clara é bem mais fácil de acreditar, ainda está redondinha…
É mesmo verdade, e posso provar, pois há fotografias desse tempo.
A Clara, tinha a mania de dizer que gostava de champanhe, porque uma vez em bébé, molhou o dedo numa taça do Zico. Dizia que gostava de beber, mas não bebia champanhe nenhum. Pelo menos nunca a vi beber, mesmo pouco. Não que isso tivesse mal, sendo ela uma FO de nascença e Almeida por casamento. A Náná diz que eu pagava, não me lembro nada, à Inês vinte e cinco tostões para lhe dar beliscões e ela chorar: achava que era mais encantadora quando chorava. Não acredites nisto, Inês se me vieres a ler, que a Náná é uma refinada linguaruda!

FLEMING DE OLIVEIRA

Sem comentários: