terça-feira, 6 de janeiro de 2009

PASSEANDO PELA ÁUSTRIA (2002)

PASSEANDO PELA ÁUSTRIA (2002)
(IV)

Fleming de Oliveira
-O IMPÉRIO AUSTRO-HÚNGARO
-FRANCISCO JOSÉ
-ATENTADO EM SERAJEVO
-EXÍLIO EM PORTUGAL
-MUNIQUE E A CERVEJA FRANCISCANUS
-VIENA, NAPOLEÃO, O CONGRESSO QUE DANÇA, O PRATER-FCP CAMPEÃO EUROPEU
(1987)



Entre as grandes potências europeias do princípio do século XX o Império dos Habsburg era o único estado puramente europeu, já que não possuía nenhuma colónia fora do território continental. A Áustria-Hungria, como passou a ser denominada depois de 1867, na realidade eram dois estados. Dispunham de governos separados, um em Viena e outro em Budapeste dirigiam as respectivas partes e havia dois Parlamentos. Os dois estados partilhavam apenas os Ministérios da Guerra, das Finanças e das Relações Exteriores e a Dinastia dos Habsburg. Esta governava onze povos, alemães, húngaros, polacos, checos, eslovacos, eslovenos, sérvios, croatas, ucranianos, italianos e romenos, mas de maneira nenhuma unidos à volta de uma causa comum.

Em 1908, quando a Áustria-Hungria se viu a braços com a mais grave crise internacional antes da I Guerra, Francisco José, Imperador da Áustria e Rei da Hungria, tinha 78 anos e comemorava o sexagésimo aniversário do seu reinado. Tal como os que o antecederam, Francisco José considerava o Império como um legado dinástico, colocado nas mãos dos Habsburg pela graça de Deus. Ela era o Chefe de Família e de Estado, o mais ilustre patriarca, numa hierarquia de patriarcas. Assim sendo, o respeito e obediência devidos, eram recebidos graciosamente e com confiança. Cedo ele conseguiu desenvolver uma personalidade capaz de ser envolvida num culto, como vimos atrás. O jovem garboso e imberbe que subiu ao trono em 1848, e que teve um fulgurante romance com Sissi, rapidamente se transformou num homem sério, que usava fartas patilhas e um vasto bigode que lhe conferiam um ar nutrido. À medida que a sua imagem se tornou familiar, passou como que a marcar uma era na Europa Central e Oriental. Ninguém tinha tanto poder quanto Francisco José, poder esse que não emanava do povo, na linha de um contrato político à francesa, mas que nunca foi aceite na Áustria. Este era um antiquado governante, por direito divino. Embora os seus poderes tivessem sido limitados em 1867, bem como pelas leis tradicionais da Hungria, os povos do império estavam ligados a ele “quase num sentido feudal”. O Imperador podia declarar a guerra e fazer a paz, convocar e dissolver o parlamento, demitir políticos, presidir ao Conselho de Ministros comum às duas monarquias, este o órgão mais importante do Estado. Durante quase meio século, o Império dos Habsburg fora dominado pelas rivalidades e exigências das diferentes nacionalidades. Até mesmo o movimento operário não escapava à linha de separação nacional. O único ponte de referência, aglutinador, era o Imperador, funcionando muitas vezes como árbitro entre as várias oposições.

Francisco José era em geral estimado, admirado mesmo. Como se disse também atrás, era conscencioso e trabalhador, encantador quando queria e causava boa impressão aos que se aproximavam dele. O seu contacto com os políticos quase se limitava às ocasiões formais. As audiências imperiais eram muito objectivas, tais como reuniões de negócios, sendo privilégio do monarca abordar os assuntos que muito bem entendesse. Decorrido o prazo dessas audiências, de cerca de meia hora, os visitantes deixavam a audiência quase fascinados. Conta-se a anedota? do político social-democrata, que criticava azedamente a família imperial, e que ficou encantado com os vinte minutos da audiência com o imperador. Quando deixou a sala, Francisco José comentou para um camareiro: Não fazes ideia como ele me tratou bem.

