CENSURA/CONTROLO DE OPINIÃO DAS PESSOAS E MASSAS
A DREN E O PROF. CHARRUA
Fleming de Oliveira
.A dicotomia censura/controlo de opinião não é pacífica, pois podem ser ou não coincidentes.
A censura não é processo de coacção da expressão, exclusivo do Antigo Regime, Feudal ou Iluminado, ou mesmo do Estado Corporativo/Salazarista, nem dos regimes políticos totalitários. Entendamo-nos!
É uma máquina intrínseca, ainda que não expressamente reconhecida, de todos os sistemas ou agentes de poder.
Recordemos o que foi a novela à volta do diploma de engenharia de Sócrates e a avaliação do papel, qualidade, da comunicação social portuguesa.
Algumas pessoas discordaram da oportunidade e a legitimidade das notícias e críticas (1), sobre a forma como foram obtidas as habilitações académicas do nosso Primeiro Ministro, cuja competência política, por isso, não vem directa ou necessariamente ao caso.
Admito de bem grado que há assuntos muito mais importantes, que o espectáculo não foi sido bonito, as conclusões não serão, eventualmente, elogiosas para o nosso governante, mas o dever de uma comunicação social livre no Portugal de hoje, é mostrar o lado bonito e o menos bonito, de um governante ou de uma política, sem o ocultar, dada a natureza pública.
Soares é fixe!, mas não se coibiu de recordar com emoção que quanto mais a luta aquece mais força tem o PS, de acusar a direita de desferir ataques ao PS e seu secretário-geral, com raiva, sem critério e sem alternativa credível para oferecer, comparando os ataques sórdidos e infundados, à situação vivida por Ferro Rodrigues.
Nas comemorações deste ano de 2007, do 25 de Abril, o PSD pela voz de Paulo Rangel fez na A.R, uma intervenção marcante, contra corrente, em que aborda o controlo de opinião.
Admito que, algumas vozes, digam que esta minha invocação é facciosa/comprometida.
Pelo menos, não o pretende ser.
Rangel, começou por avisar que há ameaças e nebulosas que espreitam e envolvem a democracia e, deu como exemplo a intervenção do Governo Socialista na área da Comunicação Social, pois, nunca como hoje se sentiu tão grande apetência do poder executivo para conhecer, seduzir e influenciar a agenda mediática.
Adiante referiu que falava não só da conivência ou da banalização e vulgarização dos contactos institucionais com jornalistas, mas também das nomeações de administradores ou editores convenientes.
Habitualmente, considera-se a Liberdade de Expressão como uma componente essencial dos regimes democráticos e a Censura/ Controlo de Opinião, como dos regimes autoritários/totalitários.
Cavaco Silva, ainda nas comemorações deste ano do 25 de Abril, sublinhou que, Portugal deve pensar-se como uma democracia amadurecida. Uma democracia em que o escrutínio dos poderes esteja assegurado por meios de comunicação social isentos e responsáveis.
Com a restauração da democracia política em Portugal, ficou definitiva e totalmente abolida a Censura (2). Esta maneira de dizer, não corresponde, porém, ao que por vezes ocorre, na prática política quotidiana.
José Sócrates, classificou liminarmente, displicentemente diria eu, a referida intervenção de Rangel/PSD, como uma forma de mero bota-abaixismo. O PSD só sabe criticar dizer mal. Ora eu acho isso mal para o dia da Democracia.
O Ministro Augusto Santos Silva, insistiu na mesma linha que o discurso do PSD estava completamente fora do tom. A certa altura pensei que Rangel estava a fazer um exercício crítico sobre o estado do regime político democrático na Madeira.
O objectivo destas notas não é fazer polémica, mas lançar temas a debate e reflexão, mas como muita gente deste nosso País com quem falo, sinto que anda por aí muita intolerância, censura velada, coação do patrão, do Chefe de Repartição, do Partido, do Governo ou do Presidente da Câmara, tudo a vulgarizar-se sem que haja lugar, não obstante a grandes sobressaltos cívicos.
