PASSEANDO PELA ÁUSTRIA (2002)
(II)
W. A. MOZART, POIS CLARO
O REQUIAM (História ou Lenda?)
BAD ISCHL, SISSI E FRANCISCO JOSÉ
OS GIGANTES DE GELO, OS DOCES
A MAIS BELA ALDEIA DO MUNDO JUNTO A UM LAGO AUSTRÍACO
SISSI NA ILHA DA MADEIRA
Fleming de OLiveira
Falando de Salzburg, há obrigatoriamente que falar de Mozart, o seu filho mais conhecido.
Não vou entrar na apreciação da sua vida, numa perspectiva de ordem musical. Isso é tarefa que me transcende totalmente, carecendo eu de conhecimentos e preparação. Deixo isso a especialistas. Que diria a B. se me metesse por esses atalhos, onde de certeza não sairia incólume? Vou, portanto, limitar-me a abordar Mozart, de acordo com um simples perfil biográfico.
Mozart nasceu a 27 de Janeiro de 1756, em Salzburg, tendo sido baptizado logo no dia seguinte, na Catedral da cidade. Foram-lhe dados os nomes de Johannes Chrysostumus Wolfgangus Theophilus. Os dois primeiros nomes raramente os usou. Wolfgangus usou-o na forma germânica Wolfgang e, quanto ao último traduziu-o para latim Amadeus transformando-o sucessivamente em Amadeo ou Amédé, conforme escrevia italiano ou francês.
Certamente Mozart é o caso mais extraordinário de precocidade que a história das artes regista.
Contam-se sobre a sua infância um certo número de feitos musicais, quase maravilhosos, alguns dos quais cabem mais no domínio da fantasia ou lenda do que ao da realidade. Mas não há dúvida que os seus dons invulgares se manifestaram muito cedo, tocando cravo aos 4 anos e compondo aos 5 pequenos minuetes, que o pai corrigia e passava ao papel. Como a sua irmã mais velha se mostrasse igualmente dotada musicalmente, o pai resolveu mostrá-los pelo mundo fora, iniciando uma série de viagens que chegam a durar anos e que em breve tornaram o nome do pequeno Wolfgang, um dos fenómenos mais falados e admirados nas Cortes e salões aristocráticos europeus, tais como Paris, Londres, Haia, Munique, Geneve ou Viena. É em Viena que o ainda jovem Wolfgang, iniciou a sua carreira de compositor de música religiosa, escrevendo e dirigindo para a consagração da igreja de um orfanato, uma missa solene e um ofertório, que infelizmente se perderam. Regressando a Salzburg, o Arcebispo-Príncipe, rendido ao seu talento, nomeou-o seu Konzertmeister, embora sem vencimento e instigando-o a deslocar-se a Milão, Bolonha e Roma. Aqui, Mozart causa enorme sensação ao transcrever, de cor, o célebre Miserere, de Allegri, seguidamente a uma audição na Capela Sistina. Em Nápoles, Mozart chega a ser acusado de dispor de poderes sobrenaturais, de bruxaria inclusivé, pelos seus dotes musicais. De volta a Roma, é feito pelo Papa Clemente XIV, Cavaleiro da Ordem da Espora de Ouro. Com 21 anos, vão restar-lhe apenas 14 anos de vida. Esses anos que vai viver, constituem um dos casos mais assombrosos e pungentes da história das artes, na sua sucessão de triunfos e reveses, de esperanças e decepções, de milagres de génio e de indiferença, de sobre-humano labor e de aflições económicas, de dedicação e de vexames. Em 1877, Mozart, acompanhado da mãe, parte para Paris, para tentar conquistar a cidade, não obstante ter ficado enamorado de uma jovem cantora Aloyisia Weber, com quem pensou casar no regresso. Mas Paris revela-se uma prova muito dura, onde não obtém o sucesso esperado, e sofre o desgosto supremo de ver aí falecer-lhe a mãe. Entretanto novo desgosto o aguarda, pois Aloyisia, entretanto elevada ao estatuto de prima-donna da ópera da corte, não esperou mais por ele. Na sua terra, Salzburg, não afrouxa o seu trabalho de compositor, não obstante as funções de Konzertmeister e de organista da Corte Arquiepiscopal, para que foi nomeado em 1779, pelo arcebispo Colloredo. Em 1780 compõe duas missas, entre as quais a chamada Missa da Coroação, a Missa Solemnis, as Vésperas dos Confessores, uma Regina Coelli, duas sinfonias, uma serenata, um concerto para dois pianos e orquestra, e três sonatas de órgão, até que chega de Munique a encomenda de uma ópera. De Munique, segue Mozart para Viena, chamado pelo Arcebispo Colloredo, então nesta cidade, passando aí a ter a residência permanente. Cortando com o Arcebispo após viva disputa em que se viu tratado como um qualquer lacaio, chamado de mandrião, imbecil e insociável e depois ameaçado, foi corrido brutalmente a pontapé pelo mordomo. Não tendo casado com Aloyisia, vai casar na Catedral de St. Estevão em Viena, com a sua irmã Constanze Weber, um ano mais nova, para quem de certo modo compõe Belmonte e Constança ou o Rapto do Serralho, a ópera em 3 Actos, que vimos representar no Teatro de Marionetas e que constituiu um êxito em Viena, depois reproduzido em Praga. O casamento de Mozart, então com 26 anos, não se revelou uma boa decisão, pois Constanze, de 20 anos, nunca foi boa dona de casa, resultando daí fortes dificuldades materiais para a família, dada a incerteza dos seus rendimentos. A sua insistência junto do Imperador para assumir um cargo fixo, revelaram-se infrutíferas. Ainda pensou em radicar-se em Londres ou Paris para satisfazer as suas prementes necessidades de ordem material. Haydn, a quem dedica algumas obras, fruto de um longo e árduo labor, declarou solenemente depois de as escutar que