segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O NOSSO NATAL FO



-Como é bom o nosso Natal
-A nossa Casa de Miramar, de portadas verdes
-O extraordinário caso do homem que deitava fumo pelos olhos
-Rabanadas, mexidos e outros doces
-O milagreiro Senhor de Matosinhos
-O Menino Jesus e a Missa do Galo
-O Circo no Coliseu do Porto
-Vamos cantar as Janeiras

Lembro-me que a minha T. (Teresinha), com três ou quatro anos, me ter dito, numa ocasião em Alcobaça, que o Natal era, entre tudo, o que mais gostava.

Entendi por bem, recordar o de antigamente, e com ele algumas regras da Casa FO., de Miramar.
Natal que não é apenas dos tristes, dos velhos, das famílias, da melancolia, nem especialmente das crianças, como inconsciente por vezes se diz, quando se quer reduzi-lo, às prendas para-dar-e-receber, que se compram compulsivamente à última hora, em estilo de maratona azafamada.
Guardo o Natal dos Zicos e da nossa Casa de Miramar, na memória mais funda e de uma maneira muito especialmente resguardada, a ampla liturgia do tempo em que ele se fazia em Família, que é afinal o bem mais precioso e difícil de ter e manter.
Quando se falava de Natal, associávamo-lo sempre à Família FO em volta da mesa, ao nascimento do Menino Jesus deitado nas palhinhas. Sempre entendi, desde o tempo em que mesmo em bico dos pés, mal chegava ao ramo mais baixo do pinheiro de Natal, que se fazia na Casa, engalanado num canto da sala de jantar num vaso de barro vermelho, envolto em papel brilhante, com luzinhas a acender e a apagar, fios prateados, bolas coloridas que se partiam com facilidade, algodão a fingir neve, que esta é a altura mais bonita, gentil, doce e feérica do ano. Às vezes, para dar ambiente, acendia-se o fogão de sala, que utilizava briquettes, que no seu abraço ajudava a afastar o frio e cujas brasas discretas e douradas faziam cintilar nos nossos olhos um sonho de encantar. Se existe um elemento de casa, com o qual muitas vezes sonhe no inverno, é mesmo a lareira. Ainda hoje, se há coisas que aprecio, é a lareira da casa dos Montes, que me permite ficar hipnotizado, durante algum tempo a olhar para as cintilantes chamas de uns troncos em brasa. As cidades crescem para cima e nos apartamentos, como o meu de Alcobaça, é muito difícil instalar uma lareira.
E não estou agora a pensar no bacalhau cozido da Noruega, assessorado por couves e ovo cozido, com azeite a ferver, rabanadas com canela, bolo-rei da Cunha ou da Peninsular, dado que ainda não havia o Continente ou o Pingo-Doce, aletria, mexidos, ou outros pitéus, de uma pomposa ceia, como manda a cartilha, aonde só iam as pessoas de família mais próximas, Tia Mira ou Tio Mário FO, ou na ansiedade das prendas.
Estou a pensar também na magia que essa fonte de luz, de sonhos e calor representava para todos nós, o tosco presépio de figuras de barro pintadas que nos deslumbrava, guardado de um ano para o outro numa caixa de cartão, montado com musgo que íamos apanhar húmido e verde a uma bouça ou à Gândara, rodeado de azevinho verde e vermelho, ao que parece também este agora em vias de extinção.... Esse Natal era o nosso, pois felizmente éramos dos sortudos que tinham sempre Natal e calor, estava presente a firme esperança que ia renascendo todos os anos.
Gosto de falar no nosso Natal FO aos meus filhos e netos, que é bom ter Natal em casa, para saberem que não estamos sós e compartilhamos. Quem sabe, pode ser que um dia eles e muitos outros, consigam ajudar Deus a mudar o Mundo...
Em Ramalho Ortigão, anotei que o objecto do culto, da admiração, do entusiasmo, do enlevo dos pequenos do meu tempo, era o velho presépio, tão ingénuo, tão profundamente infantil, tão cheio de coisas risonhas, pitorescas, festivas, inesperadas.

(CONTINUA)

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