PASSEANDO PELA ÁUSTRIA (2002)
(III)
-FRANCISCO JOSÉ, BAD ISCHL E KATHARINA SCHRATT
-MAIS UMA VEZ BAD ISCHL
-AS TRAGÉDIAS DE MAYERLING E SARAJEVO
-A FAMÍLIA STRAUSS, PAI E FILHO
-O DANÚBIO AZUL
-SISSI, AINDA PRESENTE (2002) EM TODA A PARTE
-SISSI, TAMBÉM FEZ POESIA
-O TIROL
Fleming de Oliveira
Em Bad Ischl, onde o Imperador havia encontrado a esposa, ocorreu o último adeus entre ambos. A 15 de Julho de 1898, ela saiu para uma viagem durante a qual, foi assassinada em Geneve (Suíça).
Não terá sido fácil ao Imperador suportar esta tragédia, pois parece que sempre amou a Mulher. Até ao fim da sua vida manteve um enorme quadro na parede do seu escritório e muitos anos depois da morte de Isabel escreveu: O tempo passa mas a dor permanece. Em Ischl tinham de prosseguir as recepções oficiais, e no Salzkammergut fazia-se a grande política europeia, por exemplo, como quando entre 1905 e 1908, Eduardo VII, de Inglaterra, lá foi por três vezes. A 12 de Agosto de 1908, realizou-se na Kaiservilla Zu Ischl, uma Gala-Déjeûner e no final, o Imperador com 78 anos de idade, deu com o ilustre hóspede inglês, o primeiro passeio de automóvel. À noite na Kurhaus os dois soberanos exaltaram as suas relações amistosas e cordiais. A realidade, porém, era bem diversa. Eduardo VII tentara, em vão, afastar Francisco José do seu aliado alemão.
Para este tipo de compromissos, a corte estava convenientemente preparada, também, na residência de verão de Bad Ischl. Dispunha de muitos criados, uma cozinha bem equipada e tudo o mais que fosse necessário. O edifício das cozinhas é hoje em dia visitável, bem como uma escada em madeira, fechada, que lhe dá acesso, pela qual era transportada a comida para a villa. Os aposentos dos criados e as cavalariças acolhem, no nosso tempo, a Escola Regional de Música da Áustria Superior. Também se podiam organizar aqui as festas da corte, as comemorações do aniversário do Imperador e até a festa mais faustosa jamais realizada em Ischl, o casamento de Maria Valeria, filha do Imperador, que em 1890 quis casar ali.
A propósito do encontro entre os Imperadores da Áustria e da Alemanha, ocorrido em Ischl em 1877, conta-se que por alturas da partida de Guilherme I, uma jovem de Brunswick quis oferecer-lhe um ramo de flores. Antes da saída da carruagem, a jovem solicitou a um oficial que entregasse por si essas flores ao Imperador. O oficial de bom grado acedeu ao seu pedido e depois dirigindo-se a ela com um sorriso, disse-lhe que Guilherme I, agradecia muito. Acontece que, para grande espanto da jovem, viu o tão amável oficial sentar-se ao lado do Imperador alemão. Perguntou então quem era ele e a resposta foi simples e clara: O Imperador da Áustria.
Para este casamento, bem como para outros eventos religiosos, a corte utilizava a Capela Paroquial de Ischl. Trata-se de uma igreja que se manteve modesta ao longo do tempo, uma típica igreja de campo, apesar de decorada com frescos, que reproduzem pessoas da família imperial. No fresco da unção dos enfermos o santo óleo é deitado sobre a cabeça do velho pai do imperador (o enfermo é o Arquiduque Francisco Carlos), enquanto que ao fundo se reconhecem os próprios Francisco José e Isabel a rezar.
O que o Imperador apreciava mais que tudo, em Bad Ischl, era a possibilidade de caçar, na alta montanha. Ele dispunha de um couto de 142.000 hectares, com muitas casas e cabanas, entre as quais o Jagdschloss (Palácio de Caça) debruçado sobre o Offensee. Começava cedo a sua jornada, antes da aurora, e preparava-a com paciência e esmero, mesmo em idade avançada. Ao lado dos caçadores e dos guarda-bosques, com o seu chapéu castanho, redondo, com penas de lado, gravata e por vezes calções, era mais um, como qualquer outro. Sinais significativos do que se refere, é a mesa redonda de pedra, com oito bancos redondos, também de pedra, no vale do Wissenbach, perto de Bad Goisern, onde o Imperador gostava de fumar uma cachimbada, descansar com os companheiros e um pequeno monumento em Katenbachau, no bosque entre Ischl e Lauffen, que representa Francisco José a caçar, oferecido pelas Associações Venatórias da Áustria-Hungria em 1910. A filha Maria Valeria descreveu esta paixão do seu pai pela caça, com uns versos:
Fugindo do bulício da cidade,
Vem o meu Pai depressa para o sossego profundo,
Quando sobre a cabeça, a coroa é muito pesada.
Esquece aqui as preocupações,
Dedica-se apenas à nobre arte da caça,
E recupera a força juvenil da livre natureza
De Deus.
O povo tinha pelo soberano uma dedicação que não se manifestava com grandes explosões de alegria, mas antes uma espécie da amizade diferente, como se fosse natural que ele circulasse familiarmente, por entre todos os súbditos. Esta pressa de deixar a cidade, não é apanágio do imperador, é um traço do temperamento do austríaco citadino comum. O amor pela natureza é a razão de ser do êxodo para o campo e os jardins, belos e abundantes, o desejo de reservar uma porção do tempo para si, que deve ser tirado das obrigações quotidianas.
Em 1886, uma renomada actriz do Burgtheater de Viena, Katharina Schratt passou pela primeira vez o verão no Salzkammergut. Havia alugado a isolada Villa Frauenstein, a oeste de St. Wolfgang, e lá passou a ir visitá-la o seu admirador, apenas admirador?, Francisco José: Sairei daqui às sete para St. Wolfgang, escreveu à actriz e andarei até ter encontrado Frauenstein. Espero voltar e ver-nos em breve. Seu admirador, Francisco José.
