terça-feira, 27 de setembro de 2011

AS NOSSAS MEMÓRIAS FLEMING DE OLIVEIRA


(VII)


MIRAMAR,
-O PARQUE DA GâNDARA,
-O TÉNIS,
-O GOLF…(anos 50 e 60, muito selectinhos)
E
-AINDA (mais recentemente) AS EMPANADAS
DA PALOMA


Como diz o Nuno FO, nada é como dantes.
Para o exemplificar evocou para nós um episódio, em que interveio na verdura dos seus doze a catorze anos, mas que eu mesmo reconheço como se se tivesse passado comigo há perto de cinquenta anos, nesse saudoso ponto de convívio e gerações que era então o Parque da Gândara. Recorde-se que o Parque da Gândara, hoje com perto de 80 anos de idade, foi fundado em 1930, entre outros, por Alberto Júlio Pereira e Manuel Menéres, conforme uma pequena lápide que havia (há?) no Jardim de Inverno. Frequentado pelas melhores famílias de Miramar, Porto e arredores, nos anos 50, 60, promovia excelentes festas e exposições, com destaque para os torneios de ténis. Demos a palavra ao Nuno, era Verão e como todos os anos começavam as grandes provas de ténis. Sempre havia muitos espectadores, Miramar nesse tempo era muito chique e social, tal como a Assembleia da Granja, a Quinta da Conceição, na altura ainda não se ia para o Algarve, as pessoas do Porto alugavam casa na praia para passar o Verão, e reuniam-se à volta do ténis, que se iam juntando no relvado do morro em frente do court 2 (o que ficava mais a oeste penso…). Era a final de pares senhoras. Dum lado, iam bater-se a Julita Pinto Leite e suponho a Gracinha Costa Pereira (as duas melhores jogadoras do norte) contra outro onde estava a filha do Alberto Abreu (creio que queres dizer o Aníbal Abreu, pai) fazendo par com alguém, talvez de Lisboa.
Antes do jogo, era natural o árbitro procurar quem o coadjuvasse, como os juízes de linha. Também, era comum, toda a gente se desenfiar, principalmente em jogos de responsabilidade (como era o caso de uma final, em pares femininos!!!). Alguém terá pensado em mim que ali estava e que sabia o que era uma arbitragem (o Nuno FO era melhor árbitro, que jogador de ténis!, embora batesse bem da bola). Penso que terá ido o Ramiro Magalhães. E não me deixaram dizer que não, depois de me terem convencido de que não iria haver problemas, de jeito nenhum. Lá me sentei numa cadeira do campo sul. A certa altura, uma bola vinda do outro campo cai muito perto da linha final, talvez queimando o risco. Numa fracção de segundo ( eu explico que o Nuno FO sempre foi um rapaz muito expedito, talvez por isso é que a Paloma o aprecia) avaliei se deveria pronunciar-me ou não e fi-lo com toda a determinação, para logo a seguir gritar fora (antigamente era de bom tom, dizer britanicamente out). Errado, pois pareceu-me ouvir da assistência muitos protestos como se a bola devesse ter ficado dentro. Eu muito enfiado, lá ia sustentando o que me tinha parecido. Mas o que aconteceu foi que os pais Abreu e Pinto Leite quiseram adoptar o critério que mais favorecia cada uma das filhas, um achando que a decisão do juiz de linha (eu) era soberana e o outro valendo-se do que parecia ser a demonstração da maioria do público, tentando com que o árbitro invalidasse a minha decisão. E aqueles (verdade seja dita, pessoas de bom nível social e trato) que eram amigos de longa data, começaram a travar-se de razões, arregaçaram as mangas e envolveram-se em pancada...
Em pancada mesmo, ao sopapo? perguntei ao Nuno FO ainda hoje um pouco incrédulo e desmemoriado, apesar de me lembrar bem, a paixão em que decorriam aqueles jogos de ténis, muito amadores, selectos e sociais. E concluiu o Nuno FO, que de exagerado não tem, que aí o jogo parou, até serem afastados (os contendores do sopapo) um do outro. O tempo suficiente para o Abreu (da Agência Abreu!!!) abandonar o recinto ficando o Pinto Leite (conhecidíssimo radiologista do Porto e pai de uns dez filhos!!!) a ver o resto da partida.