O recente caso Pina Moura/Prisa, também é susceptível de merecer algumas considerações (3). A Prisa, empresa espanhola, detentora de posição dominante na Media Capital, proprietária da TVI e do Rádio Clube Português, contratou para a dirigir Joaquim Pina Moura, militante socialista, ex-Ministro da Economia e das Finanças, presidente da Iberdrola e agora da Media Capital, bem como outro destacado socialista, ambos muito próximos de Sócrates.
Isto está mal? Não posso jurar!
Pode ser que o que parece (4) não seja afinal, e assim é fumo, sem fogo...
Mas sabe-se que a Prisa foi criada, é gerida e sujeita-se ao PSOE.
Em democracia, a liberdade exerce-se pela resistência a tentativas para a controlar e, apesar de se avolumarem alguns sinais preocupantes, nada nos permite asseverar que em Portugal tenham deixado de existir condições objectivas, para que o escrutínio dos poderes seja assegurado pelos meios de comunicação social isentos e responsáveis (5).
Creio que, interpretando o pensamento do Presidente, podemos pensar que a seguir este rumo desviante, o futuro da nossa democracia perde qualidade, corre riscos de se afastar dos princípios de uma democracia (6) constitucional, para rumar a uma democracia meramente formal.
Devo dizer e reiterar, embora muito filosoficamente e em termos não desculpabilizantes, que não existe por natureza, sociedade sem censura. O que é bom e justo para um de nós, pode não ser para os outros.
A censura, é como já afirmei uma das dimensões intrínsecas da natureza humana, de qualquer sistema de poder ou de sociedade (7).
Aquilo a que vulgarmente se chama o fim da censura institucionalizada, não é senão a passagem de um estado de poder ou sociedade dominado por uma modalidade específica de censura, para outro estado dominado por outra modalidade de censura, subliminar, obviamente não assumido como tal seja qual for o Poder.
.Em todos os regimes políticos, sociedades e até famílias, existem modalidades de censura ou controlo de opinião, reconheça-se isso ou não, e por mais liberais que se reclamem. Podemos definir (8) algumas destas modalidades:
-(a)-Uma censura aguerrida,
-(b)-Uma censura despótica e
-(c)-Uma censura democrática (?).
Na nossa concepção de
-censura aguerrida,
predominam os mecanismos estratégicos da defesa e ataque direccionados a um inimigo real ou imaginário, destinados a preservar a coesão do tecido político-social. Tudo o que intentar contra esta ordem e estratégia, tem de ser condenado.
Na nossa concepção de
-censura despótica,
a ordem ditada é a proibição de textos ou discursos que escapam ao seu controlo.
O poder político pretende sempre fazer crer que teve a natural necessidade de abolir a censura imposta pelo regime oposto ou deposto.
E depois que a censura é, ao mesmo tempo, e não obstante a sua face odiosa, o perigo mortal que espreita, persegue-o qual fantasma, e que terá de ser mantida, enquanto necessário.
O poder sabe que tem de continuar a censurar e que no dia em que a censura se tornar insuportável ou forem desvendados os seus processos, os seus dias chegaram ao fim.
O poder, mesmo dito democrático como o nosso, vive do discurso mítico da liberdade de expressão e da transparência dos seus processos, seja com governantes como Cavaco Silva, Soares, Guterres, Barroso, Santana Lopes ou Sócrates.
A Liberdade de Expressão, mesmo numa democracia liberal/representativa, é pois um interessante e necessário mito, entendamo-nos nesta expressão!, antes de mais porque é um discurso legitimador do poder e da sua manutenção, seja quem for o partido que o detém.
O poder autoritário, bem sabe que só pode censurar, impunemente, que só pode disciplinar e controlar os discursos e as acções, se o fizer em nome da utilidade social, do bem comum, do serviço público, da maioria, de Deus, do capital ou de qualquer outra invocação, mais ou menos generosa.
Seja como for, todas as razões conduzem à do censor, soberana, à razão da vontade de poder que qualquer cidadão deve interiorizar, como a razão primeira e última da sua actuação.
Mas a liberdade total de expressão e de acção, a plena transparência da palavra e do agir, é um discurso utópico, na medida em que a totalidade ou a plenitude do dizer e do fazer, equivaleria à própria negação da linguagem, à morte da palavra, ao silêncio total.