ele era o maior compositor que conhece em pessoa ou de nome. Entretanto trava conhecimento com Lorenzo da Ponte, célebre dramaturgo, planeando ambos a ópera As Bodas de Fígaro, baseada na comédia de Beaumarchais, Le Mariage de Figaro que se revelou um êxito estrondoso em Viena e Praga. De regresso a Viena, trás a encomenda de uma ópera para ser apresentada no decurso da temporada de Praga. O drama giocoso Dom Giovanni, obra maior da arte lírica em que tem como parceiro Lorenzo da Ponte, leva a que Mozart seja acolhido triunfantemente em Praga, perante um renovado distanciamento de Viena. Mozart, a este propósito, escreveu a um amigo: Gostaria que você e os meus bons amigos de Viena estivessem aqui nem que fosse só uma noite, para partilharem a minha alegri”. Em 7 de Maio de 1788, Dom Giovanni foi apresentada em Viena e apesar de não ter tido o acolhimento caloroso de Praga, a obra foi repetida durante quinze noites. A situação material de Mozart é por esta altura bastante complicada, mas isso não o impede de trabalhar proficuamente. Em 1788, Mozart compôs em seis semanas, as últimas três grandes sinfonias, cúpula genial da sua produção orquestral. Em Viena, depois de largo interregno As Bodas de Fígaro é reposta com muito sucesso, o que leva que o Imperador lhe encomende uma nova ópera, Cosi Fan Tuti, triunfo supremo da ópera bufa italiana, ainda secundado por Lorenzo da Ponte. A morte do Imperador acarreta a suspensão das representações dessa ópera, o que agrava mais a situação económica de Mozart. Em 1790, é o ano da suprema crise de Mozart, que se traduz também num abrandamento da produção artística. Mas no ano seguinte, ou seja, nos últimos doze meses de vida, a sua produção em ritmo febril, cria obras tão importantes como A Flauta Mágica, ópera feérica destinada ao teatro popular, que teve logo enorme sucesso, La Clemenza di Tito, ópera séria escrita para a coroação de Leopoldo II, em Praga, o maravilhoso motete Ave Verum Corpus, duas cantatas, o Concerto de Piano em si Bemol, o Concerto de Clarinete, várias séries de danças orquestrais, o Quinteto de Cordas em mi Bemol, a Fantasia em fá menor para órgão mecânico, mais tarde transcrita para dois pianos. Mas Mozart encontrava-se esgotado, preso de alucinações e com o Requiem começa a viver com o pressentimento de que escreve o seu próprio canto de morte, e que esta, impiedosa como é, não deixou aliás terminar.
As circunstâncias um tanto misteriosas em que esta obra nasceu deram origem a uma lenda romântica. Estudos recentes, apuraram que o Conde Franz von Walseg-Stuppach, um grande amador de música que tocava flauta e violoncelo e no seu palácio de Viena se realizavam concertos e representações teatrais duas vezes por semana, viu em 14 de Fevereiro, falecer a jovem esposa, antes de completar 21 anos. O Conde para homenagear a sua memória quis mandar compôr uma missa de Requiem que fosse excepcional, sem olhar e custos e que seria estreada em sua casa. Assim, para esse efeito foi escolhido Mozart e para manter o assunto em sigilo, o conde mandou o seu advogado falar com este e fazer a encomenda. A visita desse emissário, alto, magro, com chapéu e roupa cinzenta, ocorreu em Julho. Pediu segredo absoluto, prometeu pagar bem, sem ter dito todavia quem era e por conta de quem ia. Mozart iniciou a produção desta peça, mas a sua saúde ia piorando dia-para-dia. Sabe-se como ocorreram os seus últimos dias de vida. Mozart estava consciente de que o seu fim se aproximava e disse por mais que uma vez que com o Requiem, compunha a música do seu próprio funeral. Aproveitando uma aparente melhoria do seu estado de saúde, alguns amigos foram a sua casa interpretar as partes do Requiem já concluídas, tendo o próprio Mozart cantado a parte do contralto. Só chegaram ao Lacrimosa porquanto o resto não estava terminado. Depois deste serão, a saúde agravou-se rapidamente e no dia seguinte faleceu. O diagnóstico médico referiu que tinha falecido de febre reumática aguda, embora tenha corrido durante muito tempo o boato de que fora envenenado por Salieri, um compositor dito invejoso.
A morte do compositor não provocou a menor comoção em Viena. Mostrou-se Viena digna de Mozart? Deixou-o apagar-se num sofrimento que lhe esgotou as forças e lhe trouxe uma morte prematura. Nunca lhe proporcionou condições que lhe teriam dado a paz de espírito, a tranquilidade para o trabalho. Em torno do funeral correu uma outra lenda. O cadáver não foi conduzido para o cemitério de S. Marcos abandonado por todos, só acompanhado por um cão e dois gatos-pingados. Também é falso que tivesse sido enterrado em vala comum. O que aconteceu é que Mozart, nunca se preocupara em ter sepultura própria e o coveiro não anotou o lugar exacto onde foi enterrado, nem ninguém curou de o verificar na altura. Quando se quis averiguar já não foi possível, averiguar o local da jazida do imortal autor. Mas apesar dessa falha incrível, Mozart é considerado, na história da artes dos sons, como a personalidade mais complexa e universal pela suas múltiplas facetas, onde não estão ausentes a grandeza da concepção, a força dramática e a profunda emoção humana.
Que vimos nós de mais relevante nos arredores de Salzburg?
