terça-feira, 6 de janeiro de 2009

PASSEANDO EM FRANÇA(AGOSTO DE 2003)

PASSEANDO EM FRANÇA (AGOSTO DE 2003)
-O atletismo em Paris
-Sérgio Vieira de Melo (o atentado)
-O calor imenso e os acontecimentos dramático-macabros
-E em Portugal?
(Os fogos florestais)
-João Paulo II e os espectáculos nas Igrejas

FLEMING DE OLIVEIRA

O que acontecia em França, de especial, neste mês de Agosto de 2003?
O que polarizava o interesse ou a preocupação dos franceses?
E o nosso, turistas portugueses?
A França, muito especialmente Paris, preparava-se com orgulho para receber os Campeonatos do Mundo de Atletismo.
Estavam anunciados com grande destaque em muitos sítios, como outdoors, estações de Metro, Jornais ou TV.
De facto, há cerca de 80 anos, desde os Jogos Olímpicos de Paris, em 1924, que a cidade não recebia a elite do atletismo mundial, então reunida no Estádio de Yves-du-Manoir, em Colombes. Agora, neste verão de 2003, Paris e o seu novo e orgulhoso Stade de France, em Saint-Denis, prepararam-se para receber perto de 2000 atletas, provenientes de mais de 200 países, entre 23 e 30 de Agosto.
Isto faz, desta reunião, o terceiro acontecimento desportivo com mais audiência no mundo. O atletismo, hoje em dia, nada tem a haver com os longínquos anos de 1924, embora as disciplinas sejam, aparente ou fundamentalmente, as mesmas, isto é, correr sempre mais rápido, saltar mais alto ou lançar mais longe.
Bem sei, que acabaram os atletas verdadeiramente amadores, e todos eles se fazem acompanhar do empresário, do advogado ou o adido de imprensa!!!
Paris 2003, fez-se a pensar nos Jogos Olímpicos de 2012, pois a cidade precisava de um sucesso desportivo para reforçar a sua candidatura, o que permitiu à Comissão Organizadora beneficiar de cartas facilidades institucionais.
Assim sendo, não se pouparam esforços, nem dinheiro, pelo que de acordo com notícias que li e ouvi, o investimento directo, ascendeu a cerca de 60 milhões de euros, sem contar com o adicional para prevenir ou evitar reivindicações sindicais, oportunamente anunciadas para essa altura ou eventuais actos terroristas.
Os sponsors, importantes instituições da área dos serviços, transportes, hotelaria e restauração, como por exemplo o Gaz de França, Grupo Accor, RATP, France Telecom, estavam inteiramente mobilizados para atrair o público.
Além das importantes contribuições financeiras, os sponsors encontravam-se também empenhados na rede de distribuição de bilhetes para os jogos, quer aos seus balcões, quer dando condições privilegiadas aos clientes, não obstante o sucesso de vendas pela net.
Como se recorda, desta vez, a participação dos atletas portugueses foi extremamente discreta. Longe vão os tempos em que um Carlos Lopes ou uma Rosa Mota nos reconfortavam, no ego nacional, vendo-os na TV, a correr cansados, enquanto bebíamos refastelados um whisky ou trincávamos uma bifana, com molho de mostarda.
No desporto francês, o único português neste momento motivo de notícia, é o Pauleta, futebolista do PSG e a sua nova estrela, a águia dos Açores como é lá conhecido, o homem do sorriso radioso quando marca um golo, mas ainda não apontado no millieu, como responsável pelos desaires do clube, pois segundo os jornais da especialidade, ele ne pourra tout faire.
Se tivesse tido tempo, gostaria de ter visto em Paris, a muito propalada exposição Jean Moulin, le Resistant et l’Artist a propósito do sexagésimo aniversário do seu desaparecimento. O Memorial do Marechal Leclerc, na Gare de Montparnasse, apresentava uma exposição em homenagem ao herói da Resistência, mas também ao homem, e à sua faceta menos conhecida de artista.
Jean Moulin foi recorde-se, um activista radical-socialista, ardente defensor da República, sendo em 1937 o mais jovem Prefeito de França. Pioneiro da Resistência, foi o homem de Londres, hierarquicamente depois de De Gaulle, porta-voz do governo no exílio e homem sombra, lançado em França de para-quedas, em 2 de Janeiro de 1942, para coordenar os movimentos de Resistência e montar um exército secreto.