Sob certos aspectos, o Estado dos Habsburg, era um anacronismo na Europa de início do Século XX, mas ao invés noutros antecipou muitas inovações, tanto no que diz respeito à economia como às características nacionais, os territórios controlados pelos Habsburg eram extremamente diferenciados. Em Viena, os políticos lidavam concomitantemente com áreas subdesenvolvidas e outras altamente desenvolvidas e industrializadas. Após o Congresso de Berlim de 1878 o Ministério das Finanças, responsável pela administração da Bósnia e Herzegovina, tentou ocupar-se do atraso económico dessas duas províncias de uma forma que até se poderia hoje ser reputada de algo sofisticada. Mas esses problemas que preocupavam a administração pública, já não interessavam aos rebeldes que perturbavam enormemente a administração e a ordem, no período anterior à I Guerra, e que a ela conduziram. A imaginação dos rebeldes, entre eles muitos jovens, fora inflamada por várias teorias de revolta contra a autoridade, pelo anarquismo, pelo nacionalismo ou pelo socialismo. Eles tinham aprendido a atirar, a fazer explosivos, a atravessar fronteiras “a salto”. Tiveram uma boa ocasião para testar tais aptidões e conhecimentos aquando da visita que o herdeiro ao trono dos Habsburg fez a Serajevo no dia 28 de Junho de 1914. Na Bósnia de 1908, tal como bem sabemos neste século XXI, a dificuldade especial era a dificuldade de diálogo. A crise na Bósnia e Herzegovina era terrivelmente complexa. Nada menos que nove nações estiveram envolvidas nas tortuosas negociações que se seguiram à anexação das duas províncias pela Áustria-Hungria em 1908, alegadamente de acordo com o previsto no Congresso de Berlim de 1875, e que findaram com uma vaga de indignação que contaminou vários países. Nas entrelinhas das notas diplomáticas, que tanto contribuíram parta expandir a crise, pairava sempre a ameaça de que a qualquer momento, poderosos interesses poderiam ser lançados uns contra os outros, transformando a Europa num imenso campo de batalha. Como aconteceu. As décadas que antecederam a I Guerra assistiram ao último florescimento de uma era de elegância e privilégios. A geração que sobreviveu ao conflito via este período com saudade. Quatro anos de guerra fizeram desaparecer as sombrinhas, as carruagens e as plumas.

Embora o tema seja sobejamente conhecido, parece-me interessante voltar abordar, despretensiosamente, o atentado de Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina. Nenhum outro assassinato político da história moderna teve tantas e tumultuosas consequências como este, no dia 28 de Junho de 1914, contra o Arquiduque Francisco Fernando, presumível herdeiro do Império dos Habsburg. O assassinato de Serajevo foi um incidente que noutro contexto internacional poderia não ter tamanhas repercussões. Mas no começo do verão de 1914, as relações entre as grandes potências europeias, estavam tão tensas que o assassinato do Arquiduque provocou a eclosão da I Guerra, através de uma série de etapas rápidas e irreversíveis:
-O ultimatum da Áustria à Sérvia no dia 23 de Julho;
-A declaração de guerra no dia 28;
-A mobilização russa;
-A declaração de guerra da Alemanha à Rússia no dia 1 de Agosto e à França no dia 3;
-A declaração de guerra da Inglaterra à Alemanha no dia 4.

O atentado pareceu mesmo uma obra de amadores. Os assassinos eram estudantes, a maioria com menos de vinte anos e pertenciam a uma sociedade secreta a “Jovem Bósnia”, estreitamente ligada à Mão Negra, uma das muitas que havia dentro do Império. Embora, entre 1910 e 1914, tivesse havido seis atentados contra dignitários dos Habsburg, organizados pelo movimento revolucionário dos eslavos do sul, e mais uma dúzia de conspirações que não se materializaram, o atentado de 28 de Junho foi muito mal planeado. Foi bem sucedido graças à sorte e à negligência das autoridades.