A nossa primeira semana na Áustria, decorreu como disse em pleno Salzkammergut, a região dos lagos tranquilos, montanhas românticas e a mais turística e visitada do país, no Ferienclub (RCI). O M. ficou muito admirado, logo à chegada, com a eficiência germânica de duas empregadas a darem as informações essenciais. Eu acrescento, sem o pretender contrariar, muito menos desautorizar, que uma delas até dizia que falava ou compreendia espanhol, mas afinal apenas percebia Olé, es una chica mui guapa. Este empreendimento situa-se nas margens do Grundlsee, onde se pode tomar banho, há barcos para alugar e vapor para percursos turísticos. Nos meses de verão, esta região é muito frequentada por pessoas que, mesmo com uma certa idade, gostam de passear a pé por trilhos muito bem marcados, que anunciam o tempo que demoram a decorrer e a respectiva distância, apreciando a paisagem e o ar da montanha. Admito mesmo que esta zona seja particularmente ainda mais bonita na primavera ou outono.
A A. diz-me, frequentemente e sem acrimónia, que sou muito prosaico. Creio que tem alguma razão, como acontece mesmo às mulheres mais inteligentes! Acontece que por vezes, para fugir à regra, tenho porém a ilusão de conseguir ter umas ideias mais elaboradas. Ao passear na Áustria, veio-me à ideia um pensamento tolo dirão os mais críticos, e que embora não tenha registado na altura, vou tentar reproduzir de seguida: Vivemos num mundo em tão rápida mutação, em que uma árvore que hoje está aqui, ainda ontem foi uma pessoa e no dia seguinte poderá ser um bicho ou uma casa de habitação. A transmutação, que foi perseguida, em vão, pelos alquimistas medievais, não me interessa que não corresponda à verdade. Verdade? Interessa-me, sim, a beleza e o facto de nos ser permitido assumir o sentido do efémero, o nos ser dada uma dimensão mais humilde.
Não poderia deixar de começar por me referir a Bad Ischl, uma bela estância termal, nos arredores de Salzburg, que passou a ser frequentada pela alta sociedade e estar na moda a partir do século XIX.
Em Bad Ischl, existe a célebre Pastelaria-Café Zauner, origem do famoso chocolate Zaunerstollen, da qual Francisco José era frequentador habitual. Aqui entramos numa chuvosa tarde de sábado, mas não conseguimos encontrar lugar disponível, para enorme desgosto da Aninhas e Clara que não puderam, assim, tirar uma fotografia, a comer uma fatia de bolo, para mostrar na Escola ou no Banco. Diz-se que as empregadas do Café Zauner, que carregam todo o dia travessas de doces irresistíveis, andam mesmo assim de nariz empertigado, pois sabem-se amadas pelos clientes. Toda a gente sabe que a pastelaria austríaca é a melhor do mundo, mas nestes locais de culto ganha foros de autêntico pecado de gula, que terá de ser perdoado. Disseram-me assim: Tenta comer apenas um Zaunerstollen e vê se consegues ficar por aí. Tive receio de perder a aposta!!! Ainda bem que a Aninhas e a Clara não o experimentaram, senão eram capazes de levar umas caixas ou ficar a arder nas labaredas do inferno. A este propósito a C. disse que a casa Zauner é uma sala de há chiquérrima, onde eu teria gostado de tomar chá com as outras tias
O Zammer é uma outra antiga Pastelaria-Café de Bad Ischl, local favorito de compositores como Brahms e Johann Strauss (Filho), que como muitas outras pessoas da sua época, já atafulhavam a boca de doces deliciosos. Franz Lehar, renomado autor de operetas como A Viúva Alegre, tido como o sacerdote das operetas, gostava tanto de Bad Ischl que mandou construir uma casa nas margens do rio Traun. Em Bad Ischl, realiza-se anualmente entre Julho e Agosto um Festival de Opereta, tendo Lehar como patrono.
Os cafés são ainda hoje, ao iniciar o século XXI, um local de culto para os austríacos. Durante séculos representaram um papel fundamental na vida social do país. Mais que um local para beber café, foram e são pontos de reunião, lugares onde as pessoas também se detêm para saborear bons paladares. Reza a lenda que os café começaram a existir em Viena após a derrota dos Turcos, corria o ano de 1683. Todavia, recentes estudos, permitiram afirmar que o café já era conhecido nessa altura. Foi por alturas do século XVIII que os cafés começaram a ter uma configuração algo semelhante à que chegou aos nossos dias, embora tenham atingido o topo do esplendor nos fins do século XIX, quando passaram a se patrocinados por cenáculos de políticos, artistas, escritores, médicos ou funcionários do Estado. Segundo vimos anunciado nalguns destes locais, podem-se experimentar dezenas, talvez não seja exagero da minha parte, tipos de misturas e variadas formas de o tomar. Seja como for o café é quase sempre servido, numa bandeja, acompanhado por um copo de água e por um chocolatinho. E antigamente?
Houve em Viena e Bad Ischl vários cafés ilustres, alguns desapareceram como em Portugal, cedendo o espaço a bancos e seguradoras, outros conseguiram manter a “fama que vem de longe”, com criados de mesa usando smoking. Eram muito apreciados aqueles em que as pessoas se encontravam depois do teatro para cear. Às vezes havia a sorte de se encontrar lado a lado com o cantor, músico ou comediante que fora o herói da soiré e que continuava a desempenhar o papel de herói na vida chata, do dia-a dia.