Preso, sob denúncia, em 21 de Junho pelos alemães, foi torturado e transferido para a Alemanha, onde foi executado em 8 de Julho de 1943.
É dele a seguinte e premonitória expressão em 1940, não fazia ideia que fosse tão fácil cumprir o dever, como quando se está em perigo.
Mas nem tudo na vida, mesmo no Verão, se resume a desporto e à boa vida, como gostamos.
Nós, também, ficamos altamente chocados quando tivemos conhecimento do gravíssimo atentado, utilizando um camião armadilhado, contra a sede da ONU em Bagdad.
Entre os 17 mortos, encontrava-se o representante especial da ONU no Iraque, o brasileiro Sérgio Vieira de Melo (que a A. apesar de muito culta e atenta na leitura da CARAS, de momento não identificava), o homem de confiança de Kofi Annan e das missões urgentes e difíceis das Nações Unidas.
O diplomata com sucesso no ex-Zaire, Balcãs e Timor Leste, apontado, em certos meios, como futuro Secretário-Geral.
Por todo o mundo, com excepção dos Árabes, as reacções de condenação do ataque foram quase unânimes.
Mas, para mim, creio que o que mais marcou a viagem, embora não de todo negativamente, mas dificultando-a nalguns momentos, foi a excepcional vaga de calor. Para a Cl., Paris é uma cidade maravilhosa só que devido ao calor, não nos foi possível tirar todo o partido da estadia. Quanto a A. opinou cautelosamente que o calor não a impediu da nada.
No ano passado, na Áustria, o problema fora a chuva e as inundações, pelo menos o seu rescaldo.
Agora foi o calor, um calor de rachar, de que não havia memória em França, ou na Europa, com temperaturas diurnas acima dos 40º. Eu que pensava que Sevilha era quente... Ainda, segundo a Clara, o calor obrigava-nos a andar debaixo de terra, em vez de passearmos pelas avenidas e gozarmos todo o seu esplendor. No entanto, apesar deste contratempo, conseguimos ter uma ideia bastante boa do que é a cidade. Recordo agora, entre outros momentos pesados, a deslocação a pé através do Champ de Mars para ver o túmulo do Napoleão, nos Inválidos, depois de termos saído numa estação errada do Metro.
Tínhamos de ir pela sombra e de parar de cinco em cinco minutos, embora o Manel estougasse o passo de vez quando.
E também a noite em que fomos em mangas de camisa, e t-shirt beber champanhe foleiro e ver o espectáculo do Lido.
Nessa noite, sendo mais de 2h da manhã, estavam ainda 31º nos Campos Elísios e um movimento de pessoas e carros que parecia ser o de uma hora de ponta.
À noite, dormíamos sempre sem lençóis, de janela aberta, embora mesmo assim não entrasse qualquer aragem, sem ar condicionado, nem mesmo ventoinhas, que se esgotaram na cidade. Seja como for, aguentamo-nos menos mal, à custa de muitos líquidos, muitos euros e e eu de lenços de bolso ensopados.
Era um tempo espesso, que estava instalado intangivelmente nas ruas, nas paredes do quarto ou da sala, que se experimenta quando o ar não corre minimamente, que se alastra e que parece contaminar a própria água do chuveiro ou do lavabo, já não falando na roupa da cama, que repudiamos.
Para o M. que é muito pragmático, o mais marcante, além do calor foi o custo de vida em França, mas também o civismo e nível de vida elevado que se notava por exemplo nas pequenas aldeias, onde as casas de campo pareciam casas de campo de gente abastada.
No respeitante ao custo de vida e para um amante de café, como o M., é sintomático o preço de um café em Paris, é um bom exemplo do custo de vida em França. Mas mais vale um gosto na vida, do que cem mil reis na algibeira.
Palavra de honra, digo eu com ele!!!
Infelizmente há gente que não pode, nem poderá mais, dizer o mesmo. Não é exagero dizer aqui, que em França ocorreu um verdadeiro drama humano, com milhares de vítimas, que nem o chinês Síndroma Respiratório Agudo (SRA), particularmente entre os dias 6 e 20 de Agosto. O espantoso é que, na altura, não tivemos verdadeira consciência do que se estava a passar.
Um porta-voz do governo francês, veio à TV esclarecer o público inquieto, em 20 de Agosto, que as estimativas nessa altura, em baixa, eram de cerca de 10.500 mortos pelo País fora (mais tarde ter-se-á concluído que afinal eram bastante mais), sendo aproximadamente metade das vítimas, pessoas com mais de 85 anos de idade.