Em 1889, a amiga do soberano, mudou-se para a Villa Felecitas, em Bad Ischl, que depois passou a ser conhecida como a Villa Schratt, fixando a sua residência de verão perto da Villa Imperial. O Imperador ia com frequência à Villa Felicitas, principalmente no fresco da manhã para conversar, tomar café e comer uma fatia de torta. Do ponto de vista pessoal, Isabel pouco se importava que o marido tivesse amantes, para compensar o afastamento do casal e diz-se que chegou mesmo a colaborar com Katharina Schratt, fingindo ser sua amiga, para que esta também pudesse frequentar o palácio sem escândalo. Já a Imperatriz, ao que se saiba, nunca teve devaneios extraconjugais.
Graças ao Imperador Bad Ischl, converteu-se, no período estival, no ponto de encontro da grande aristocracia Austro-Húngara. Antes, uma insignificante vilória, num vale perdido, transformou-se numa das estâncias termais mais em moda na Europa e políticos, artistas e outros que se queriam fazer notar e passar por pessoas importantes, não deixaram mais de marcar presença nesta zona. A veneração ao Imperador era tão grande que ele era o centro de tudo. As crónicas do tempo descrevem inúmeras homenagens à sua pessoa. Pode-se recordar que, em 1888 Johann Stauss (Filho) para celebrar o 40º aniversário da subida ao trono de Francisco José compôs a célebre Kaiser-Waltzer, Valsa do Imperador. No mês de Julho de 1898, reuniram-se em Bad Ischl, por ocasião do quinquagésimo aniversário da sua subida ao trono, 1.500 ciclistas de todo o Império, que desfilaram diante dele. Johann Strauss (Filho) compôs uma marcha justamente para esta ocasião e a festa terminou com um apoteótico lançamento de fogo de artifício. Em Jainzental, existe uma lápide comemorativa do primeiro veado morto por Rudolfo, o Príncipe herdeiro, entretanto falecido tragicamente. Vejamos rapidamente como isso aconteceu. Em 1889, em Mayerling, onde os bosques invadem os contrafortes alpinos, foi encontrado morto com a amante Maria Vetsera, Rudolfo, o herdeiro do trono austro-húngaro, que contava 30 anos. O desespero de Rudolfo, foi mais que um enorme escândalo social, foi um golpe para a monarquia, dado que se tratava de homem estimado, progressista e inteligente e segundo consta terá sido determinado, pelo menos agravado de novo aqui, pelo severo protocolo da corte. A tragédia ocorreu no então pavilhão de caça, entretanto transformado em capela, por um convento da regra carmelita, a quem foi oferecido por Francisco José.
No mês de Julho de 1914, Francisco José, então com 84 anos, assinou na Kaiservilla, o ultimatum à Sérvia, que marcou o começo da Primeira Guerra. A 30 de Julho de 1914 deixou para sempre a sua residência de Verão.
A 28 de Junho de 1914, o herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Francisco Fernando de Habsburg e sua esposa, a Duquesa de Hohenberg, foram assassinados em Serajevo, capital da Bósnia, pelo estudante Gavrilo Princip. O Arquiduque Francisco Fernando morreu de imediato ao ser atingido com um tiro na cabeça, enquanto que a esposa, atingida no estômago, veio a morrer pouco depois. O clima político em que o atentado se inscreveu era explosivo e não foi mais que o último elo de uma cadeia de actos terroristas contra a monarquia austro-húngara. A finalidade era colocar em evidência a falta de legitimidade dos Habsburg na Bósnia-Herzegovina. Este atentado acabou por ser o acto imediato do deflagar da I Grande Guerra.
Sem pretender fazer, repito, daqui um manual de história para estudantes ou curiosos, posso dizer a este propósito que havia uma rivalidade notória entre a Austria-Hungria e a Sérvia, dada a não submissão dos povos eslavos dos balcãs, ao modelo supranacional austríaco, que não tolerava as formas de autogoverno exigidas por estes. Apoiada na força que lhe advém da aliança com a Alemanha, Viena respondeu às provocações sérvias com uma política repressiva. No convencimento de que a Sérvia estava por detrás do atentado de Serajevo, a imprensa austríaca desencadeou uma violenta campanha contra os nacionalistas sérvios, sem todavia demonstrar a ligação entre os activistas da Bósnia e a Sérvia.
Hoje em dia, sabe-se que o atentado foi obra de uma organização secreta Jovem Bósnia conhecida pelas suas ligações com a Mão Negra, corrente política a que pertenciam oficiais do serviço secreto sérvio, em contacto com jovens nacionalistas da Bósnia. A Monarquia Austro-Húngara, com um certo distanciamento da Hungria, aproveitou o atentado para desencadear finalmente a guerra, que já estava planeada, mas contida graças às reticências do aliado alemão.
Para alojar hóspedes ilustres, construíram-se na cidade de Ischl, inúmeros hotéis que eram do mais luxuoso e moderno que havia na Europa, os quais afixavam no exterior placas com o nome dos hóspedes mais famosos.
O Hotel Post considerado o melhor, foi construído em 1828 com todo o conforto. Mais tarde, em 1845, foi superado pelo Hotel Elisabeth, assim chamado em honra da imperatriz. Era um edifício de grandes dimensões e um autor contemporâneo escreveu que Bad Ischl ficava horrenda com este mausoléu. Frequentaram estes hotéis pessoas como o Príncipe de Bismark, ou os Reis de Inglaterra e de Portugal.
Também, importante do ponto de vista histórico, foi a Neue Plassmülle, porque aqui em 1855 o Imperador assinou a Concordata com a Santa Sé.
Há que assinalar que no velho teatro das termas de Ischl, actualmente denominado Lehar-Filmtheater, actuaram durante a época imperial actores de nomeada, como a já referida Katharina Schratt.