Bad Ischl, esta cidade termal, tornou-se conhecida em todo o Império Austríaco, muito especialmente a partir de 1828, depois de a Princesa Sofia ali ter vindo a águas, numa derradeira tentativa de um alarmante caso de infertilidade. O que se passou, não se sabe bem. Foram ou não os banhos de sais naturais, ainda hoje utilizados no balneário da Kaisertherme? A cura aconteceu, que é o que interessa para a nossa pequena história cor-de-rosa e, finda a época termal, a princesa anunciou ao mundo o seu estado interessante, dando à luz, ao fim do tempo devido, aquele veio a ser o futuro Imperador, Francisco José. Mais dois filhos nasceram, entretanto, daquele outrora ventre infértil. A reputação das termas ficou assegurada ad aeternam, principalmente a partir do momento em que a casa real também passou a ter aqui um poiso frequente, com a construção da residência de Verão, um couto de caça, a Kaiservilla. Esta pode ser visitada, como fizeram a A, a C e o M, em todo o seu requinte, porventura maior que o do tempo dos Habsburg. Está situada junto ao rio Ischl, rodeada por um parque imenso e onde no meio de um arvoredo, a Imperatriz Isabel, Sissi, na intimidade, construiu o seu refúgio, um estúdio de fotografia e praticava a arte muito moderna do retrato. Diziam as más-línguas de então, pois que sempre as houve, que Francisco José passava tanto tempo na Kaiservilla, que governava o Império no conforto de uma varanda que dava para a coutada. A A. comentou-me que no palacete há alguns móveis, de tal modo trabalhados, que deverão ter levado uma vida a fazer, que nas vitrines da sala de equitação, os espartilhos que Sissi usava para montar, e que lhe terão sido fatais como veremos mais à frente, são tão finos como o couro usado na selas dos cavalos e que as paredes estão cheias de trofeus de caça, como cabeças de veados, de javalis e corças, em número que atinge pelo menos os 2000. O M porém opinou que a visita à Kaiservilla mostrou a grandeza do império austríaco com as centenas de cabeças de veados caçadas no meio de florestas de coníferas. A C., porém, viu o edifício de uma forma ligeiramente diferente, como um monumento muito curioso, onde abundavam os “chifres” que o Kaiser apanhava quando a Sissi estava com a depressão existencial
Esta ligação romântica à natureza, o Imperador era um atirador inveterado, a Imperatriz montava muito bem a cavalo, enfim ambos gostavam de montanhismo, acabou por se revelar frutuosa e óptima para Bad Ischl. Os muitos veraneantes, passavam o tempo a discutir política, animados piqueniques de cestas às costas, bailes e caminhadas pelas montanhas, com bordão ou bengala, em grupos mais ou menos numerosos. Johann Strauss e Brahms passavam as férias por estas bandas. O mesmo se pode dizer com Gustav Mahler, que compôs as sinfonias nºs 2 e nº 4, em Steinbach-Am-Attersee, não muito longe de Bad Ischl. Este amor pela natureza, não é acho eu, sinal de temperamento misantropo. Quem passeia pela floresta, escala as montanhas, não foge à companhia dos semelhantes, encontra-se com eles de bom grado, terminada a excursão, numa esplanada no alto que nunca falta, para beber um copo ou manter uma cavaqueira.
Nos muitos passeios que demos por esta região, passamos por Braunau-Am-Inn, perto da Alemanha, localidade tristemente conhecida por ter sido a terra natal de Adolf Hitler. Nesta cidade, com muralhas bem conservadas, existe uma Igreja interessante, com um memorial aos mortos das duas Grande-Guerras e uma torre gótica que nos disseram ser a mais alta da Áustria. A praça principal, com bastantes esplanadas e comércio, está rodeada por belos edifícios de cor pastel, com destaque para a Rathaus, Câmara Municipal.
Há a referir também Gmunden, uma popular, bem localizada e próspera estância de férias, que visitamos rapidamente a um fim de tarde, junto ao Traunsee que então, como muitos outros rios e lagos neste verão austríaco, estava a transbordar e que inundava a avenida marginal, aonde passeavam pachorrentamente patos e gansos. Gmunden também ficou a dever parte da sua projecção a Francisco José que a visitava de vez em quando, nomeadamente, para caçar e andar de vapor. Encontramos fundeado junto à margem o Gisela, vapor do século XIX que deve o nome a uma filha do Imperador e que se diz te-lo transportado um dia. Em frente à avenida marginal, existe um palacete do século XV, tipo landschloss, numa ilhota muito pitoresca, aonde se chega normalmente por uma ponte de madeira, esta, quando lá estivemos, coberta de água. Pertenceu ao Arquiduque João Salvador Ort, pessoa tido pelo seu carácter repulsivo, que o adquiriu em 1878, e o transformou, ao que se diz com muito gosto, na Villa Toscana, nome que decorre de ele pertencer à linha toscana dos Habsburg. Quando o Arquiduque João mais tarde renunciou aos seus direitos de Habsburg, depois de se ter incompatibilizado com o Imperador por se opor à monarquia, e casar com a sua amante, uma bailarina, com quem foi para a América do Sul e se perdeu, a propriedade passou a denominar-se Johann Ort Schloss .
Os austríacos chamam O Mundo dos Gigantes de Gelo, ao maior conjunto de grutas de gelo da Europa, onde a Aninhas ia tendo um fanico, aquando da visita. Querem saber como foi isso? É o que também vou contar, com a devida vénia aos protagonistas.
Este fenómeno natural de grutas de gelo, situa-se a cerca de 30km a sul de Salzburg, perto de Werfen, aonde aliás foram filmadas algumas cenas do Música no Coração. Para fazer a visita às grutas, pode-se ir de carro até certa altura, em que termina a estrada alcatroada e se deve estacionar. A partir daí, há que fazer um percurso de uns 15 minutos a pé, também a subir, até chegar a um restaurante, com uma ampla esplanada, acima das núvens, onde se pode petiscar numas compridas mesas com bancos igualmente compridos, descansar um pouco e ver a deslumbrante vista, em baixo. Não me apeteceu fazer a visita das grutas, melhor dizendo receei faze-la, pelo que fiquei cautelosa e comodamente na esplanada.
A A, que como os filhos sabem é muito previdente, tinha metido na mala, ainda em Alcobaça, umas luvas para ela e outras para mim, bem como uns agasalhos mais fortes. Pensava ela com os seus botões: Sabe-se lá o tempo que faz no verão austríaco.... Afinal, tudo isso teve manifesta utilidade, pois a A. e C., munidas de casacos e as minhas luvas, lá se abalançaram na aventura da visita, com uma duração prevista de umas duas horas. O M., esse, foi de corpinho bem feito, ou não fosse um desportista. Antes de partirem, fizemos todos um frugal lanche na esplanada. Claro que enquanto eles foram à visita eu tinha de me entreter. Já tinha filmado com a minha câmara e a do M, as paisagens à volta, os lagos no vale, os circunstantes, os pássaros de cor muito escura e brilhante que com todo o à vontade vinham comer migalhas às mesas, até que reparei numa família de quatro pessoas, pai, mãe e dois filhos menores, tipo classe média, que almoçavam com apetite numa mesa comprida, perto da minha. Apontei para a empregada e pedi-lhe, gestualmente, uma dose igual às deles, que me pareceu bem apresentada e, principalmente, apetitosa. Não sabia minimamente o que era, embora tivesse tentado consultar a lista, escrita apenas em alemão. Da típica cozinha austríaca já tinha percebido que é, normalmente, substancial e nutritiva e que a carne é o seu componente principal. O peixe, de água doce, dos rios e lagos, que normalmente se come grelhado e com especiarias, é raro no restaurante e de fraco sabor. Embora exista muita produção de vinho, bebe-se mais cerveja, que é relativamente barata. O risco que portanto corria ao encomendar um prato desconhecido era diminuto. O que então almocei foi afinal o tradicional Gröstet, ou seja, um prato típico do Tirol, feito com batatas às rodelas, porco, cebolas, especiarias, tudo salteado numa frigideira que vem à mesa. À sobremesa, debati-me com uma sachertorte, bolo com uma camada de compota de pêssego por debaixo da cobertura de chocolate, originalmente conhecida como uma tradicional especialidade vienense, mas que hoje em dia se come em toda a Áustria e até se exporta. Nessa altura, pensei comigo próprio que quando fosse a Viena iria comer uma sachertorte, se possível no Hotel Sacher, que ainda existe. A sachertorte é um doce assim tão bom?, perguntarão os menos avisados nesta complexa matéria de doces. Este hotel vienense, muito antigo, fundado em 1876, é conhecido pelo seu café e naturalmente pela sachertorte, foi dirigido até 1930 por Anna Sacher, uma inveterada fumadora de charutos e enteada do fundador, que lhe deu a característica de bom hotel para encontros extraconjugais para ricos e nobres.
Quando a A., a C. e o M. regressaram, esfalfados e sedentos, vim a saber que antes de entrarem nas grutas fizeram mais um percurso de uns dez minutos a pé, por uma estrada de montanha, sempre a subir. O M parece que não queria perder o guia e por isso ia num passo estugado, que as nossas meninas disseram ser-lhes impossível de acompanhar, pois que antes parecia levitar, o que para ele não seria difícil. Recorde-se que além de desportista amador, é jardineiro amador em Santa Comba e com a C., a X. e o R., dançarino amador de tangos e passodobles, em distintos salões de baile do norte de Portugal. O M. depois da visita às grutas de gelo de Werfen declarou que finalmente percebeu a destreza dos austríacos em se equilibrarem no meio de penhascos ou entre escarpas de gelo. A A., que se dedica mais à intelectualidade do que às coisas físicas, teve dificuldades no trajecto e já que o coração lhe batia forte, não de emoção, comoção ou outro sentimento muito feminino, mas de simples e banal cansaço físico, teve de parar um pouco. Segundo contaram, as grutas eram menos interessantes de visitar do que parecia ou era turisticamente anunciado. O percurso interior, ao longo de cortinas de gelo, estalactites e paredes de gelo em certos locais com mais de 20 metros de espessura, tinha de fazer-se frequentemente em fila indiana, em que cada pessoa estava munida de uma lanterna e por vezes tinha que dar a mão ao vizinho.
No século XIX, Hallstatt, no centro da região dos lagos, foi descrita como a mais bela aldeia do mundo junto a um lago. Claro que bem sei quanto valem estes qualificativos, que me recordem a aldeia mais portuguesa de Portugal, na discutível classificação dos concursos do SNI do António Ferro, nos anos 40, mas que ainda hoje é invocada para aquela terra, à falta de melhor. Seja como for, Hallstatt, Património Mundial, é uma lindíssima povoação, a cerca de 50km de Salzburg, que deveu a sua prosperidade também ao sal, conhecido e explorado, há mais de 1000 anos, isto é, ainda antes do tempo da colonização romana. A aldeia, onde durante o dia não há trânsito automóvel, vedado por uma cancela que sobe e desce, encontra-se ensanduichada ente o Hallstättersee a as montanhas Dachstein, sem possibilidades de crescer para nenhum dos ditos lados. Jantamos aqui, bem como de costume, pelas 7 da tarde, numa esplanada no centro da aldeia, ao lado de uma magnífica fonte de pedra e perto da Igreja Paroquial, a Pfarrkiche. Às 21 horas, começo da noite, toda a gente havia debandado e não se encontrava vivalma. Os poucos clientes das esplanadas e restaurantes que ainda restavam, como nós, eram postos delicada e tacitamente no olho da rua. Desta vez, o M. ao pagar 5 Euros por cada café, não se remexeu incomodadamente na cadeira, pois tivemos direito, com o café especial que encomendamos expressamente, a uma caneca de louça, que trouxemos para Portugal como recordação. Aqui em Hallstatt, algo premonitoriamente, tinha comprado uma bengala de alumínio muito leve, com várias ponteiras e um amortecedor, normalmente utilizada seja por homens ou mulheres, novos ou menos novos, para os percursos de montanha, por meio daquele verde magestoso, que parece varrer o céu. Segundo uma opinião abalizada, como a do M., Halstatt é realmente pitoresca por estar junto ao lago e na escarpa das montanhas com correntes de água entre as rochas. Mas realmente bonito e repousante é estar sentado nos bancos de jardim junto ao lago Wolfgangsee.