Em Paris, o número de mortes suspeitas, porventura vítimas de hipertermia, terá sido naquele período, quinze vezes mais que o normal no tempo de Verão. Atingiram especialmente pessoas idosas, que viviam sós em casa, descobertas alguns dias depois após o falecimento e num estado de putrefacção, que não permitia detectar imediatamente a sua data. Segundo Le Figaro de 22 de Agosto, o record da Europa deste ano, em termos de temperatura, foi atingido em Portugal, no dia 1 de Agosto, em Amareleja-Alentejo, onde o termómetro chegou o nível histórico de 47,3º.
A propósito, e dando o desconto à brincadeira, não tenho a certeza se foi no Le Monde se no Le Figaro que li, por esta altura, o pequeno apontamento que, o nosso N., o Santo, tinha ficado com otite e dores de ouvidos, pelo menos, um dia no apartamento do Algarve, por andar demasiado de barco, ao sol e mergulhar (...) com a P.. Mandei-lhe fraternalmente, de imediato e algo preocupado, assessorado na preocupação pela nossa boa irmã C., mas que nem por isso perdeu o seu proverbial apetite, uma mensagem SMS de conforto.
Sabem o que o N. respondeu?
Ele disse-me, pelo mesmo meio, que ficou muito admirado por ter saído prontamente essa notícia, ainda por cima logo no estrangeiro, que não era para publicar, pois ele estava incógnito no Algarve.
Mas, desta vez, não usava chapéu, óculos escuros e escafandro.
E que assim pensava até em processar o dito jornal, o que nos acarretou (agora aos 4) mais uma nova preocupação. Como todos os manos sabem, ele é muito carente, diria mesmo muito sensível.
A C. um dia destes, ainda me recordou, com muita simpatia e saudade, o que preocupava, de mais, a Carminda: amigue-se, menino, amigue-se!!!
Palavra de honra, volto a dizer, a Carminda tinha afinal toda a razão!
O efeito do calor nas pessoas teve em França um impacto, sem equivalente em Portugal. Os nossos garotos, que estavam no Algarve, a S com oito meses de pré-D., falavam do farto calor mas que, para compensar, tomavam banho.
Quando a S. nos disse pelo telemóvel que tinham ido nesse dia tomar banho aos canudos, ficamos algo intrigados.
E interrogámo-nos.
Seria algum sítio novo? Alguém conhecido deles, com casa no Algarve com o nome de canudo? Nada disso!
Canudos eram os escorregas (parque de diversões)...
Aliás, e note-se que ele não é nenhum bombo de festa foi no mar, que mais uma vez a Paula encontrou o Tio N., o Santo, embora desta vez, como disse, sem escafandro.
Em Portugal, foi a calamidade dos incêndios, de que íamos tendo todos os dias algum conhecimento, através dos nossos anfitriões, que ouvem habitualmente, todas as noites pela RDP, RR ou RTP (Internacional), as notícias de Portugal.
Vejamos mais alguns factos que ocorreram em França, admito que um pouco macabros, mas elucidativos da dimensão da tragédia que ali se viveu e que na altura não nos apercebemos bem, como disse.
Como em muitas situações que se conhecem, a desgraça de uns, é o lucro de outros. O negócio do funerário passou a decorrer em pleno gás, sete dias em sete, de noite e com horas suplementares, enquanto que os fabricantes de urnas, floristas e canteiros, não tinham capacidade para satisfazer os pedidos.
A fábrica de urnas, que serve normalmente a região de Paris, chegou e produzir 500 por dia, ou seja mais 50% do que é normal.
Para facilitar o trabalho dos profissionais, o Governo permitiu, excepcionalmente, que os veículos pesados que transportassem material, com fins funerários, pudessem transitar todos os dias e horas, fins de semana compreendidos, até 1 de Setembro.
Só no fim de semana de 15 de Agosto, foram vendidas, mais de 1200 urnas, na região parisiense.
Vou contar agora um caso que emocionou a opinião pública francesa, esse sim que nos apercebemos.
Em Orleães, ao que creio, o cadáver de um homem idoso que a família em férias na praia deixou sozinho em casa, foi descoberto vinte e um dias após a morte por hipertermia, graças ao cheiro pestilento que exalava do apartamento.