Em Miramar havia também o golfe, esse menos frequentado por nós, e quase só pelo Zico, que aliás chegou a ser seu Presidente da Direcção, do que muito se orgulhava. O Club de Golfe foi fundado nos anos 30, pouco depois do Parque da Gândara e se bem me lembro, entre outros, por Frank Gordon. O campo é pequeno, apenas de 9 buracos, mas muito bem cuidado e dele desfruta-se uma bela paisagem sobre as dunas e o mar.
Nessa altura, o golfe era considerado por nós, os rapazes, um desporto menor, de sociedade, pois não fazia músculo. O golfe era praticado pelos mais velhos, lembro-me do Xavier, do Mariani ou do Pablo Gali, mais por causa da barriga do que pelo desporto e ainda menos pela competição, assim pensávamos nós. Era para respirar o ar puro, dar umas voltas a pé e ao fim da sessão, um pouco cansados os velhotes, terminar no bar a beber um whisky ou uma cerveja, enquanto recordavam uma (boa ou má) pancada.
Não sei se o Zico enveredou pelo golfe, dada a experiência que trazia do hóquei em campo, que à mocada jogou com sucesso em rapaz no Leixões, suponho que chegou mesmo a ser convocado para a selecção para jogar contra a Espanha, mas por qualquer razão não pode ir, levando se necessário com uma bola na tola, dando uma sticada nas canelas, ou ficando com uma cicatriz no alto da testa.

Ó Nuno, de empanadas sabes mais alguma coisa de interessante, para além daquilo que a Paloma abundantemente já me disse? Ela não sabia nada até ontem à tarde claro, e por isso remeteu-me para umas pesquisas que efectuou, que parecem destinar-se mais a uma tese de mestrado ou doutoramento. Os argentinos (para onde os Espanhóis as exportaram) observam alguns cuidados com as empanadas. Escolhem em geral boa carne, cortam a peça em bifes, a seguir em finas tiras e depois picam com a faca, pacientemente. Desaconselham o uso de carne moída, porque seca rapidamente e requer mais gordura para o cozimento. Afinal, uma das características das melhores empanadas é o recheio húmido. Recomendam pegá-las com a mão. As bancas de jornais e revistas do país vendem um poster que difunde essa etiqueta. Uma das lições, sugere sacudir a empanada antes da primeira dentada, a fim de distribuir o suco no seu interior. (e este hein?) Para maior deleite, as pessoas devem estar sentadas. As mulheres, são aconselhadas a puxar as saias acima dos joelhos e os homens a abrir as pernas (tomem bem nota desta regra, minhas pudibundas senhoras…, Esposa, Manas, Filhas, Sobrinhas e clientes brasileiras) para o suco não escorrer e sujar a roupa. O deleite estende-se ao vinho. Segundo os argentinos, as empanadas de carne pedem companhia de um belo tinto de Mendoza.

Como disse, não quero fazer daqui um livro de recordações, mais ou menos grosso, qual sábio que pretende compilar a sua sabedoria, enquanto é tempo. Nem encontrar uma alternativa menor à fonte da juventude, qual ávido alquimista, à procura da transmutação do metal, da espécie ou da vida.
Nunca quis o Homem deixar-se enlear pelo poder, benefício duvidoso ou épico de não morrer jamais, ainda que de acordo com lendas tão moralizadoras como a dos jovens cristãos de Éfeso, ou tão amaldiçoados como o Judeu Errante, que foi castigado de modo a ter de viver pelos séculos dos séculos, além!
Algumas lacunas, no que se refere a pessoas queridas, surgiram nos últimos anos. Dentro de alguns anos mais, quantas outras? Como ia dizendo, afinal, aqueles de quem mais gostamos e mais gostam de nós, são os com quem passamos menos tempo.

Fleming de OLiveira

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