Filosofia minha, repito?
Cinismo?
Talvez ambos…
Teoria desculpabilizante de um governo, socialista ou não, ou do regime democrático?
Afinal, questiono aqui, por que é que as pessoas falam?
Falam, precisamente, porque nunca conseguem dizer tudo o que sabem ou querem (9), porque o mundo não é transparente, nem as palavras coincidem com as coisas.
Falam, porque mesmo os homens estão condenados à permanente descoberta, à medida que o enunciam, que o dizem.
Há um abismo intransponível entre as palavras e as coisas, entre o ser e o dizer.
O Ministro dos Assuntos Parlamentares Santos Silva, considera na sua expressiva e intelectualizada perspectiva, que o combate ao jornalismo de sarjeta é um direito dever de cada uma das suas vítimas e do conjunto dos cidadãos.
Nobres e justas palavras, direi, pois ainda segundo o mesmo Santos Silva, jornalismo de sarjeta é o que viola grosseira e deliberadamente, preceitos dos códigos deontológicos dos profissionais da informação.
O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos, até trânsito em julgado. O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.
Mas, na prática, o Poder que ele serve não alimenta distorções, que não reconhece? As grandes questões políticas, tendem a ficar sem controlo democrático, se possível nalguns casos.
Num Estado de Direito Democrático, embora se trabalhe no pressuposto de que é para o bem público, sucede que há muito agente a prestar vassalagem a criaturas eleitas ou nomeadas, cujas competências se escostam na mera gestão e cuja prepotência tende para o infinito.
A personalização extrema das notícias, a centralidade dada a pequenos conflitos e tricas, a utilização das crises para instigar conflitos institucionais, a excessiva presença da voz do jornalista nos espaços noticiosos, que vistos em conjunto parecem comprometer a principal função do jornalismo: informar.
As ameaças e condicionantes à liberdade de expressão e de informação em Portugal, não são uma criação do governo PS ou do Centrão.
As questões importantes são cada vez mais discutidas em gabinetes fechados e a informação trabalha apenas os problemas laterais que lhe chegam.
Governos anteriores, partidos agora na oposição, tiveram, eventualmente, uma participação tão activa e criativamente condicionante, quanto a que agora justifica a sua veemente preocupação!
Sabemos bem a quem se dirigia essa preocupação de Santos Silva.
Mas permito-me deixar aqui um pequeno reparo, os nossos políticos não têm grande memória. Recorde-se o que foi a ácida campanha/cobertura jornalística em fins de mandatos de Cavaco Silva, 1995, António Guterres, 2002, e Santana Lopes, 2005.
Nunca respeitei a postura de jornalistas que se assumem como líderes de opinião, porque são comprometidos e acabam por transmitir a imagem mais negativa, distorcida da política e dos políticos, funcionam quais abutres da comunicação política, e ocupam um espaço crescente na área de opinião dos jornais.
Neste abismo que se estende diante de nós, é que precisamente se instala o poder com a censura ou controlo de opinião, suspenso sobre as nossas cabeças, ao mesmo tempo proibindo e obrigando a dizer.
Nós, os mais velhos, recordamos relativamente bem o que foi a censura, objectiva, política, que cortava a palavra, a censura dos funcionários encartados ao serviço do salazarismo/caetanismo.
Mas, como fazer compreender aos mais novos a censura moderna, do PS, PSD/CDS ou PCP que obriga politicamente, subreptícia ou sofisticadamente, a dizer, não dizer ou fazer, não fazer?
.A censura do Lápis Azul, é sempre a do dizer, do enunciado divergente, que se abate sobre o direito à vida cívica, privada ou mesmo biológica do censurado.
A censura dominante nos regimes democráticos, é subtil, sofisticada, e passa, subrepticiamente, pelo controlo de opinião com que frequentemente se confunde.
É a censura que obriga a dizer, estimula a expor publicamente os sentimentos, a suportar a tagarelice interminável que se encontra nos meios de propaganda do poder, sob pena de almoços que não se comem ou benesses que passam ao lado (10), e se derrama pelo tecido social. Esta censura, em democracia, associada ao controlo de opinião, tem horror ao silêncio.
Para o salazarismo, a palavra era perigosa.
Para o nosso Estado Democrático o silêncio é perturbador, na medida em que potencia o risco de deixar proliferar imagens incontroladas dos seus responsáveis ou das suas propostas.
Não quero, em suma, concluir que nos regimes despóticos/ autoritários, não exista igualmente medo do silêncio, apto a fazer germinar a semente da revolta, nem que desapareça nos regimes democráticos, o medo dos discursos não conformes, da palavra que não se adequa aos intentos do poder, cuja manutenção se visa por natureza assegurar.
Pela subtileza e complexidade, a censura, na sua forma de controlo de opinião, nos regimes democráticos é certamente difícil de apreciar, por insidiosa, de contrariar, por eficaz, e de documentar.
O recente caso do Diploma de Sócrates, que já abordei, obtido em circunstâncias aparentemente estranhas, motivou suspeições sérias se este ou seus assessores, terão tentado controlar ou manipular a informação, para que só saísse, ou não saísse, certo tipo de informação. Não é normal, nem defensável, que o Primeiro Ministro, ou seus assessores, tenha tido esses contactos.
Como disse Rebelo de Sousa, até posso admitir que não tenha querido pressionar, mas objectivamente quando um ministro me fala para aqui antes de eu vir fazer um programa ou a seguir, é obviamente para me convencer de alguma coisa. É uma pressão (…). Mesmo que na cabecinha dele não seja. Pressionou. E pressionou em privado antes de haver os esclarecimentos do gabinete, em público (11).
Absolutamente intolerável e inadmissível parece ter a situação de um professor do Porto, antigo deputado do PSD, o Prof. Fernando Charrua, de que já falámos com um processo disciplinar instaurado, levantado pela Directora da DREN mas suspenso imediata e preventivamente, por alegadamente se ter referido de forma desrespeitosa ou jocosa, ao primeiro ministro sobre a sua mãe, numa versão, ou a forma de obtenção do seu diploma de engenheiro, agora quem precisar de um doutoramento manda o certificado por fax, só por fax, mesmo que seja falso, caso contrário não vale, numa conversa dentro de um gabinete com um colega, assessor da directora da DREN, que veio diligentemente bufar para esta e para fora. Na minha opinião, como a de muita boa gente, como a dos socialistas não carreiristas, a responsabilidade política última do processo disciplinar, instaurado pela Directora da DREN ao dito professor por pretenso delito de opinião, é do Governo que legitima pela inércia e silêncio, a aguardar calma e seraficamente o decurso do resultado do inquérito…, esta atitude de perseguição da liberdade individual de expressão, que muito se assemelha a um comportamento próprio do antigo regime, como bem recordamos e acima referi.
O próprio Presidente da República sentiu necessidade de dizer a este propósito que queria ver o caso esclarecido rapidamente (12), pois se foi uma piada em relação a um político, como é frequente no nosso País, espero que o mal entendido seja rapidamente esclarecido.
Sobre o mesmo assunto, José Sócrates, a alegada vítima da ofensa, ao seu diploma ou à sua Mãe, conforme as versões, limitou-se a dizer enfadada e formalmente que ninguém será sancionado por delito de opinião, (13) e adiantou que não acompanha processos disciplinares movidos por instituições do Estado a seus funcionários. Aliás, o MNE demarcou-se da decisão, com o argumento peregrino que a tutela não tem que esclarecer rigorosamente nada…. (14).
Mas o visado, foi suspenso preventivamente e afastado das funções que exercia há bastantes anos (15).
O Provedor de Justiça, também interveio neste caso insólito da nossa democracia e pediu esclarecimentos à D.R.E.N., muito concretamente, a cópia da proposta do despacho que determinou a suspensão preventiva do professor.
A Ministra da Educação, por força do incómodo debate que durou três meses após o despacho, veio a mandar arquivar o processo, com uma solução política, sem ter, todavia, eliminado as contradições polémicas com que o caso começou e se enredou.
Para a Ministra Maria de Lurdes, tudo se resumiu a um processo disciplinar como outro qualquer, concluído porém, com uma solução política.
A verdade é que neste caso, o arquivamento não teve consequências práticas, a situação não voltou ao anterior, pois manteve-se a revogação pela D.R.E.N. da requesição do Prof. Charrua, entendida pelo próprio e muita gente, como a decisão que lhe queria ser aplicada, houvesse ou não processo.
Mas o bufo, apesar de o seu serviço ter sido extinto, foi nomeado assessor da senhora Directora da D.R.E.N.
Para encerrar este assunto, parece-me ser mais que correcto dizer, que foi algo que já se supunha impossível neste nosso Portugal de 2007.
Como se referiu atrás, jamais se pode defender que alguém pode ser insultado, ou tem de aceitar um insulto.
Dar ouvidos a bufos, e premiá-los, é recordar as receitas da P.I.D.E. Defender que se esteve perante uma mera piada, ainda que de mau gosto, não é verdade.
Fazer de conta de que nada se passou, é um péssimo precedente.
Perante a expressa e nada subtil censura do Lápis Azul, ficava paradoxalmente de alguma maneira salva a liberdade de pensar e a honra de resistir, por vezes de forma heróica. Perante os processos insidiosos da censura ou controlo de opinião nos regimes democráticos, as vítimas dificilmente podem por vezes salvar a honra da sua resistência ou a liberdade de pensar. Os processos de censura nos regimes democráticos, são variados e os seus recursos praticamente ilimitados, graças à natureza abstracta e sofisticada dos mecanismos à disposição e por demais estudados. A escrita jornalística pode ser um dos processos mais sofisticados do mecanismo, não assumido da censura, em democracia. A forma estereotipada, feita de chavões pré-fabricados, de frases feitas, de minutas destinadas a servir os mais diversos usos, são alguns dos processos através dos quais se reproduzem os lugares comuns, a ideologia massificadora e acrítica, a construção de uma leitura maioritária, de uma escrita conforme dos acontecimentos, da experiência ou da história, impedindo outras leituras e/ou escritas divergentes.
Ressalta desta reflexão que a censura não é hoje tanto a proibição de dizer o que não se gosta ou convém, mas a obrigação de em certas circunstâncias dizer e fazer o que é conforme às conveniências, ao senso dito comum, o que é banal, e responde às expectativas ou exigências pontuais, é politicamente correcto.
Ela está intimamente ligada por contraposição ao mito da objectividade jornalística, uma escrita sem sujeito, ponto cego de todas as subjectivações e conformidades. Um processo de requintada censura nas sociedades democráticas, consiste no mecanismo da sedução e não mais no processo da repressão.
Programando o que alicia, o que diverte, o que distrai, canalizam-se oportunamente os impulsos, sempre carregados de cargas explosivas, desmobilizando-os com a cumplicidade de todos e de cada um.
Há de facto uma dimensão de censura/controlo na própria programação das telenovelas, para jovens e não só, e dos concursos televisivos, nas horas deixadas livres pelo trabalho quotidiano.
.Um processo particularmente relevante de censura/controlo de opinião, é o processo de redução de tudo e de todos às médias estatísticas das audiências, desviando o olhar de tudo o que não se configura nos espaços da maioria, eliminando o não pertinente ou o desinteressante.
Utilizando o conhecimento e a cumplicidade das ciências humanas inicialmente com um conteúdo muito teórico, mas que têm evoluído rapidamente no seu experimentalismo, este processo assume-se com uma naturalidade aceitável.
Um certo saber técnico e formação profissional específica, servem de maneira acrítica este arsenal de censura/controlo de opinião. Basta ver como os políticos populistas estão empenhados em desviar para estes fins os recursos disponíveis, em detrimento dos projectos de formação crítica e de investigação fundamental.
Não se atrevendo a dizê-lo, e invocando sempre as mais nobres e generosas intenções, o que está em jogo é uma autêntica e mal disfarçada estratégia de censura/controlo de opinião para assegurar o poder.
Nos regimes totalitários/autoritários, a censura é una, visível no rosto severo do tirano, legitimada pela sua vontade.
