terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Processo de Intimação Judicial para a

(II)

Processo de Intimação Judicial para a
Prática de Acto Legalmente Devido


Fleming de Oliveira

(A)-INTRODUÇÃO:

-Iremos, agora, tratar do Processo Especial de Intimação para a prática de um acto legalmente devido.
-Numa abordagem perfuncória, cumpre referir que este processo, cujos antecedentes remontam a 1994, foi, do ponto de vista legislativo, como que um mitigado antecessor da condenação à
prática de acto legalmente devido (prevista no CPTA),
e que, pela primeira vez, associa o direito à tutela jurisdicional efectiva, ao direito a obter a prática de actos legalmente devidos.

(B)-ABORDAGEM (FUNCIONAL):

-O interessado, irá socorrer-se deste processo quando se tratar de acto que deva ser praticado por qualquer Órgão da Administração (Municipal), no âmbito do procedimento de licenciamento, podendo-se assim identificar as seguintes situações no ãmbito:
-(a)- de um processo de licenciamento, ocorra uma omissão de decisão final de deferimento ou indeferimento da operação urbanística, no prazo legalmente estabelecido, cfr. arts. 111.º/a), e 112.º do RJUE;
-(b)-De um processo de licenciamento ocorra uma omissão de decisão relativa à aprovação do projecto de arquitectura no prazo legalmente estabelecido, cfr. arts. 111.º/a), e 112.º do RJUE;
-(c)-Do licenciamento, a Administração não faça as consultas devidas a entidades externas, no prazo legalmente fixado e, seja passada certidão negativa desse facto, cfr. n.ºs 6 e 7 do art. 19.º e 111.º, a), e 112.º do RJUE.
-(d)-Nos casos em que não seja emitido o Alvará de Licença ou Autorização de Utilização, em situações de bloqueio relativo ao pagamento das taxas, cfr. art. 113.º/ 5.

-(C)-ENQUADRAMENTO (SUBSTANTIVO)

-Quanto aos aspectos substantivos revela-se também adequado, no nosso entender, levar a efeito um liminar enquadramento, ou seja, ver qual é o direito ou os direitos que subjazem a esta forma processual.
-Fundamentalmente o que aqui se pretende é assegurar, num domínio tão relevante para os interesses colectivos como é o do urbanismo, que os particulares possam ter um meio expedito para ultrapassar a inércia e as condutas omissivas da Administração. Existe um procedimento administrativo tendente a obter o licenciamento para construir ou para lotear. Existem ainda, vários tipos de licenciamento, quanto à utilização das edificações de que se trate. Existem, enfim, prazos fixados por lei para que o procedimento chegue ao seu termo.
-O diploma base (na medida em que existem vários tipos de licenciamento e outros tantos diplomas) é o RJUE que, desde 1999, tem vindo a ser sucessivamente alterado, muito concretamente pela revisão da Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro.

(D)-ENQUADRAMENTO (PROCESSUAL)

-O regime processual do presente processo de intimação, está regulado no art. 112.º do RJUE, mas, atentas as atinências entre as duas formas processuais e a tal limite, que se pode mesmo dizer que a intimação sobre que nos debruçamos será a condenação à prática de acto devido.
-No demais. deve a disciplina processual desta intimação, procurar-se nos artigos 66.º a 71.º do CPTA, isto apesar de, como diremos, existirem opiniões não coincidentes.
-Encontra-se entre o aqui regulado o prazo de propositura da acção e os poderes do tribunal, nos casos de silêncio da Administração.
-A questão nuclear no âmbito deste processo é, no nosso entender, a da densidade e extensão do controlo jurisdicional.
-Quanto a esta matéria entendemos que os pedidos que podem legitimamente ser feitos não se reconduzem à exigência de uma qualquer decisão independente do seu conteúdo ou com indiferença no que toca ao seu conteúdo.
-Temos aqui que a pronúncia jurisdicional deverá ser, no que mais releva, no sentido de possibilitar a condenação da Administração a deferir a aprovação da arquitectura ou a licenciar.
-E isto mesmo que o acto eventualmente envolva o uso de poderes discricionários (ainda que cada vez menos relevantes) ou uma qualquer margem de liberdade.
-Com efeito, deverá aplicar-se o disposto no art. 71.º/ 2 do CPTA e assim o tribunal, não podendo determinar o conteúdo do acto a praticar, deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto legalmente devido.
-Este é, sem detrimento do que diremos adiante, o entendimento que julgamos que se deve ter em conta, o que implicaria uma notória evolução da jurisprudência do STA, sedimentada antes de 2000, relativamente à intimação para comportamento.
-Entendia-se que o processo terminaria, de pronto, quando a Administração se pronunciasse sobre o pedido de licenciamento e que não existia violação do caso julgado se a Administração, mesmo depois da sentença, viesse revogar o acto tácito.
Quanto aos pressupostos do decretamento, importa referir:
-(1)-A necessidade (também) de existir um requerimento sustentar o pedido, ou, mencionando o que é mais comum, a pedir o licenciamento, o qual, através de cópia, deve acompanhar o requerimento inicial.
-(2)-No que diz respeito ao que poderíamos também designar por oportunidade, devemos salientar que a intimação que tratamos deve ser feita valer no prazo de um ano, contado a partir o termo do prazo legal para a emissão do acto legalmente omitido.
-(3)-Também aqui no que toca ao patrocínio judiciário e representação em juízo é obrigatória a constituição de advogado, podendo intervir na parte passiva um licenciado em Direito, com funções de apoio jurídico.
-(4)-A competência territorial do tribunal afere-se pelo local onde deva ter lugar o comportamento, no âmbito da Administração Autárquica será na sede da autoridade recorrida, cfr. art. 20.º/ 5, do CPTA.
-(5)-No tocante à legitimidade a mesma não apresenta qualquer especialidade do lado activo, sendo que, porém, do lado passivo entendemos estarmos face a um desvio à regra geral do art. 10.º do CPTA. Sendo assim a acção se deve intentar contra o órgão decisor e não contra a pessoa colectiva, cfr. arts. 112.º/ 1 e 5.º/ 1 do RJUE.
-(6)-No concernente aos articulados a lei prevê (naturalmente) o requerimento inicial (ao qual, como se disse, deve ser junto o requerimento feito à Administração e deve ainda alegar-se a recusa de decisão no prazo legal) e um articulado de resposta.
-(7)-No que se refere à abertura de um período probatório, que naturalmente ocorreria antes da prolação da sentença, a letra do art. 112.º não o parece admitir.
Contudo, sobretudo na leitura do instituto que temos, tal não se pode excluir sob pena de, quando a mesma se revelasse necessária, se abrir a porta a críticas de natureza constitucional ao normativo.
-(8)-No que toca à sentença já vimos supra o conteúdo dos poderes que o juiz detém nesta matéria e o que, legitimamente, se pode pedir ao tribunal.
-Nesta sede convém apenas referir que o indeferimento de mérito pode ocorrer em duas situações:
-(a)-A primeira é aquela que a lei expressamente refere no art. 112.º/5, ou seja, quando, na pendência da acção, seja feita prova de ter sido proferido o acto devido até ao termo do prazo fixado para a resposta;
-(b)-A segunda é que o requerimento deve ser indeferido quando o acto for nulo.
-A este passo interessa, no que toca à sentença, mencionar ademais as seguintes duas breves notas:
-(a’)-Na eventualidade de a Administração decidir o pedido desfavoravelmente (total ou parcialmente) após a apresentação da resposta (posto que antes a lei refere que se verificará indeferimento), sustentamos, como dissemos e diremos, poder ocorrer alteração da instância e, assim naturalmente, a aplicação do estatuído no art. 70.º do CPTA.
-(b’)-Se a decisão do processo se exprime numa pronúncia de natureza condenatória da administração a determinar a prática do acto devido no prazo de 30 dias.
-De relevar a este respeito é a circunstância de o juiz dever/poder impor sanções pecuniárias compulsórias preventivamente logo na sentença, cfr. art. 112.º/ 6 do RJUE e art. 169.º do CPTA.
-(9)-No que se refere à impugnação jurisdicional, a mesma tramita como qualquer outro processo urgente, isto é, há que alegar/motivar imediatamente no prazo de 15 dias, nos termos do art. 147.º do CPTA, tendo a impugnação, esta é a única especialidade, efeito meramente devolutivo, de acordo com o estatuído no art. 112.º/ 8 do RJUE.
-(10)-No que diz respeito ao incumprimento destas decisões jurisdicionais, entendemos existir nesta matéria uma verdadeira situação excepcional e um acentuado desvio à regra.
-Com efeito, nos termos da legislação especial que tratamos, após o incumprimento da decisão jurisdicional relativa ao licenciamento propriamente dito, pode seguir-se uma situação facto que se traduz no legítimo início da obra cfr. art. 112.º/ 9 do CPTA.
-Teremos assim, no mínimo, uma aplicação assaz mitigada e matizada do processo executivo nesta matéria.

(E)-NOTAS FINAIS

-(1)-Cremos poder afirmar que o Pleno da Secção do C. A tem entendido que este processo é aplicável aos processos de legalização ou, para se compreender melhor, este regime processual é aplicável nos processos de licenciamento a posteriori.
-(2)-O TCA-S (territorialmente competente na caso de Alcobaça), parece ter entendido ser possível o recurso a este processo nos casos de silêncio relativo a um pedido de informação prévia, o que nos parece bastante ponderado.
-(3)-Neste tipo de processo, apesar de ser uma intimação e urgente, entende-se não existir uma situação de isenção de custas, atenta a falta de previsão legal expressa.
-(4)-O STA sabemos que decidiu já que, sendo o licenciamento feito em fases sucessivas, não é possível, apesar de no processo se encontrarem todos os elementos aptos à apreciação da arquitectura e à apreciação das especialidades, pedir como que
per saltum,
o Alvará de Licença.
-Faltaria a apreciação da arquitectura,
faltaria o licenciamento que, como dissemos já, se dá com a aprovação das especialidades.
-(5)-Gostaria, para finalizar estas notas e obviamente sem a pretensão de nada ensinar, de fazer notar que na eventualidade de um acto expresso de indeferimento,
o processo que a intentar é a acção de condenação à prática de acto devido.

(F)-INCONSISTÊNCIAS PROCESSUAIS (salvo melhor opinião)

-Como temos aludido, a opinião que expendemos relativamente à aplicação do regime constante dos arts. 66.º a 71.º não é pacífica nos tribunais.
-Poderíamos conclusivamente referir que existirão, actualmente, três visões possíveis do processo,
-Uma que unifica os meios processuais, fazendo-os variar apenas no que toca à urgência (cuja aplicação assim dependeria da existência ou inexistência de pronúncia sobre a pretensão),
-outra que vai no sentido de permitir a alteração da instância com vista a admitir-se uma pronúncia sobre o mérito da pretensão, nas situações em que tenha existido decisão administrativa após a resposta; e,
-Finalmente, outra restritiva que não admite jamais a pronúncia sobre a pretensão no âmbito do processo especial de que tratamos.

-No que toca às perspectivas do processo, como vimos as dúvidas são profundas podendo a jurisprudência do Supremo Tribunal fazer cessá-las em sede de Revista ou Uniformização de Jurisprudência, ou o legislador intervém fazendo ele próprio isso.
-Seguramente estas intervenções poderão ir no sentido oposto ao que sustentamos, reconduzindo o fim do processo à necessidade de obter com urgência uma pronúncia da Administração.
-No entanto, restaria sempre uma incoerência fundamental, qual seja a de ter de admitir a existência de um processo urgente para obter a decisão administrativa e de um processo normal para obter o acto devido.
-Ora, este entendimento faz com que o processo urgente não tenha justificação suficiente, na medida em que mais rápido e célere seria admitir, face ao silêncio da Administração, desde logo e nos termos gerais, a intimação para a prática de acto devido prevista nos arts. 66.º e seguintes do CPTA.

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