Verdade seja dita, para a A o calor nunca lhe retirou o apetite, mas apenas como ela frizou muito bem fez-lhe sede.
Mas a sua grande vantagem é que como é muito seca, praticamente não transpira nada.
As agências funerárias (Pompes Funeraires como lá se usa), exercendo uma actividade mal-amada, num país onde tudo também é pretexto para discussão, senão mesmo quezília, não fossem latinos, passaram a ser acusadas de se estar a aproveitar indevidamente do momento, atrasando os funerais, por períodos que chegavam a ultrapassar uma semana.
Como resposta, ciosas da imagem, as agências anunciaram, com destaque, que suportavam elas próprias os encargos frigoríficos, para além de 3 dias, decorrentes das inevitáveis demoras dos respectivos funerais.
Estas e outras questões dão-me para pensar, analisar ou discutir, principalmente pelo insólito que contêm. Será que as missas de corpo presente ou de sétimo dia, caíram em desuso na região de Paris?
A questão por mim suscitada, não me parece de todo absurda, se se tiver em atenção que tendo havido para aí uns 5.000 óbitos, as igrejas estavam estranhamente calmas. Assim nos pareceu, pelo menos nas que entrámos.
Não foi assim, ao que se diz, em toda a França. Houve padres que fizeram mais do dobro dos funerais do que é habitual.
Houve mesmo um caso em que se fez ao mesmo tempo a missa de dois defuntos, à maneira dos baptismos colectivos.
Segundo comentava um jornal francês, as igrejas de Paris não pareciam minimamente afectadas pela tragédia.
É verdade que nem todos os defuntos são católicos, mas num país em que 80% da população é baptizada, é bem de supor que a maioria dos que faleceram, gostaria de ter um funeral, de acordo com os seus princípios religiosos.
O próprio Arcebispo de Paris viu-se na necessidade de vir a terreiro manifestar a sua perplexidade, perante a decalage entre os números apontados pela comunicação social e as agências funerárias por um lado, e o serviço dos padres por outro.
E como iam as coisas, ao mesmo tempo, em Portugal?
Claro, a questão mais marcante também foi o calor e os fogos, o que, mesmo em França, nos deixava algo sobressaltados.
Hoje, enquanto escrevo estas notas, em pleno Outono, esperava que o País soubesse a verdade, sobre os mortos por excesso de calor.
Mas não, isso é um dossier encerrado!
O Ministério da Saúde veio com uma tese insustentável e que ainda mantém para este efeito, quanto a mim politicamente muito ridícula, baseada nas avaliações médicas das causas de morte inseridas nas declarações de óbito, que como se sabe não precisam a causa da falha do órgão que lhe deu origem.
Não façam de nós mais trouxas do que somos.
Nem brinquem com os nossos sentimentos.
Com este peregrino critério, displicentemente administrativo, tentou-se escamotear ao País uma grave realidade. O que nos permite afirmar para o ano, se necessário, que infelizmente ainda não foi desta que aprendemos a lição, embora Durão Barroso diga, desde já, o contrário, a propósito dos fogos ou o M.A.I. ouse dizer que os Bombeiros Voluntários não têm a preparação adequada. Ouvi a um comentador de pena, respeitável, assegurar que a vaga de calor deste ano foi, entre nós, o acontecimento natural mais grave desde o terramoto de 1755.
Entendo, política e tecnicamente indefensável, equivaler um risco gerador da morte de 9 pessoas, a um outro de cerca de 1350, como o apurado pelo I.R.J.. O Ministro da Saúde, ter-se-á vangloriado de a maior parte das mortes (claro as não contabilizadas de acordo com os critérios administrativos apontados acima) ocorridas em Portugal, não ter acontecido em estabelecimentos tutelados pelo I.N.S.
Mas, salvo o devido respeito, aqui a emenda é pior que o soneto, porquanto nos leva a concluir que esses morreram sem o cuidado do Estado, incapaz de cumprir a sua missão, na solidão das residências e dos lares para idosos.
O País não pode assim aprender a lição, mau grado o que anuncia Durão Barroso, se governantes antes dele não a tiverem aprendido, bem aprendida.
Alguns fazedores de opinião dizem que estamos assim a ver a democracia funcionar, perante a queda de ministros em consequência de pequenos escândalos e erros, a mediatização da justiça e a sua confusão com o poder político.