Enquanto a Kaiservilla constitui ainda hoje uma das grandes atracções do turismo, no Salzkammergut, os antigos pontos de encontro da alta sociedade foram aos poucos sucumbindo pela demolição ou afectados a outros fins e não espelham mais o seu valor histórico. Também a paisagem urbana de Bad Ischl, tão decantada outrora, aparece hoje em dia aos nossos olhos, um pouco degradada. Seja como for, olhando à volta ainda é possível descobrir placas ou monumentos comemorativos, como por exemplo a Maxquelle, uma sóbria fonte, erigida em 1868, em memória de Maximiliano, o irmão do Imperador, fuzilado um ano antes no México, ou os nomes atribuídos a pequenos lugares ou coisas da zona. A linha de caminho de ferro, inaugurada em 1877, que passava por Bad Ischl e em cuja estação se desenrolava anualmente a cerimónia de recepção ao soberano, chamou-se Caminho de Ferro Príncipe Herdeiro Rudolfo e o hospital Hospital da Imperatriz Isabel. A nova estrada para Perneck, foi denominada a Estrada para o Jubileu do Imperador Francisco José. Ainda hoje navegam no Wolfgangsee os velhos barcos Franz Josef e Elizabeth, que não utilizamos no nosso passeio, porque faziam outras carreiras. Como disse também no Traunsee, navega o Gisela, que deve o nome a uma das filhas do Imperador e que vimos fundeado quando fomos a Gmunden. Perto do nosso hotel, em Grundlsee, encontra-se uma outra embarcação chamada Rudolf que originalmente se chamava Kronprinz Rudolf e que depois de inoportuna e desagradável transformação em Rudolf Hess (braço direito de Hitler, antes da guerra) assumiu a forma abreviada actual.
Finalmente cumpre salientar que a residência imperial de verão, chamou a Bad Ischl artistas de todo o tipo. Pintores, escritores e músicos, conjuntamente com Francisco José, construíram a fama desta pequena cidade. As suas residências encontram-se espalhadas por vários lugares e muitos puderam dizer, como Franz Lehar: As minhas melhores ideias ocorreram em Ischl.
Quem eram os Strauss, que imortalizaram a valsa?
Falando da Áustria do mês Agosto de 2002, início deste século XXI que começamos, não é possível deixar de tocar ainda que pela rama esse assunto, dado o fascínio que ainda revela, duzentos anos depois.
Sem pretender perder de vista o carácter destes apontamentos de viagem, muito menos ser dogmático, teórico ou chato, e principalmente não ousando competir com uma profissional do gabarito da Biquica, entendo que há que começar por referir que a valsa, parece que teve origem numa dança rústica alemã, a Ländler. A valsa, especialmente em voga nos salões do século XIX e até princípios do século XX, é uma dança onde eu nunca consegui acertar o pé para os bailes do Clube Portuense, mau grado alguns treinos intensivos. Agora muito menos. Mas a verdade é que o Manuel, a Clara, a Xica e o Rui Lima praticaram-na muito a preceito, no seguimento do que fora iniciado em tempos anteriores no norte do País por um indesmentido dançarino com de pés-de-chumbo, o nosso N Santo. A valsa, ou outras danças que se lhe assemelham, já era conhecida no século XV e na sua evolução moderna, compreende três tipos, mais ou menos individualizados:
(a)-A valsa lenta, de movimentos moderados;
(b)-A valsa vienense, deslizada em movimentos amplos e rápidos, estonteantes mesmo, e que é a mais conhecida e apreciada, por vezes dançada ridiculamente e em casamentos à papo seco e de smoking;
(c)-A valsa a dois tempos, em movimentos moderados também, acompanhando esse balanço rítmico.
Muitos compositores, clássicos e românticos, compuseram valsas, apenas trechos instrumentais, que a princípio não se destinavam a ser dançadas, mas tão só ouvidas.
Johann Strauss (Pai), nasceu em Viena em 1804, onde morreu em 1849, foi o fundador dessa dinastia de músicos e compositores, que se popularizou como autor de música de dança de salão, especialmente da valsa. Filho do proprietário de uma cervejaria, onde havia ao lado um salão de baile, fora destinado inicialmente a uma profissão, que não a música. Depois de ter sido associado de Lanner, cria a sua própria orquestra, com que se apresenta em 1826 em Viena, interpretando pot-pourris e valsas da sua autoria, com enorme sucesso, em concertos ao ar livre na Cervejaria Sperl, o que lhe acarreta rápida notoriedade na Alemanha, Holanda, Bélgica, França e Inglaterra, por onde faz muito bem sucedidas digressões. Em 1834, Strauss (I), foi nomeado mestre da banda do primeiro regimento cívico de Viena e no ano seguinte director musical dos bailes da corte imperial.
O seu filho primogénito, Johann Struss (II), nasceu em Viena em 1825, onde morreu em 1899, foi o mais destacado e meritório músico da família. Inicialmente pensou seguir a vida profissional num Banco, até que começou a compor e em 1844 fundou a sua própria orquestra, de algum modo rival da do pai, obtendo assinalados sucessos com as valsas. Em 15 de Outubro de 1844, milhares de pessoas compareceram no Salão Hietzinger, de Dommeyer, tanto amigos, como inimigos. Johann Strauss (II) pegou a batuta de regente com habilidade nata e na execução do solo colocou o violino sob o queixo, quase tão magistralmente quanto o pai. Com as suas composições, indicou o caminho correcto para inflamar as massas. Enquanto repetia pela 19ª vez a última peça, a valsa Epigrama, diante de uma multidão extasiada, já havia críticas a sair nos jornais de Viena, do género: Boa-noite, Lanner! (havia falecido) Boa-tarde, Joahnn Strauss, Pai! Bom dia, Joahnn Strauss, Filho!.
Foi esse, um dia radioso para Strauss (Filho), um raio de sol que se manteve a brilhar por cerca de meio século. Por algum tempo coexistiram as duas orquestras, de pai e filho. Porém, com o falecimento de Strauss(Pai), fundem-se as duas orquestras na do filho, que percorre a Europa até à Rússia, e se desloca à América, onde é vitoriado, e passa a ser conhecido como o Rei da Valsa e o músico mais tocado no mundo. Richard Wagner disse uma vez, a seu respeito, que era a “abeça mais musical que já encontrara. O seu repertório, incluia já em 1870, peças como An der schönen blauen Donau, No belo Danúbio azul, Künstlerben,Vida de Artista, Geschichten aus dem Wienerwald, Contos dos Bosques de Viena, Wiener Blut, Sangue Vienense e no final da vida, uns tantos milhares de melodias. A partir daquela data, J. Strauss (Filho), escreveu uma série de operetas, O senhor deveria compor operetas, disse-lhe um dia Offenbach, quadrilhas, polcas (alegres), marchas, galopes (adoidados) e até uma ópera, que nunca alcançaram o êxito das valsas, aonde aliás verdadeiramente se manifestava o seu génio. Brahms, músico austríaco que já referi, foi um grande admirador de J. Strauss (filho). Conta-se que um dia escreveu, num leque que lhe apresentou uma dama com um pedido de autógrafo, as notas musicais do início do Danúbio Azul, com as seguintes palavras: Infelizmente não são minhas.