A polícia não tomou nenhuma medida séria para proteger o Arquiduque e a sua comitiva, quando entraram em Serajevo. Entretanto, foram feitas muitas reservas e alertas contra esta deslocação, vindas da própria capital da Bósnia-Herzegovina, de Viena, de Budapeste, de Berlim e mesmo dos Estados Unidos. As sociedades secretas de americanos com origem nos eslavos do sul, também conspiravam há muito contra o Arquiduque. A polícia de Nova Iorque suspeitava de um professor universitário, de origem Sérvia, como sendo membro de um dos principais grupos de conspiradores. O Arquiduque era um homem corajoso, mas tinha por vezes atitudes que pareciam fatalistas em relação a advertências que vinha recebendo. Dois meses antes da sua morte, tinha estado em Miramar, perto de Trieste, quando decidiu subitamente fazer uma excursão. Alguém, levantou a óbvia questão da segurança. Precauções? Medidas de segurança? respondeu o Arquiduque. Eu não me preocupo minimamente com isso. Tudo está nas mãos de Deus. Vejam aqui neste mesmo mato, alguém vindo da direita poderia saltar sobre mim. Medos e precauções paralisam a vida de uma pessoa. Ter medo é sempre um mau negócio.

A Esposa do Arquiduque, a Duquesa de Hohenberg. temia muito pela vida do marido na visita a Serajevo e, em muitas ocasiões, exprimiu dúvidas sobre o sentido dessa viagem. O Arquiduque conseguiu, porém, persuadi-la a fazer essa viagem. Até mesmo o Imperador Francisco José terá tentado evitar essa deslocação, pois tinha muitas razões para temer pela vida do seu sucessor. O mal estar decorrente da dominação da Bósnia-Herzegovina pela Áustria era muito forte entre os Sérvios. O Arquiduque escolheu o dia 28 de Junho para essa visita, dia de S. Vito, aliás, a festa mais importante da Sérvia, celebrada desde 28 de Junho de 1389, quando na batalha do Kosovo, o exército otomano derrotou o exército sérvio. Um brevíssimo parêntesis, aqui, para notar como muitos destes nomes balcânicos, são hoje de novo bastante familiares. Com esta derrota, a Sérvia perdeu a independência e isso marcou o início de uma dominação pelos otomanos que durou séculos. Apesar da situação ser explosiva, as precauções de segurança no dia do atentado, foram poucas ou quase inexistentes, comparativamente com as adoptadas aquando da visita de Francisco José, em Junho de 1910. Note-se que quando da visita de Francisco José, centenas de suspeitos foram intimados a deixar as suas casas. A polícia havia elaborado um relatório sobre a Jovem Bósnia, mas fora criticada por ter medo de crianças . No dia anterior, advertira séria e novamente o Arquiduque do perigo da visita. Todavia, esta sugestão foi recusada pelo comité de recepção local, com o peregrino argumento que não se preocupe, essa gente inferior não terá coragem de fazer nada.

Assim, as medidas de segurança, que se impunham rigorosas, foram deixadas nas mãos da Providência. À cautela, a polícia ainda expediu ordens a seus 120 elementos e alguns oficiais para reforçarem a ordem, durante a passagem da comitiva, ao longo de um percurso de 6,5km. Nas medidas policiais houve muita coisa mal feita. Alguns polícias, ficaram desorientados ao ver a certa altura seis automóveis repletos de Habsburg. Mas os conspiradores, embora amadores, estavam bem dedicados à missão. Um deles chegou a perguntar a um polícia qual o carro do Arquiduque. Perante a resposta correcta, lançou uma granada em direcção ao carro de Francisco Fernando, que não foi fatal, mas feriu umas vinte pessoas, entre as quais três da família real, a duquesa de Hohenberg incluída. Apesar de tudo o que aconteceu, foi decidido mesmo assim prosseguir o trajecto pelas ruas de Serajevo. Não seria isto provocar a sorte? pergunto eu. O governador militar da Bósnia que acompanhava o Arquiduque respondeu a uma pergunta explícita deste: Que significam estas bombas, será que jogarão outras, dizendo: Sua Alteza Imperial pode viajar descansado. Eu assumo a responsabilidade.