Entendo que numa viagem de Verão à Áustria é essencial fazer um cruzeiro de barco por um lago, seja no Wörtersee, Neusiedlersee, Hallstattersee ou Wolfgangsee. O nosso passeio de barco, compreendeu um combinado de cruzeiro desde St. Gilgen, com uma viagem em comboio de montanha até Schafberg. Foi uma tarde que reputo inesquecível. O Wolfgangsee é um dos maiores e belos lagos do Salzkammergut, rodeado de muitas casas, hotéis, restaurantes e antigos palacetes, com ancoradouros privativos, onde se praticam desportos náuticos como remo, windsurf, sky aquático e se toma banho, junto às margens, em praias com alguma areia. O combóio a vapor, com carruagens em bancos corridos de madeira, sobe à montanha por uma via tipo estreito, utilizando uma cremalheira, até um ponto relativamente elevado, o Schafbergspitze, 1780m acima do nível do mar, o que lhe permite ser utilizado, praticamente, em todas as condições climatéricas. Assim, depois de andar de barco, subimos à montanha nesse combóio de cuzinho tremido, na verdadeira e plena acepção do termo, até a um ponto, de onde em dias claros se podem avistar sete lagos. No comboio, ia sentado à nossa frente uma família, estilo árabe/muçulmano/turco, composta de um pai severo de cabelo, bigode e óculos de sol escuros, mãe bem roliça de lenço a cobrir o cabelo, ambos com uns 40 anos de idade e duas raparigas adolescentes, com ar ainda muito pouco emancipado. Eles só falavam entre si quando o pai dava o lamiré, utilizando uma linguagem incompreensível e se interpelados, num inglês com um sotaque carregado que desmentia a possibilidade de ser confundidos com alguém de origem britânica. Como eu estava com a câmara de filmar e para evitar mal entendidos de apanhar algumas imagens tidas por inconvenientes, não autorizadas pelo pai de família, meti uma breve conversa com ele, tendo no meu inglês alcobacense com sotaque dos Montes, apurado que eram paquistaneses e que poderia tirar umas imagens femininas, mas apenas a título de recordação da viagem.
Creio ter dito que a Áustria me pareceu um país muito conservador e isso lembrou-me um paralelismo com Portugal, quiçá algo forçado. O Portugal que conhecemos antes do 25 de Abril, parece estar a retornar aos poucos através de um elemento novo que é a televisão, que tem uma função celular, fechar as pessoas em casa a partir de certa hora, o que nos transforma num país disciplinado. Esperavam por esta tirada?
Entremos agora mais concretamente num assunto que, na generalidade, as pessoas apreciam bastante, principalmente nestes tempos de fast-food, embora corra o risco de a A. ao ler estas notas pessoais, a que quero dar um ar saudável, começar logo a pensar ou mesmo dizer: Lá esta ele, não sabe falar de outra coisa.... Outra coisa, para a minha A, não é a outra coisa que estão a pensar, mas sim a banal comidinha, que nos faz esquecer as dolorosas dietas, o colesterol ou as gorduras.
Lendo o menú, num restaurante austríaco, e se bem percebermos o que está lá escrito, como que faremos uma incursão na cultura e história de vários países. E eu que estudei conscenciosamente este assunto, posso dizer que cheguei à conclusão que a cozinha da Áustria mais profunda, tem raízes ao mesmo tempo rurais, aristocráticas e internacionais. Na monarquia multinacional e dualista dos Habsburg, a cozinha do dia-a-dia foi-se consolidando com pratos, como o vulgar e democrático Wiener Schnitzel, que decorre dos escalopes à milanesa que encomendamos mais que uma vez, e que a propósito dos quais a Cl. disse que o que gostava de comer eram os panados com batatas fritas, por serem muito exóticos, o Goulash, que vem de Budapeste e que o M e eu comemos preparado de formas diferentes, mas sendo sempre um prato forte, e uma variada confeitaria/pastelaria daquela que embala o estômago, que não fui capaz de identificar ao todo, mas que se diz com remota origem na Boémia. Há mesmo quem afiance que o mais que celebérrimo Apfelstrudel, folhado de maçã e passas, polvilhado com açúcar, chegou Áustria via Hungria, aquando das invasões turcas. Como temos dito, o amável e sorridente Mozart, de casaca vermelha, suprema encarnação da galanteria setecentista, que por acaso também era músico, ainda hoje serve de tudo e para tudo. Assim, vim a apurar que a história diz que a sua sobremesa favorita era o Salzburger Nockerin claras batidas em castelo com baunilha e cobertas com açúcar.
Bebe-se muito bem na Áustria. Cerveja, claro, de que há muitas marcas e tipos. Aliás a primeira coisa que o M. e eu fizemos quando desembarcamos no aeroporto de Salzburg, via Frankfurt, foi ter um encontro com uma loira fresca, bem conhecida e respeitável de 0,50L de peito.... Mas eles lá também bebem vinho, que nos restaurantes é bastante caro, mas não tanto nos supermercados. Compramos, para as nossas imprescindíveis ceias das 22h no hotel, umas garrafas de vinho, como chianti, italiano, cabernet-sauvignon, francês, e um austríaco riesling branco, frutado, agradável para consumir fresco, de uma vez só, mas que me pareceu um pouco inferior ao alemão homónimo. Ouvimos falar, mas não experimentamos, numa outra bebida espirituosa, muito vulgarizada neste país. Trata-se de uma genebra, disponível numa grande variedade de sabores.