Perfeitamente integradas no espírito frívolo e brilhante da corte de Francisco José, as valsas de J. Strauss (Filho) representam o apogeu do género iniciado por Lanner e seu pai. O seu ritmo estonteante, a viva orquestração e frescura melódica, que a actual juventude não reconhece, são o paradigma de um século que alimentou uma sociedade despreocupada e embriagada, nas seduções e volteio da dança. Claro que esta valsa vienense, nada tem de semelhante com uma paródia qualquer que conheçamos dos salões do Clube Portuense, tocada pelo Galarza e usando smoking. O Rei da Valsa faleceu a 3 de Junho de 1899. Parece que não pretendia entrar no novo século, que muito em breve iria destruir radicalmente o seu mundo, la belle epoque, a velha Áustria. O Imperador Francisco José ainda lhe sobreviveu 17 anos e logo as sepulturas tiveram que receber os milhões de mortos da I Grande Guerra, bem como um mundo que se desmoronava. Por muito tempo, não pareceu que desse desmoronar, um renascer fosse brotar, que os Strauss tanto cantaram, com os sons mais belos, comoventes e empolgantes.
Relativamente a esta época e a esse ambiente, Stendhal escreveu que Viena é uma cidade encantadora (...) aqui o espírito não se desenvolveu tão brilhantemente como nos salons parisienses antes da nossa revolução plebeia. Também a razão não ergueu aqui os seus altares, assim como em Londres. Uma certa discrição, um componente da inteligente política da dinastia dos Habsburg, levou o povo a voltar-se mais para os divertimentos sensuais, que são inofensivos para os dominadores (...). A adorável e encantadora música tornou-se a grande paixão dos vienenses (...). Em Viena, como na antiga Veneza, onde a política e o culto da razão eram desacreditados, o doce prazer tomou conta de todos os corações.
A dinastia dos Strauss, ainda contou com Josef Strauss, o mais talentoso de todos nós, no dizer de J. Strauss II, que também inicialmente e para fugir à influência inevitável do pai e do irmão, pretendeu seguir uma carreira militar não obstante a sua compleição débil, e finalmente Eduard Strauss, embora destinado à carreira consular, que se tornou famoso como chefe de orquestra.
A valsa, para dançar, é um símbolo de uma era irremediavelmente finda. No envolvimento dos pares, no circular vertiginoso e na agitação animada de um amplo salão, lado a lado com incontáveis pares, no resvalar e ondular, no calor dos corpos, na perda ou delírio dos sentidos, que os diabólicos violinos dos prima húngaros ou tziganos estimulavam, expressa-se melhor do que qualquer compêndio ou tratado, a alegria de viver numa certa cultura. O escritor francês, Marcel Brion, que já referi estudou Viena, no tempo de Mozart e de Schubert sintetizou que J. Strauss (Pai) personificou Viena das danças, de 1820, enquanto que Schubert é a Viena que ama, alegre ou enternecida, que se encanta com o sol, depressa comovida, depressa indiferente.
A Filarmónica de Viena, conclui muitos dos seus concertos com o Danúbio Azul, quando a assistência pede bis. Durante muitos anos, após a II Guerra, a Áustria não possuía um hino nacional reconhecido internacionalmente, pelo que a valsa O Danúbio Azul preencheu essa lacuna. Creio que o Concerto de Ano Novo será o de maior audição em todo o ano. A música que para nosso deleite é irradiada pelas rádios e televisão de Viena é normalmente dedicada ao Império da Valsa, e aos seus quatro grandes expoentes: Lanner, os 2 J. Strauss (pai e filho) e Josef Strauss.
Viena estava bem fadada para se tornar a capital da música. Durante oito décadas, melhor dizendo entre 1750 e 1830, aqui se concentrou a mais alta criatividade musical do mundo. Em Viena misturou-se a época barroca italiana com o canto popular alemão. Se tão destacados compositores e intérpretes foram atraídos a Viena, alguma razão de peso haveria de ocorrer, que não o mero acaso. Se na segunda metade do século XVIII e durante uma boa parte do século XIX, Viena se transformou no centro musical do mundo, é porque havia causas profundas e decisivas para isso. Estou cem por cento de acordo. Seria a sua localização geográfica, nas margens de um rio unificador de povos? Ela tinha vantagens, sem dúvida, mas não seria creio eu motivo bastante, tal como não a beleza das paisagens, a magia dos palácios barrocos, os becos e praças, que convidam a passear, a estar, à permanência e ao sonho. A sua história milenar? Outras cidades europeias também a possuem. Elementos humanos têm então de estar então subjacentes, tais como a musicalidade natural de um povo, a sua instrução, os mecenas e protectores de artistas, as misturas raciais que desde tempos imemoriais fizeram confluir povos tão diversos como boémios, húngaros, alpinos, eslavos do sul, judeus e levantinos. Eu gostaria de acrescentar a tudo isto, uma disposição inata para felicidade, que é um traço de carácter muito importante, nem sempre salientado.
Tempos de paz relativamente prolongados, tornaram abastada e frívola, quanto baste, a monarquia do Danúbio. Festas alucinantes com que eram celebrados os acontecimentos, os casamentos dos Príncipes-Bella gerant alii, tu felix Austria, nube, Que outros façam as guerras enquanto tu, ó feliz Áustria te casas, ofereciam motivos para muita música, em todos os extractos sociais. As óperas e concertos eram para a aristocracia, as danças e desfiles para os populares. Viena foi, entre os séculos XVIII e XIX uma cidade voltada alegremente para a música, uma cidade faminta de diversões, com uma sensualidade que se expressava mais propriamente nessas irmãs gémeas, a dança e a música, que era o seu grande património cultural e colectivo.
A felicidade dos vienenses apesar das calamidades públicas como a guerra, a peste, as inundações do Danúbio ou os sofrimentos meramente privados, era feita desta arte de viver.
O ar de Viena sentia-se saturado de melodias, ao fim de alguns anos, que observadores estrangeiros como os diplomatas, estadistas, negociantes, artistas e turistas, naturalmente a qualificaram com uma única expressão, mesmo que divirjam entre si quanto às marcas negativas e positivas da cidade: Viena, a Cidade da Música. O som da música, os acórdãos ecoam ainda das velhas pedras das naves e torres de catedrais, como a de St. Estevão, e ruas tortuosas, no sussurrar dos bosques limítrofes, no abraço das suas gentes e nas brincadeiras das crianças.
Socorrendo-me mais uma vez da minha chamada filosofia barata, ao percorrer a Áustria do Salzkammergut e, no fim da viagem, a cidade de Viena, vieram-me à ideia pensamentos tão musicais como quando o vento passa com um leve sussurrar sobre os bosques, os arbustos e árvores movem-se como se fossem ágeis dançarinos, uma Teresinha, num gracioso ballet. Os animais dançam, pois a música fornece-lhes o ritmo. Onde existem meninas, há vida, existe dança. O homem primitivo cantava e dançava, acompanhava a cadência com o bater das mãos e dos pés. A música e a dança percorrem juntas o Tempo.
A nossa segunda semana na Áustria decorreu em St. Martin B. Lofer, mesmo à entrada do Tirol, num empreendimento chamado Schloss Grubho, situado entre Salzburg, que dista cerca de 45 km, e Kitzbuhel. Tratava-se de um antigo castelo que remonta, parcialmente, a 1325 e pertenceu ao rei da Baviera, agora convertido em apartamentos, com o discreto perfume de coisas passadas. Os quartos têm camas de dossel de quatro colunas e muitos deles tectos pintados, com belos estuques e amplos terraços.
Situado no coração dos Alpes, o Tirol é, de Verão ou de Inverno, um dos principais destinos turísticos da Europa central. Com altas cordilheiras, algumas de neves perpétuas e glaciares, e vales profundos, é desde há séculos depositário de uma cultura ao mesmo tempo imperial e plena de tradições populares. Passear repousadamente no Tirol, continua a ser um deslumbramento para os sentidos e além da variedade das paisagens, pode-se desfrutar o país na sua vertente gastronómico-cultural, tanto do gosto e luso agrado. Ao longo da estrada, ao lado de prados e montanhas verdes que se sucedem ininterruptamente, encontram-se maciços rochosos, bem como restaurantes e estalagens convidativos, alguns ostentando na frontaria uma placa arredondada com uma folha estilizada, contendo a menção Estalagem do Tirol. Essas casas, normalmente sob exploração familiar e caracter tradicional, tanto na decoração como no ambiente, envidam esforços no sentido de oferecer uma hospitalidade dita tirolesa. A cozinha tirolesa conta com agradáveis curiosidades, como as já referidas batatas Gröstl e, obviamente, a doçaria. Também no Tirol, o povoamento continua a ser muito disperso, o que transmite a ideia de um isolamento na vida comunitária. Coloquei uma vez esta questão, tendo-me sido respondido que esse dito isolamento a existir não significa de modo algum espírito retrógrado.
Foi aqui em Loffer que, no dia 19 de Agosto, tive o meu acidente. Ainda hoje não sei explicar o que aconteceu. Seria preciso para o seguro? Quando dei por ela, antes de chegar ao passeio estava no chão, com lágrimas nos olhos, sem me poder mexer. O que me valeu é que o M. estava perto, e o carro também. A A. tinha ido com a C dar uma volta pelas lojas e comprar um vestido típico da Áustria, pelo qual ficara vidrada no dia anterior, uma saia por meio da perna, dois aventais falsos e umas mangas tufadas, tal como se viam nalgumas pessoas da rua. Um bombom, para quem acertar a quem se destinava. Para a A. e C. não, não seria crível. Para a Beatriz também não, ainda era cedo. A Clara é verdade se pudesse comprava tudo, se não fosse o seu anjo da guarda que lhe dizia, tem cautela C, estás a gastar demais. É fácil, o vestido foi para a Teresinha, como é mais que evidente. Nesta viagem aprendi muito, até que os trajes tradicionais austríacos, são orgulhosamente usados em todo o país, e muito especialmente no Salzkammergut. Os homens usam os calções de couro, lederhosen, meias e chapéus de caça com uma pena. As senhoras, mesmo no dia-a-dia, usam também sem qualquer objectivo turístico, saias de pregas, dimdls, casacos de lã e lenços de seda. A Clara achava os chapéus à tirolês com penas, lindos de morrer. O pior é que o seu anjo da guarda, a sua consciência, andava sempre muito perto.
Levado ao posto de saúde aí tiraram-me logo um RX, o médico franziu a testa, e em menos de um quarto de hora tinha uma ambulância à espera, para me transportar ao Hospital de Zell-Am-See, o mais próximo a cerca de 30km de distância. Aqui, depois de uma nova radiografia, e de uma reunião de família em que o inglês da Clara continuou a ser a chave dos hieróglifos, colocaram-me a questão de ser operado de imediato, note-se de graça, antes que o pé e a perna começarem a inchar, ou ser apenas engessado, para aguentar a situação e ser tratado em Portugal. Dado não haver inconveniente, preferi a solução de, contactado o Dr. Dinho ser, eventualmente, operado quando chegasse a Portugal, como aliás aconteceu no Porto. A partir daqui passei a andar de perna engessada até ao joelho, numa cadeira de rodas alugada ao dia, situação que disse me parecer algo obscena. A verdade é que não havia nenhuma alternativa, pois não podia apoiar o pé no chão, dado ter havido uma fractura em três sítios, o que não era o pior, e uma extensa ruptura de ligamentos. Disse que a situação me parecia algo obscena, pois como não tinha dores, não deixei de ver nada, de ir a nenhum sítio ou comer alguma coisa. Claro que isso fiquei-o a dever à boa vontade de todos e ao esforço, muito especial do Manel, o que evitou de ter de regressar a Portugal mais cedo. Seguindo porém os didáticos e profiláticos conselhos da A., quase não bebi mais uma cerveja, vinho nenhum, o que criou todavia um pequeno problema de consciência ao M., aquando nos debatíamos com petiscos nas nossas ceias, que se mantiveram. Que fazer ao vinho e cervejas que tínhamos amorosamente escolhido e já comprado?
Descobri, então, uma interessante bebida, fresca e sem alcool, o Red Bull with soda, que passei a consumir com agrado, nomeadamente aquando do passeio de barco no Danúbio, em Viena. Quem contesta que o português seja imaginativo?
A propósito deste percalço, a C comentou mais tarde com graça que a perna do Fernando deu pano para mangas, mais propriamente gesso para pernas, o que lhe dava uma grande leviandade no andar.
O nosso quarto no hotel era no primeiro andar e porque não havia elevadores no palácio, tínhamos de subir e descer uma escadas relativamente altas e compridas, o que se revelava algo complicado com a cadeira de rodas. O que me valeu foram os músculos do M e a boa vontade da Aninhas e Clara. A C, depois de tudo terminado, comentou que as subidas e descidas eram bem suadas pelos três. O marmanjo estava na maior!.
Foi nesta zona, concretamente em St. Johan in Tirol, que o M demostrou as suas notáveis qualidades atléticas, ao ir fazer um exercício público, de saltos de cama elástica, suspenso por elásticos. Ao ve-lo naqueles exercícios, difíceis e arriscados, que o M. quis que ficassem registados em vídeo para que se acontecesse algo errado, um dia a Beatriz se lembrasse dele. Perante o grande espanto de inúmeros presentes, atentas as acobracias que o Manel fazia, senti um enorme orgulho de ser português na Áustria e lembrei-me daqueles inspirados e profundos versos de uma música do Conjunto António Mafra em que o dom José de Vicente,/ Que é de S. Pedro da Cova,/ Para mostrar que é valente,! Foi dançar a bossa-nova.
A capital do Tirol é Innsbruck, cidade situada no local onde o Sill desagua no Inn, junto a uma ponte antiga. Trata-se de uma cidade relativamente grande, isto é em termos austríacos, mas com uma entrada muito feia, estilo cintura industrial/ferroviária/Barreiro, onde se destaca o Estádio de Patinagem, Olympia-Eisstadion, e a Pista-Trampolim de Saltos, Bergisel-Stadion, com espaço para 40.000 lugares sentados. Os Jogos Olímpicos de Inverno realizaram-se aqui em 1964 e 1976 e a cidade firmou, definitivamente, a sua reputação como uma ímpar estância de desportos de neve, aliás, onde é possível esquiar o ano todo. Mas há que ser um profissional de gabarito para fazer bobsleigh. Todavia, depois de um giro pelo centro histórico, chegamos à conclusão que é uma cidade imperial, de vida cara, onde estão representadas as principais casas e marcas mundiais de todos os ramos, com belos edifícios de arcadas, varandas envidraçadas, pinturas murais e painéis renascentistas.
Innsbruck havia ganho proeminência em fins de século XV, quando Maximiliano I, fez dela capital do império. Apesar de ter concebido o seu mausoléu para esta cidade, Maximiliano I veio a falecer exilado em Wells. De facto, o imperador fora impedido de permanecer em Innsbrcuk, por causa das muitas dívidas da corte. A nossa visita a Innsbruck foi curta, tendo-nos todavia permitido uma volta de carro de cavalos, pelo centro histórico, passando entre o mais pela Marie Theresien Strasse e Arco do Triunfo, conduzido por um cocheiro búlgaro, que se fazia entender através de um mal amanhado castelhano. No centro histórico, reservado a peões, destaca-se a Catedral de S. Jacob, Domkirche zu St. Jakob, em estilo barroco, e na praça adjacente com belas esplanadas, onde nos sentamos, o famoso Telhado Dourado, símbolo do poder dos Habsburg, talvez mais emblemático ainda que a catedral. A varanda deste telhado está coberta por ripas de cobre, quem as contou diz que são 2378, que reflectem a luz do sol. Segundo reza a história, ou a lenda, Maximiliano I saudava daqui os seus súbditos e assistia às festas realizadas em sua honra. O prédio é antigo, remonta a 1500, altura em que ficou pronto e destinava-se a residência dos Príncipes do Estado do Tirol
No dia em que fomos a Innsbruck passamos pela muito curiosa Rattensberg, anunciada como a mais florida aldeia da Áustria, ou será do Tirol?, aonde almoçamos bem, numa esplanada central, umas quantas especialidades regionais, embora acompanhadas pela nossa conhecida e popular, loira Stiegl. Dizem os mais antigos desta região, onde já não chega a memória de nenhum ser vivo, que o vale Alpbachtal, em cujas encostas se situa Rattensberg, deve ser visitado pelo menos uma vez na vida, para se sentir a sua beleza invulgar. Aqui está sediado o conhecido Forum de Alpbach, o Europäische Forum Alpbach, dedicado a assuntos ecológicos e ambientais. Quando lá passamos, por coincidência o Forum estava reunido na sua sessão de verão, com muitos intervenientes, engravatados, mas não só, embora todos muito sérios de pastinha debaixo do braço. A Aninhas ainda pensou, seriamente ao que suponho, em inscrever-se para uma sessão do Forum, a funcionar em secção, com vista a colher apontamentos para fornecer ao Presidente da Junta de Freguesia dos Montes. Mas foi custosamente dissuadida por nós, pois isso alterava inutilmente a tarde, se o Presidente da Junta não acatasse os bons conselhos.
Quem vai ao Tirol também deve visitar Kitzbüel, conhecida como uma das principais e mais antigas estâncias de esqui da Áustria, terra de campeões olímpicos e mundiais, mas que deveu a sua prosperidade inicial à extracção da prata e cobre que se fez até aos fins do século XIX. Esta povoação com cerca de 8.000 habitantes, muito bem arranjada como as demais da Áustria que visitamos, situa-se numa encosta acidentada, tendo ao fundo um vale arborizado e dispõe de umas igrejas antigas, ruas em socalcos e com escadas, bem como várias filas de habitações urbanas, pintadas com cores garridas. Antes de 1927, ano da construção do caminho de ferro, já se dera início à era do esqui. Em 1893, o prefeito de Kitzbüel, encomendou uns esquis na Noruega, com os quais empreendeu a primeira escalada de inverno do pico Kitzbüeler Horn. Aqui numa loja de souvenirs, pertença de um paquistanês muito obsequioso, compramos umas canecas de cerveja, música tradicional do Tirol em CD e cassette, e a Clara o relógio de cuco, com um cuco que sai mesmo da gaiola cuja portinhola abre, que se encontra em Santa Comba. Numa canção popular, a terra mais próxima, Kufstein, é chamada a Perola do Tiro”.
Não sei se foi por influência desta música, muito típica, que a A, a C, o M e eu, pensamos ainda em inscrevermo-nos num curso acelarado de verão para adultos, de iniciação à música tirolesa. A ideia subjacente era convidarmos o Paulo para nos acompanhar à viola ou órgão electrónico e, depois de bem ensaiados, sugerir à Biquica fazermos espectáculos conjuntos de caracter beneficente, lá por alturas do Natal e Ano Novo. Com grande pena minha, esta ideia que me parecia lúcida e com pés-e-cabeça, morreu à nascença.
Perdoem-me, aproveitar esta oportunidade para invocar de novo a minha filosofia, aprendida em livros de bolso, que normalmente uso consumo interno. Durante a viagem à Áustria, várias vezes nos louvámos os quatro, com a deliberada falta de controlo sobre a nossa programação diária. Nunca sabíamos bem quando, aonde e a que hora chegávamos, o que decorria naturalmente e sem sobressaltos, de não ter contas a prestar a ninguém.
Pensando bem, e aqui entra o meu pensamento existencial concluo que não temos grande controlo sobre a nossa vida. Muitas vezes pensamos que sim, que podemos prever as coisas, mas não é assim. Aprendi que se pudermos deixar as coisas fluírem normalmente, a vida encontra o seu caminho e basta segui-lo. Basicamente foi o que fizemos, não obstante reafirmar a capacidade de organização do M. Durante 15 dias, tudo se passou como se se estivesse a escrever um livro, indo nós atrás do enredo. Assim, aprendemos que há coisas que, por bem, não se justifica planear. Quando estou chateado, a A, a minha melhor Amiga, vem ter comigo e encontra instintivamente as palavras e os comportamentos certos, que podem ajudar. Não precisa de planear, de pensar arduamente ou escreve-lo, porque isso surge naturalmente.
A freirinha, representada por Julie Andrews, no Música no Coração tinha toda a razão, quanto a mim, ao cantar que as montanhas estão realmente vivas com o som da música. Ainda hoje, passeando no Salzkammergut, onde o filme foi rodado, parecem-me ecoar aquelas notas inesquecíveis por montes ou prados verdes acima. Como tentei demonstrar, as colinas do Salzkammergut não estão cheias de uma música qualquer, mas da melhor música jamais composta no mundo.
No século XIX, como vimos os Habsburg transladaram-se para o campo, no Salzkammergut. Escolheram Bad Ischl para a sua morada estival, distinta a Kaiservilla das demais villas, pelas dimensões e não tanto pela arquitectura. Enquanto que os soberanos europeus, também em férias, viviam em castelos, o Imperador da Áustria residia na “villa imperial”. Aqui não usava o uniforme oficial, e frequentemente usava uma indumentária de caça, com calções, suspensórios de couro e botas. No Salzkammergut, a recordação dos Habsburg permaneceu ao longo dos anos como algo idílico, que nem as sombras sinistras dos últimos decénios do seu poder, conseguiram mudar. Permanecem ecos desses tempos, as histórias da cidade em que fontes deitavam água, não havia pacotes de Nesquick a boiar nos lagos, a vaca era mungida debaixo da janela, as pessoas eram acordadas com o som dos cascos das patas de cavalos, onde tudo demorava e havia tempo para o tempo. Do Príncipe Herdeiro Rudolfo, frequentemente tido por excêntrico, não ficou aqui memória de nenhuma extravagância. Também a melancólica Imperatriz Isabel se sentia muito bem no Salzkammergut e a rigidez da postura do velho imperador cedia lugar à recordação de um simples cavalheiro, que ia conviver, tomar café e comer doces a casa da Senhora Schratt.
Tudo isto está de acordo com o estilo de vida da região, muito mais que os actos formais da Corte e do Estado ou os acontecimentos obscuros e trágicos que vieram a ocorrer. A pequena história de Bad Ischl, história de uma cidade antiga, destaca o acontecimento que deu origem à Primeira Guerra, ou seja, o ultimatum à Sérvia, assinado na Kaiservilla. Para Bad Ischl, o simbólico ano de 1914 é representado pelo dia 30 de Julho, quando o velho Imperador Francisco José, entrou no combóio e saudou pela última vez, o lugar que foi de felicidade. Esta foi também a despedida definitiva de la belle epoque, que mesmo com o passar do tempo deixou a sua marca indelevelmente romântica. Tenho pensado frequentemente que os povos, com as pessoas, mostram-se capazes de fazer a sua felicidade, com os elementos que o destino pôs à sua disposição.
Vou voltar de novo, como disse antes, à Imperatriz Isabel e a sua relação com Portugal, que lhe serviu de porto de abrigo, por duas vezes. Conforme um biógrafo, Sissi era republicana por influência do pai liberal e sobretudo o seu professor particular de história austríaca.
Muito bela e também profundamente infeliz, a Imperatriz Isabel passou a vida a viajar, numa busca incessante que acontecia simultaneamente no espaço físico do mundo e no seu interior, a sua alma. A sua inquietação não a deixava permanecer em lado nenhum. Sentia-se impelida a partir sempre, a cruzar os mares, a ir mais além, à procura de liberdade, de paz interior, de solidão, em busca de si mesma e de um sentido para a vida. A liberdade era, para Sissi, um valor essencial. Sentia-se qual gaivota, para partir sobre o mar imenso, tendo um dia escrito: Uma gaivota sou, de terra nenhuma,/ Não chamo pátria a nenhuma praia,/ Não me prendem terras ou lugares,/ Eu vou de onda em onda.
Num outro poema, pedia que a deitassem numa praia quando morresse, para contemplar o mar, de modo a que esta fosse a sua última visão. E depois que a atirassem à água, onde fosse mais fundo, pois mesmo que há superfície haja tempestade, no fundo encontrarei a calma.
Isabel terá confessado que tenho a sensação de que sou permanentemente impelida. Cada barco que deixa o porto, desperta-me o desejo de embarcar. Ir para onde ele for, para o Brasil, para a África, não importa para onde, apenas não permanecer num lugar.
Esta necessidade está também presente numa outra poesia: Para onde ainda, minha alma?,/ Estamos no alto mar,/ Ele leva-nos de onda em onda,/ Agora para baixo logo para cima. (...) /Para onde? Eis a pergunta,/ O grande hieroglifo, /O meu amargo tormento da alma,/ O enigma sem fundo.
O seu professor de grego, escreveu oportunamente no seu diário que ela é a rainha das águas correntes. É mais do que isso, é a rainha dos mares.
Oficialmente, quando Isabel veio a Portugal pela primeira vez, em Novembro de 1860, foi por motivos de saúde. A Madeira era conhecida como estância terapêutica, com um clima favorável ao tratamento de tuberculose. Terá sido essa mesmo a razão da viagem? Duvidou-se muito desse diagnóstico médico, a doença seria antes uma desculpa para a sua fuga da corte, cheia de etiquetas e obrigações, que tanto detestava. Outrossim, ela gostava de fazer passeios, montar a cavalo, fazia cavalgadas que chegavam a durar 10horas, e caçar. Admirava a beleza, ela que chegou a ser considerada a monarca mais bela do seu tempo adorava a poesia, em especial o alemão Heinrich Heine e não lhe interessava, nem a política nem o poder. A rigidez da corte austríaca não se compadecia com esta maneira de ser e cedo se sentiu prisioneira desse mundo. Tal como acontecia com o seu filho Rudolfo, que era tido por liberal, antiaristocrático e pró húngaro. Assim começou a distanciar-se e a virar-se para si mesma. Um dos seus biógrafos escreveu que o pretexto da doença abafará tudo isso. Na realidade, pode-se dizer que ela está doente, porque o seu estado de espírito influencia o corpo e o que não passaria de uma pequena anemia, de uma tosse insignificante, com esses comportamentos pode tornar-se uma verdadeira doença.
A sua sogra, com quem nunca se deu bem, terá dito que ela encenou a doença para fugir ao inverno da Áustria e, longe dali, poder viver de acordo com os seus próprios hábitos. Também segundo a sua própria mãe, o problema de Isabel era mais psíquico que físico. Porquê, a Madeira? O Arquiduque Maximiliano, irmão do Imperador, conhecia bem a Madeira. Ali estivera pela primeira vez de 4 a 7 de julho de 1852, no regresso a uma viagem ao Brasil, ali voltou de 6 a 15 de Dezembro de 1859 e ainda de 5 a 12 de Março de 1860. Na Madeira terá tido um romance com a princesa D. Amélia de Bragança, filha de D. Pedro IV, de Portugal, falecida pouco tempo depois, vítima de tuberculose. O Arquiduque, entretanto casado com Carlota de Saxe, filha de Leopoldo I da Bélgica, a caminho de se sentar no trono do México, cuja mulher Carlota veio a mergulhar na loucura, ainda passou outra vez pela Madeira, de 28 a 29 de Abril de 1864. Não admira que tenha ficado ligado à Madeira pelo que é possível que tendo falado desta ilha, tenha assim influenciado Isabel, na escolha. Durante a sua primeira deslocação à Madeira, a certa altura desencadeou-se no mar uma violenta tempestade. Enquanto os outros passageiros se mostraram amedrontados e se sentiam mal, ela admirava o espectáculo, sentia a tempestade, queria participar dela. Em vez de se recolher ao camarote, perante o perigo de ser arrastada pelas ondas, pediu para ser arrastada a um mastro, de modo a admirar o furor da natureza.
De Viena, Isabel apenas teve saudades dos filhos e dos seus cavalos. Após uma separação de meses o casal imperial voltou a ver-se em Maio de 1861.Ao fim de 4 dias nesta cidade os acessos de febre, ataques de tosse e de choro voltaram, tomando proporções preocupantes. O médico particular diagnosticou uma tuberculose e propôs uma estadia em Corfu, que se veio a realizar mais tarde.
Porque terá voltado Isabel, à Madeira? Saúde? Procura de distância da corte? Fuga ao inverno de Viena? Tentativa de recuperar os anos passados?
Quatro anos antes desse regresso, uma tragédia abalou seriamente a vida da Imperatriz, a morte do seu filho Rudolfo, e herdeiro do trono, que se suicidou em Meyerling, a 30 de Janeiro de 1889, depois de matar a amante, por não ter conseguido por razões de Estado o divórcio da mulher a Princesa Stephanie, da Bélgica, para casar com uma bela jovem de 17 anos, a baronesa Maria Vetsera. Este casal tinha feito um pacto de suicídio. A corte abafou a verdade. O corpo da baronesa foi retirado em segredo do local e pôs-se a correr aversão que Rudolfo morrera de um ataque cardíaco. A tragédia parece ter feito parte da vida desta mulher, que teve o seu cunhado preferido, o irmão mais novo do marido, Maximiliano, fuzilado no México a 19 de Junho de 1867, o afogamento do marido da irmã, Ludwig II, e ainda a morte da irmã Sofie, queimada num incêndio de um bar.
Sissi ficou para a história como uma mulher enigmática, quer não viveu nenhum conto de fadas, mas uma vida trágica, coroada por uma morte também trágica, ao ser assassinada na via pública em Geneve (Suíça), nas margens do lago Leman a 10 de Setembro de 1898 por um anarquista italiano, que procurava um grande feito em nome da causa, a apunhalou com um estilete, de certo modo por engano, dado que inicialmente a vítima pretendida era o Príncipe de Orleães, pretendente ao trono de França, tido pelos anarquistas como o grande representante da aristocracia. Aqui a toilette da Imperatriz pode ter sido fatal. Depois de agredida a Imperatriz caiu no chão tendo sido ajudada a levantar-se por populares a quem agradeceu. Mas devido ao apertado espartilho, o sangue passou a sair tão lentamente que ninguém se apercebeu que estava gravemente ferida. Antes de morrer e depois de ter percorrido a pé uma centena e metros perguntou: O que é que aconteceu comigo?
A vida de Isabel acabou por se tornar um mito, que até hoje continua a fascinar as pessoas e que corporizou o glamour, mas também a dificuldade da vida na corte da Áustria, no século XIX.
A cidade do Funchal resolveu prestar-lhe homenagem e nessa sequência os jardins da Hotel Carlton, junto ao Casino ganharam nova vida com a colocação de uma estátua da Imperatriz, em bronze e em tamanho natural.
Sem comentários:
Enviar um comentário