Em democracia, ela é plural, difusa e amorfa, legitimada pelo rosto anónimo das maiorias que se dizem defender, pela categoria moderna do povo, visível e personalizada no corpo dos seus representantes legítimos, constituídos tanto pelo mecanismo estatístico do voto de que são objecto, como sobretudo pelo discurso sedutor de que são sujeito.
A censura apresenta-se ao mesmo tempo como componente e como reverso da permissividade, controlo de opinião, enquanto efeito da vontade soberana das supostas maiorias. Não se trata de uma vontade soberana de natureza despótica, outrossim, sedutora e simuladora.
Para o tirano é aquilo que ele diz que é, na medida em que interdita o acesso aos processos de confirmação e de infirmação da sua verdade, assentando no silêncio que impõe ao discurso dos adversários. O tirano relega para as periferias do discurso dominante os restos, a escória, do poder uno e indivisível.
A pretensão empírica dominante nas ciências humanas, não é capaz de deter o processo moderno de censura, por várias ordens de razões.
A limitação grosseira da denúncia humanista à censura do dictum, impede de perceber que preside aos factos de censura uma ordem e um processo nos quais eles se enraízam, ordem e processo que constituem o modus da enunciação.
E esta metodologia, habitual nas ciências humanas sobre os pressupostos constitutivos dos seus objectos de conhecimento, que é responsável, internamente, pela forma tautológica do seu saber e, externamente, pelos usos e abusos tanto humanistas, como tecnológicos a que se prestam.
É por estas razões que neste sentido as ciências humanas e o seu estudo, acabam por ser o grande suporte do poder, oferecendo os instrumentos indispensáveis à aceitação de uma nova ordem de censura.
NOTAS AO TEXTO:
(1)-Como se se tratasse de uma mera cabala ou intriga de sopeiras, levando ao julgamento de Sócrates na comunicação social.
(2)-Pelo menos a institucionalizada. No ano passado fora o caso de António Lagarto, dispensado de funções no Teatro D. Maria II. Mas ainda assim depois desse e do da DREN, subsistiu o caso da Directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, exonerada pelo Ministro Correia de Campos, porque terá permitido afixar o recorte de uma entrevista que o incomodou, o que a visada negou. E o da Secetária de Estado da Saúde, Srª. D. Cármen Pignatelli que em Julho de 2007 avisou, por excesso de zelo ou a mando de alguém, que pode-se falar mal do governo, mas só em casa. Em termos de linguagem, Salazar tinha mais pudor. Neste verão de 2007, a bem sucedida e muito conceituada Directora do Museu Nacional de Arte Antiga, foi dispensada pela Ministra da Cultura, alegadamente potr ter ousado, manifestar fora de casa, a sua discordância em relação ao modelo de gestão daquele museu. Ainda este ano, o Director do Teatro S. Carlos, o italiano Paolo Pinamonti, foi exonerado pelo Governo, perante protesto geral. Falaram demais…Em ambos os casos sem poder intervir, Cavaco Silva, manifestou publicamente e não obstante a sua habitual parcimónia de linguagem, a sua perplexidade perante estas enormidades, onde se faz tábua rasa da competência ou da qualidade, que nos discursos fica muito bem reivindicar, de quem soube fazer muito melhor, apesar das sabidas dificudades de natureza financeira e burocráticas. Nenhum destes cargos é de confiança política, não consta que tenha havido quebra de dever de lealdade para com a tutela. Mas não obstante…
(3)-À mulher de César não basta ser séria.
(4)-Um compromisso político-partidário.
(5)-Como pediu Cavaco Silva, no seu discuso na AR, nas comemorações em 2007 do 25 de Abril.
(6)-República.
(7)-Ou mesmo familiar.
(8)-Sinteticamente, e sem pretensões rigorosas.
(9)-Tudo é algo que não existe!
(10)-É preciso criar factos políticos, nem que seja para distrair as atenções de outros mais penosos.
(11)-As Escolhas de Marcelo, in RTP 1.
(12).-Rapidamente, à moda do tempo que demoram os despachos do Estado.
(13)-Será que poderia dizer outra coisa?
(14)-Comunicado da Ministra da Educação.
(15)-E, a final, o processo foi arquivado.
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