Não vou fazer aqui, a história político-social dos Habsburg, mas alinhar simplesmente alguns factos que nos permitem gozar melhor, locais que visitamos.
Os Habsburg, assim como os demais soberanos das casas reais da Europa, sentiam-se entre si como uma única família e ainda em pleno século XIX, os casamentos e a descendência constituíam o centro das preocupações dinásticas. Por isso, a 16 de Agosto de 1853, a Duquesa Luísa, de uma linha colateral dos Wittelsbach, que detinham o título de Duques da Baviera deslocou-se a Ischl, com a sua filha Helena. Luísa, conjuntamente com a sua irmã, a Arquiduquesa Sofia, acalentava o projecto da união entre Helena e Francisco José, Imperador da Áustria. Com elas também tinha ido a outra filha, Isabel, de 15 anos de idade.
Quando as jovens foram apresentadas ao Imperador, ele enamorou-se à primeira vista da mais nova e no dia seguinte declarou have-la escolhido como esposa. Isabel que, até essa altura sempre vivera no campo, ficou muito confusa e perturbada, com todos estes acontecimentos imprevistos.
Teve início assim um casamento que por inclinação pessoal, beleza e garbo dos noivos e ainda a sua posição social, foi incensado como um autêntico conto de fadas. Todavia, por causa de regras apertadas a que estão sujeitas pessoas de alto nível social, o sonho transformou-se em breve para a jovem Imperatriz Isabel, num pesadelo e profunda depressão. Como apareceu mais tarde em todas as películas sobre Sissi, nomeadamente as protogonizadas por Romy Scnheider, o noivado começou de maneira emocionante, quando o Imperador por ocasião dos festejos do seu aniversário, na Haus Seauer, em Bad Ischl, mais tarde transformada em Hotel Áustria, hoje Museu Cívico, convidou para dançar a jovem Isabel, dando o inequívoco sinal à corte e ao País, de que a queria como Imperatriz. No dia seguinte, teve lugar uma excursão a St. Wolfgang e a 19 de Agosto, decidiu-se efectuar a comunicação oficial do noivado, durante a missa dominical na Igreja Paroquial, de Ischl. De tarde, os noivos foram a Hallstatt, aonde ainda existe uma lápide com uma inscripção em latim, que recorda esse evento, que, traduzida, diz o seguinte: Francisco José I e Isabel vieram aqui em visita no dia do seu noivado, a 19 de Agosto, com as devotas felicitações do Bispo de Linz.
A Arquiduquesa Sofia, quis ocupar-se pessoalmente da instalação do régio par, pelo que adquiriu para eles uma villa em Ischl, para ser utilizada como residência de Verão, onde ampliou as alas laterais até formar um E de Elizabeth/Isabel. Tratava-se da Kaiservilla. Aqui, o soberano começou a passar o Verão, ininterruptamente, até 1914, altura em que deflagrou a Primeira Guerra Mundial. Aqui, celebrou todos os seus aniversários. Aqui, recebeu reis e homens de estado, fez política. Apreciava este lugar acima de tudo, porque era o único onde podia gozar momentos privados e de verdadeira intimidade. Não só o nome de villa, que não de castelo ou palacete, indica o caracter simples da edificação, bem como a decoração e o mobiliário dos aposentos imperiais que, com a excepção de algumas salas centrais, apresentavam-se com uma sóbria comodidade. Os inúmeros trofeus de caça atestavam o hobby do dono da casa. O quarto de dormir do Imperador compunha-se apenas uma despretensiosa cama de madeira de uma única pessoa, duas ou três cadeiras e uns quadros na parede com motivos paisagísticos. Na parte traseira do edifício, ao lado de uma fonte muito bonita e de uma estátua de um adestrador de cães, oferta pessoal da Rainha Vitória, de Inglaterra, começava o enorme parque que alcançava o Jainzenberg. O amor pela natureza era tão vivo em Francisco José como em Isabel. Durante o período estival a vida decorria ali, sem dúvida, mais relaxada e calma que em Viena, no Schloss Hofburg ou no Schloss Schönnbrunn. Porém, não se tratava de férias no sentido actual do termo, o que se traduzia, desde logo, na denominação oficial de estadia imperial em Ischl. Francisco José, começava o dia às quatro da manhã, passava as primeiras horas a despachar a uma pequena escrivaninha, sentado numa cadeira de palhinha, numa saleta de reduzidas dimensões, com reposteiros vermelhos, onde havia ainda uma chaise long, uma lareira e um grande espelho decorativo. O resto do tempo dedicava-o a audiências e reuniões. Desde infância, teve um apurado sentido do dever. Foi um bom soberano que teve em conta, o bem estar dos seus súbditos e que honrou o cargo que lhe estava confiado.
Em Bad Ischl a vida era muito familiar, como se disse. O Imperador queria ter perto o filho herdeiro Rudolfo, as duas filhas com a sua numerosa prole, apesar de ter de renunciar com frequência à sua Mulher. Isabel conduzia a sua vida cada vez mais à sua maneira, mas também apreciava muito Ischl, porque gostava de caminhar, montar a cavalo, realizar excursões a pé a Jainzenberg. Em 1856, mandou construir para si, não longe da villa, o Marmorschlossl, Palacete de Mármore, uma construção de traça fantástica, com laivos de gótico inglês.
Nesse refúgio, foram redigidas muitas cartas e compostas poesias, que revelam a complexa vida espiritual dessa mulher atormentada e inquieta.
Uma destas poesias, encontra-se sob uma pintura da Virgem, numa parede exterior da Kaiservilla:
Ave Maria,
Abre os teus braços,
Estende-os e protege esta Casa no vale a teus pés.
Abençoa este pequeno ninho.
Mesmo que à nossa volta a tempestade sopre furiosa,
O que for protegido por Ti, estará seguro.
Cheia de graça.
Tu o protegerás.
Na corte e nos salões aristocráticos, a etiqueta era levada muito a sério, o que acarretou problemas a Sissi e a Rudolfo. As precedências eram escrupulosamente respeitadas. Em contrapartida, quando se encontravam no campo, passeavam pelos jardins ou nas ruas, as personalidades mais notáveis, mesmo da corte, procuravam passar desapercebidas e misturar-se com a multidão, como se lhe pertencesse. A família real abandonava o protocolo rigoroso quando se imiscuía nos divertimentos populares.
A Imperatriz Sissi veio a Portugal, à Madeira, por duas vezes. Vou fazer um breve apanhado dessas duas presenças, de acordo com uns apontamentos que me foram disponibilizados pela Secretaria Regional de Cultura e Turismo da Madeira. Adiante, voltarei a este tema com uma abordagem diferente.
Em Novembro de 1860, começou a preparar-se a recepção à Imperatriz da Áustria, que vem passar o inverno à Ilha da Madeira, alegadamente em consequência do seu estado de saúde. A Câmara Municipal votou um orçamento suplementar para as honras da recepção.
A Imperatriz chegou a bordo do navio inglês Victoria e Albert emprestado pelos reis de Inglaterra, sendo saudada pela guarnição da Fortaleza do Ilhéu, com uma salva e 21 tiros. Sua Magestade recebeu a bordo as principais autoridades do distrito, ou seja o Bispo, o Governador Civil e o Comandante Militar. Quando desembarcou do vapor, num bote, foi saudada com nova salva de tiros. No momento do desembarque, que se processou no cais da Pontinha, foi dada outra salva em sua honra, agora no Castelo de S. João Baptista. A Imperatriz, ter-se-á sentido incomodada “com o grupo de curiosos que a aguardavam no porto. Mas ao mesmo tempo essa presença alegrou-a, pois tratavam-se de pessoas desconhecidas que aos seus olhos só podiam ser simpáticas”. Depois seguiu de carro para a residência escolhida, a quinta de Mr. Davies, sobre a baía do Funchal, onde hoje se situa a Hotel Carlton e o Casino. Era acompanhada pelas autoridades eclesiásticas, civis e militares e mais funcionários públicos, pelos corpos militares de infantaria e artilharia que no cais lhe haviam feito as honras do estilo. Sissi dispensou aqui a guarda de honra que lhe tinha sido postada à porta da sua residência, bem como outras honrarias devidas à sua hierarquia.
Em Dezembro, Isabel é vista em passeios discretos a pé e de carro pelo Funchal e arredores. Passeava a pé, a cavalo, numa carruagem puxada por póneis brancos. Conta-se no jornal A Voz do Povo que no dia 4 de Dezembro desse ano de 1860, à saída da Sé, onde fora rezar, a Imperatriz deu uma avultada quantia a uma pobre mulher, mãe de muitos filhos, que vendia violetas, a quem comprou cinco ramos, facto que depois de ter sido divulgado na imprensa comoveu os madeirenses, que admirando já a juventude e a sua beleza, passaram agora a enaltecer as suas virtudes morais, os modos simples e generosos, qual anjo de bondade, “conforto e consolação dos aflitos” ou “derradeiro amparo dos órfãos e viúvas”. Para esse Natal, o Imperador Francisco José mandou à esposa uma árvore de Natal. Por essa altura, um nobre que a visitou relatou em Viena que “Sissi estava melhor mas que se sentia horrivelmente deprimida, quase melancólica. Fechava-se amiúde quase o dia inteiro no quarto, chorando. Comia pouco e à excepção de um passeio a cavalo, andando durante uma hora a passo, nunca saía, apenas ficando sentada à janela aberta”.
A 25 de Abril de 1861, aproximando-se a data da partida, escreveu-se na imprensa local sobre a gratidão que a mesma Augusta Senhora há feito a bem dum povo, entre o qual pela primeira vez viveu, louvando os actos caritativos praticados.
Em 28 de Abril Isabel , acompanhada pelo Infante D. Luís, que viera em representação do pai, o Rei D. Carlos, partiu escoltada pela corveta portuguesa Bartolomeu Dias até Gibraltar e dois vapores de guerra ingleses. Acontece que trinta anos depois, numa muito breve passagem por Lisboa, só por delicadeza acedeu Isabel em encontrar-se com Maria Pia, recém viúva de D. Luís.
A Imperatriz Isabel passou na Madeira os dias em que cumpriu os seus 23 e 56 anos de idade. De facto, ainda voltou anos depois à Madeira, embora por menos tempo, onde chegou no dia 23 de Novembro de 1893 no Iate Real Greif, sendo saudade com a salva do estilo. Desta vez, a viagem da Imperatriz é não oficial, viajava incógnita, pelo que dispensou todas as honras, limitando-se a receber um amigo particular, o cônsul austríaco. Não houve bandeiras, arcos-de-flores ou bandas de música. A sua estadia foi no Reid’s New Hotel. Quando passeava na cidade era acompanhada por uma senhora e a curta distância por um marinheiro do Iate. Fez numerosas excursões a pé pela Ilha, acompanhada por um homem mais novo, corcunda e gestos rebuscados. Alta, com 1,72, muito magra, nunca pesou mais de 50 kg e teve 50cm de cintura, estava sempre vestida de luto pois nunca mais o tirou desde o suicídio do filho em 1889. Um leque escuro oculta-lhe a cara devastada por rugas. A partida, no Greif, ocorreu a 4 de Fevereiro de 1894.
(CONTINUA)
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