A única alteração ao percurso foi feita a mero pedido do Arquiduque, de modo a ir visitar um dos oficiais feridos, mas ninguém informou os motoristas dos carros dessa desejada alteração, pelo que o motorista do carro do Arquiduque se limitou a seguir o que ia à sua frente. Intervindo desastradamente, mais uma vez, o governador militar disse ao motorista para parar, pois estava a ir por trajecto errado. O carro parou em frente a um estabelecimento, junto a uma calçada cheia de gente, aonde se encontrava à espera Gravilo Princip, o principal assassino. Nesse instante Gravilo puxou de um revólver. Quando estava pronto a disparar à queima-roupa, um polícia ainda percebeu o que se ia passar e estava quase a agarrar-lhe o pulso, quando foi atingido por um golpe de alguém que estava perto. Foram disparados vários tiros. A Duquesa morreu logo. A bala destinada ao governador militar passou-lhe ao lado. O Arquiduque sobreviveu à esposa pouco tempo.
Às 11h, 30m do dia 28 de Junho de 1914, tudo estava terminado. Os corpos do casal imperial foram transportados para a residência do governador e aí ficaram expostos. A gola da farda do Arquiduque estava aberta e podia ver-se um colar de ouro, com sete amuletos incrustados em ouro e platina. Cada um deles deveria assegurar-lhe protecção contra um determinado tipo de perigo. As mangas estavam arregaçadas e no braço esquerdo podia ver-se a tatuagem de um dragão chinês. Em volta do pescoço da Duquesa havia um colar de ouro, contendo relíquias sagradas para a proteger da doença e do infortúnio.
Era o sinal que a Áustria-Hungria esperava...Um mês depois os grandes exércitos marchavam para a guerra. A crise desencadeada pelo atentado diferia de qualquer outra anterior, porque agora os diplomatas perderam o controlo da situação. Uma vez anunciada a mobilização, as máquinas puseram-se em movimento. O destino da Europa estava selado. Serajevo colocou em movimento uma engrenagem brutal como não havia exemplo, que não mais pode ser contida.

A saga dos Habsburg em Portugal continuou depois de Isabel, Sissi, como já tinha sido iniciada antes da vinda desta. Com o termo da I Guerra e a derrota do Império Austro-Húngaro muita coisa mudou no panorama europeu e mundial. Não vou fazer a história político-militar desses tempos conturbados, mas uma simples evocação dos Habsburg entre nós. O final é triste como convém a estas histórias. Desde a Princesa Maria Leopoldina, futura imperatriz do Brasil, até Carlos, último soberano do Império Austro-Húngaro, todos começaram bem, pelo menos assim-assim, e acabaram mal. Carlos está sepultado na Igreja do Monte-Funchal, perto da casa onde passou os últimos meses de vida. A Madeira, foi o seu porto de abrigo ou de exílio” e também a escala para o passamento aos 34 anos de idade.

Em 1817 desembarcou na Madeira uma jovem princesa estrangeira, Maria Leopoldina filha de Francisco I, da Áustria, que ia a caminho do Brasil, onde a esperava o príncipe D. Pedro, com quem casara por procuração, depois de se conhecerem por retrato. Todavia este casamento foi um autêntico desastre. D. Pedro desprezou-a mal a viu, porque era feia e odiou-a mal a ouviu, porque era culta. No dia em que assume o trono do Brasil, D. Pedro promove a marquesa de Santos a concubina oficial. Leopoldina deu-lhe os filhos que lhe eram exigidos, desmazela-se, engorda e entrega-se à melancolia e à bebida. Antes dos 30 anos morre de um aborto por efeitos de um pontapé que o marido lhe deu, estava ela grávida.

Decorridos 35 anos sobre a passagem de Leopoldina, corria o ano de 1852 chega à Madeira Fernando Maximiliano de Habsburg, irmão do Imperador Francisco José, que se toma de amores pela princesa D. Maria Amélia de Bragança, que ali estava em tratamentos e à procura de melhoras. Parece que eles já se conheciam de Viena. D. Maria Amélia, órfã do segundo casamento de D. Pedro IV era uma jovem bela, viajada, culta e brilhante, que frequentara a corte de Viena onde terá impressionado Maximiliano. Morreu ao fim de 5 meses na Madeira, já Maximiliano tinha seguido viagem.
Quando Maximiliano voltou ao Funchal em 1859, nada faria prever que se iria tornar uma figura patética da história moderna. É aqui de certo modo a continuação da sua lua-de-mel, com a bela Carlota, que entretanto desposara, mas que fica no Funchal durante o inverno, enquanto ele segue para o Brasil. No regresso da América passa uns curtos dias na ilha, deixando a marca de pessoa boa e generosa nos donativos.