Se o poder político se revelar fraco, será facilmente ultrapassado por outros poderes, como o poder económico, o poder religioso, o poder dos sindicatos ou das associações patronais, e tornará esta choldra ingovernável, com se queixava D. Carlos, mesmo antes de haver escutas telefónicas.
Foi a falta de poder político, a falta de autoridade e nunca o seu excesso, que a nossa I República deu lugar ao Estado Novo.
Os povos, tal como as pessoas, necessitam de sentir uma dose q.b. de auto-estima, para continuar a construir o futuro, vencer as dificuldades inerentes ao transitório da existência. Assim, entendo ser condição de sobrevivência, como comunidades, que as nações acreditem nas suas potencialidades e construam projectos colectivos, que confiram espaço ao sonho e à esperança.
As sociedades antigas estabeleceram princípios de conteúdo ético preciso, reguladores da conduta dos cidadãos e das instituições de forma a evitar disfunções, injustiças, arbitrariedades, que minorizam a vida social e corroem a auto-estima.
Sei que isto era no antigamente, no tempo da palavra de honra, antes da moda da contratualização escrita, da outorga notarial, das certificações, dos registos, cada vez mais necessário.
Entendo que em Portugal, mau grado a jovem democracia, se vive um momento histórico perturbante, com sinais de agravamento, assente numa indefinição daqueles valores, antes tidos como ancestrais, mas que permitiram, mesmo assim, manter a nossa identidade, ainda que em momentos de grande dificuldade, em que crescem a trafulhice, as burlas e as infidelidades. Parece ainda que outrora, os nossos maiores, foram capazes de ultrapassar uma aparente congénita incapacidade (geográfica), que nos entala entre a Europa e o Atlântico, e escrever páginas saborosas de História, de que muito nos orgulhamos, de vez quando.
Sendo assim, custa-me a compreender como parece, estarmos a perder o orgulho de ser a nação europeia com mais antiga definição territorial, a maior homogeneidade social, étnica e cultural, bem como a auto-estima perante alguns acontecimentos e contrariedades que nos têm assolado. Os desafios que a construção europeia tem equacionado a esta nossa comunidade, e que a Aninhas tanto quanto sei e admiro, defende com muito empenhamento junto dos seus alunos, exigem que voltemos a assumir a condição de ser capazes de desempenhar um papel relevantemente activo na condução, construção e progresso do nosso tempo.
A A referiu-me com muito acerto e a propósito, no que a acompanho embora sem a sua responsabilidade, que um das coisas que mais a marcou em França foi a preocupação dos franceses em manterem viva a memória dos seus notáveis.
Tenho acompanhado, algo fascinado, as comemorações dos 25 anos de pontificado de João Paulo II, pelo que pretendo a este propósito fazer aqui uma breve declaração, começando por citar o Cardeal Ratzinger, este é o Papa para quem a cruz não tem sido só uma palavra.
Para mim e muito boa gente, católicos ou não, João Paulo II é o retrato acabado de um chefe que não recua perante a dor, num desafio aos seus limites (físicos), mas continua comoventemente apostado em cumprir, até ao fim.
Nestes 25 anos, entre tanto desnorte, com a sua força da razão e do bom senso, ajudou a derrubar o Muro de Berlim e os muros entre Homens, Religiões, Ideologias e Civilizações.
Mas este Papa é também um Papa (frequente e muito convenientemente quando necessário) incompreendido, agarrado a valores, indiferente a ventos e marés. Os governantes, como os nossos, ainda que em certos casos católicos assumidos, gostam de o incensar, quando convém, mas tão só em abstracto.
Nunca ouvi, o nosso Ministro da Segurança Social (Bagão Felix), que se reclama fervoroso adepto do Sumo Pontífice, rejeitar na prática o princípio (nada marxista) da prioridade do trabalho em confronto com o capital, de parte da Ministra das Finanças (M. Ferreira Leite), encómios à teorização papal da contraposição liberal à globalização da solidariedade ou mesmo o Ministro da Defesa (Paulo Portas) divergir de João Paulo II quanto ao apoio à intervenção militar no Iraque.
Claro que os governantes políticos têm sempre possibilidade de se socorrer da necessidade do pragmatismo. Termino este depoimento, com uma citação do Cardeal Patriarca: De João Paulo II, os Homens podem não ter ouvido aquilo que gostavam de ouvir, mas se estiverem abertos ao amor, sentiram-se por certo amados por Deus.

Sem comentários: