FALANDO SOBRE A FAMÍLIA
PAIS, AVÓS, FILHOS E NETOS…
Fleming de OLiveira
Antigamente, na Casa de Miramar, o Dia da Mãe era a 8 de Dezembro, dia de Nossa Senhora. Mesmo quando se decidiu mudar a data, continuamos a ter o nosso Dia da Mãe, a 8 de Dezembro e assim o comemorávamos até ao fim, sob a batuta do Zico. Que pena tenho de não poder falar mais com a Zica…, nunca é altura para poder deixar de falar com as Mães, mas posso ao menos falar com a Aninhas, que não é a minha, mas a Mãe dos meus filhos.
No que diz respeito à Zica, nunca deixou de me imaginar como um bebé, tanto mais que nunca me chegou a ver doente. Na cama onde se encontra e de onde não mais sairá, será sempre uma presença, um norte e um raio de luz, embora eu arranje por vezes pretextos para fugir à complexidade de certos desafios que a vida lhe apresenta. Da Zica recordamos nós com saudade, os filhos e os netos mais velhos, belos e interessantes momentos.
A Mãe gosta mais da P. e do M.! A Mãe gosta mais da R. e do M.! A Mãe gosta mais da R. e da P.! A Mãe gosta mais deles do que de mim! A Mãe gosta mais do D. que do L. e da T…
Conheço bem esta ladainha e não fico impressionado, embora agora a veja renovada na nova geração. Admito que, a seu modo, cada um dos meus filhos, netos agora, gostaria, sem que daí lhes impute egoísmo, de ser o único e o favorito. Embora dando-se bem entre si, creio que adorando-se mesmo, se utilizam este argumento em desespero de causa, é porque sabem ou supõem que cala lá fundo da Aninhas. Não creio ser necessário dizer que, dos três, a Aninhas não gosta mais de um que de outro. Sei bem quanto esse argumento a atinge, apesar de também o saber injusto mas, mesmo assim, dá-lhe logo vontade de chorar, porque como Mãe, há sempre no seu espírito o receio de alguma vez poder suscitar uma réstia de dúvidas, dado nunca ser possível tratar todos por igual. Afinal, eles são diferentes, surgiram em momentos diferentes. Como é que poderíamos ter um filho favorito, pergunto eu ainda que só retoricamente, sem prejuízo de reconhecer que o relacionamento com um, é necessariamente distinto do outro?
E os Avós (homens), o que pensam e sentem sobre este assunto? Poderia também responder que não tenho nenhum neto favorito, o que não quer dizer que não assuma a diferenciação entre os três. Confesso, porém, que tenho a minha neta preferida, como nunca escondi e sempre disse. Isto nada tem a ver com amor, pois isso nem se põe em causa. Não me concebo, daqui em Alcobaça, sem ter de vez em quando a minha T. preferida, pois que se há alguém a quem devo muito depois de gostosos dias de convalescençano quarto, é a ela. É a menina mais meiguinha (por vezes) que existe, a mais dócil (por vezes) e menos egoísta (por vezes), pondo os Minanos sempre em lugar dianteiro (por vezes), pelo que criamos desde sempre suponho uma recíproca relação de confiança. A minha T. tem algo que acho importantíssimo, abraça muitos dos mesmos valores, gosta das mesmas tradições e causas familiares que nós e de uma forma que sei mesmo que fazem parte dela. Não quero ser injusto, mas a identificação com a T. parece-me, por vezes, mais fácil que com a R., P. ou M., os netos rapazes ainda são bebés, o que me leva a correr o risco de, doravante, me começarem a apontar o dedo, em ar de censura por descriminação. Será por isso que, nos eventuais defeitos da T., eu só vejo virtudes, será por me parecer que ela é mesmo parecida com os Minanos, que sou mais tolerante? Preferida ou não, gosto de lhe dar mimo, de a sentar ao colo (o que já vai sendo raro), afagar-lhe a cabeça, falar-lhe, sem que conscientemente lhe peça mais que receber um pouquinho de mimo. Não sei o que a vida nos irá ainda proporcionar, as pessoas mudam, as circunstâncias aproximam-nos ou afastam-nos, pelo que se um dia a T. em vez de ser a doutora maria joão, quiser ser cabeleireira na Figueira da Foz, irá faze-lo sem rupturas.
Muita gente pensa em Avós mais como sinónimo de um cais para navios em riscos de naufragar, de que pessoas vivendo uma determinada fase da vida, possivelmente com menos certezas e mais angústias, em suma, como diria redundantemente o meu antigo psiquiatra de Gaia, com mais crise do que outras idades. Muita gente também pensa que, a instituição avós, está em risco de desaparecer. Não creio, pois é uma honra indestrutível, embora admita que tende a transformar-se, como muitas outras, de uma sociedade em transição. Se tenho pouco voz política e social, não queria também perde-la na Família (nem nos meus irmãos), enquanto puder contar histórias, recordar tempos idos, mesmo com reconhecida falta de rigor, prolongando o que puder ser prolongado nos vindouros, o que se foi esgotando nas gerações precedentes.
Vocês podem ensinar-me a viver com os pés assentes na terra, e eu ensino-vos a voar.
Vocês ensinam-me como defender o coração, e eu como ele pode ser aberto sem se perder.
Vocês ensinam-me a deixar de ser exagerado e pouco sincero, e eu ajudo a serem mais condescendentes com os outros.
Vocês dão-me um pequenino mimo e eu se pudesse daria a em troca uma noite de lua cheia diferente de todas as que já houve!!!.
Há uns tempos colaborei com a T. num trabalho de casa, dedicado a Almada Negreiros. Dias depois, li estes seus versos que não resisto aqui citar e que gostaria de dedicar à Zica, gasta pela doença e por não sei quantos filhos, a quem devo muitos carinhos e a que nunca me mostrei inferiorizado:
Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue, sangue!
Verdadeiro, encarnado!
Mãe!
Passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar.
Tenho sede!
Eu prometo saber viajar.
Quando voltar, é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe!
Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa.
Como a mesa.
Mãe!
Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
Mãe!
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