segunda-feira, 12 de setembro de 2011

REGEDORES -Último regedor da I REPÚBLICA (Maiorga) -Primeiro regedor com o Estado Novo (Montes) -A barriga do boi


Mário Fadigas, da Maiorga, gosta de recordar a pequena história do último Regedor da I República, na freguesia.
O seu pai, António Fadigas da Silva, que vivia com a respectiva mãe, nunca frequentou a escola, tendo realizado o exame da 4ª classe na tropa, depois de ter aprendido a ler com os serralheiros da extinta Companhia Fiação e Tecidos de Alcobaça (COFTA), para onde foi trabalhar com 10 anos. Republicano, reviralhista, foi todavia pouco interventivo politicamente, e ao que se diz terá sido maçon. 2º Sargento de Artilharia de Costa, esteve nas trincheiras em França, durante a I Guerra. Felizmente não foi gaseado, tendo-se oferecido para o C.E.P., dada a admiração que nutria por Afonso Costa. Embora simpatizante do Partido Democrático, nunca se inscreveu nele e embora vivesse num meio rural, segundo o filho Mário nos contou, não sabia plantar uma batata, nunca foi agricultor. Era essencialmente um serralheiro. António Fadigas da Silva, com trinta anos de idade, foi nomeado por Alvará, escrito à mão em papel azul e com selo branco do Governo Civil de Leiria, datado de 8 de Maio de 1925, Regedor Efetivo da Freguesia da Maiorga, sob proposta do delegado do governo em Alcobaça, tendo tomado posse no dia 14. A verdade é que não ocupou o lugar por muito tempo pois, com o 28 de Maio, pediu a imediata exoneração, tendo-lhe a mesma sido concedida por Alvará do novo Governador Civil de Leiria, Cap. Henrique Pereira do Vale, natural da Cela-Alcobaça, datado de 24 de Junho de 1926.
Mário Soares, de acordo com uma entrevista que tivemos com Fadigas pediu-lhe há uns anos, quando uma vez o visitou em sua casa na Maiorga, que oferecesse ao Museu da República, os Alvarás de Nomeação e de Exoneração de seu pai, que ainda guarda ciosa e cuidadosamente.


Alguns anos mais tarde era Regedor no Vimeiro Ti’ Joaquim sapateiro. Lá no Vimeiro, Ti’ Joaquim, era de facto a alta instância e o senhor da última palavra. Era sapateiro e regedor (bem gostaria de ter sido Presidente da Junta, mas como não sabia ler nem escrever o Presidente da Câmara de Alcobaça nunca o nomeou), mestre na arte da sovela, no passar do sebo com grande rigor, para evitar ao fio qualquer problema, quando cosia a gáspea à sola.
Ti’ Joaquim percebia tanto de gáspeas, de solas, como de pessoas, pois se necessário tanto batia numas, quanto nas outras. Chamava à razão o calaceiro, dirimia zangas quanto a extremas e conjugais, desmascarava o trapaceiro e os seus argumentos soezes, bem como não perdoava ao taberneiro o crime gravíssimo de deitar água no vinho. Se uma cabra distraída fazia a pastagem numa vinha, comendo ora a erva, ora as videiras, ficavam de dieta durante dois dias, pelo menos a cabra e pastor. Tendo Ti’Joaquim tanta aceitação popular para ser regedor ou até eventualmente ser Presidente da Junta (o problema como se referiu era não ter andado na escola), nunca se achegou ao rabecão. É que se a moldar a sola ele era audaz e bom pastor, a tocar as reses (os vizinhos), eventualmente não seria mais que capataz, se ousasse ir além de regedor. E por ali se quedou.

O que era um Regedor?
Regedor era a designação da autoridade administrativa do grau mais baixo, a qual funciona em cada freguesia, subordinada ao Presidente da Câmara Municipal que livremente o nomeava e exonerava. O termo regedor serviu, outrora, para a designação de altos cargos como Regedor de Justiça, que presidia ao Tribunal da Casa da Suplicação. O Regedor, durante o Estado Novo, era um vulgar cidadão, com a missão de manter a ordem na pequena circunscrição, que é a freguesia. O Regedor tinha as atribuições definidas no Código Administrativo, de natureza administrativa e policial. No atual ordenamento jurídico, já não existe a figura do Regedor. O Regedor fazia um relatório das atividades que entregava com regularidade na Câmara Municipal, que depois encaminhava para o Governo Civil. O Regedor tinha a função de zelar pelas pessoas e pelos bens da freguesia. Não recebia ordenado por um trabalho que lhe ocupava muito tempo. Quando havia necessidade de prender alguém, o Regedor era o responsável pelo preso, tinha que o levar a Alcobaça a pé. Se a prisão acontecesse à tarde, ficava toda a noite a vigiá-lo e a esposa mantinha o lume aceso para se aquecerem, e fazer café para não adormecerem. Havia casais que discutiam ou brigavam, pelo que acontecia por vezes um deles ir queixar-se ao Regedor, que assim fazia de conselheiro matrimonial. O Regedor era testemunha, juiz, e a sua palavra valia mais do que um documento.
No tempo da II Guerra, não havia comida com fartura, pois tinha de ser racionada. Mesmo que alguém tivesse muito dinheiro, podia não comprar o que quisesse. A cada família era atribuído um número de senhas, que eram distribuídas pelo Regedor.
Inácio Catarino, dos Montes, ainda conheceu o primeiro Regedor da freguesia de Alpedriz dos tempos do Estado Novo, o carpinteiro e agricultor José Alves Catarino, e que tinha como cabo de ordens José Carreira. Também conheceu alguns que se lhe seguiram como José Santo, José Henriques Salgueiro, Fernando Gomes Loureiro e recorda Presidentes da Junta como José Ribeiro Malhó, José Rodrigues Ascenço, Francisco Rodrigues Ascenço Franco ou José Salgueiro Rodrigues Franco, todos dos Montes e inscritos na União Nacional (U.N.), ou pelo menos adeptos do regime. Lembra-se da vez em que o Regedor José Santo denunciou Afonso Salgueiro como perigoso conspirador político, o que determinou que este fosse conduzido aos calabouços do Governo Civil de Leiria para averiguações. Afonso Salgueiro sempre se assumiu como republicano, adepto de Afonso Costa e anticlerical, mas nunca foi pessoa de significativa ação política, pelo que era manifestamente sem sentido, injusta e inquietante a sua detenção. Assim foi libertado ao fim de dois ou três dias, o que não impediu que durante algum tempo se louvasse junto dos amigos dessa incursão pela política. Quando regressou a casa, nos Montes, as pessoas perguntavam-lhe se havia provado a barriga do boi (isto é, se tinha levado com cavalo marinho), o que sempre negou, alegando que tinham tido pena dele, por ter um filho deficiente.

FLEMING DE OLIVEIRA

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