Voltando a escalar a ilha em 28 de Abril de 1864, Maximiliano vem já investido do título de Imperador do México. Nunca mais conhecerá horas tão leves como a que ali passou. Em Junho de 1867, a Madeira e o mundo souberam que o Imperador Maximiliano, do México, acusado de traição e usurpação do poder público, morreu num pelotão de fuzilamento. Carlota que viera à Europa “mendigar” apoio para o marido, entra em estado de loucura.
Quando Isabel, Sissi, chega ao Funchal, a cidade está habituada a receber personalidades de relevo. Mas nenhuma outra terá deixado marca tão importante. Segundo Agustina Bessa-Luís, as meninas do Funchal começaram a imitir a Imperatriz no porte, nas indumentárias, nos gostos e até nos caprichos...

A Europa e o Mundo mudaram muito. A Guerra pôs termo a uma ordem há muito moribunda, instaurando outra ainda muito instável, que é uma incógnita. O Império Austro-Húngaro já não existe mais. Carlos I abdica em Novembro de 1918 e no ano seguinte Karl Renner é o primeiro chanceler da República da Áustria. A 25 de Março de 1921, Carlos de Habsburg chegou a Viena, via Suiça e França, com um passaporte espanhol falsificado para prosseguir viagem à Hungria, em companhia dos legitimistas mais próximos. No dia 22 de Outubro desse ano quando a avioneta do casal real aterra na Hungria para arrancar o poder pela força, o governo em sessão desse dia tomou a decisão unânime de o rei Carlos(...) não poderá tomar o exercício dos seus direitos de soberano e terá de abandonar o território da Hungria, outra vez. Depois de falhada a tentativa de restauração, são feitas pressões para abdicar voluntariamente do trono e prepara-se a lei da destronização. Carlos I desembarca na Madeira, a 19 de Novembro de 1921, como derrotado e proscrito, acompanhado de Zita, a esposa. A Inglaterra, e os aliados, impuseram-lhe este destino depois dessa recambolesca tentativa de recuperar o trono da Hungria. Ele assinou a renúncia, sem abdicar dos direitos ao trono. Os sete filhos em breve chegarão da Suíça. Grande número de pessoas acorre ao cais, praia e Estrada da Pontinha para assistir ao desembarque dos ex-imperadores. Os régios viajantes sorriem agradavelmente, agradecendo com muita muita cortesia os cumprimentos que lhes eram dirigidos, embora tentassem esquivar-se a fotografias e filmagens.

O ex-Imperador deve pensar que o espera um exílio longo. Terá missa todos os dias na sua residência, a Villa Victoria. Uma vida familiar, longe de intrigas, fá-lo-à esquecer, confia, dois anos de reinado para que não fora feito. Como chegou lá? A Herança caiu-lhe nas mãos devido ao suicídio de Rudolfo e ao assassinato de Francisco Fernando, respectivamente filho e sobrinho de Francisco José. Pouco tempo antes da sua morte Francisco José comentou que o seu sucessor é realmente um excelente príncipe. O meu povo pode depositar nele toda a confiança. Se a ilha estava habituada a receber personalidades de destaque é a primeira vez que recebe um monarca exilado. Mas estranhou quando cinquenta e tal anos depois, recebeu de passagem para o Brasil, Américo Tomás e Caetano. Qual era o estatuto de Carlos da Áustria? Hóspede ou prisioneiro? Os ilhéus não se queriam ver no papel de carcereiros. Nem este era um Napoleão que também por ali passou a caminho de Santa Helena. Em breve a situação dos ex-imperadores torna-se constrangedora. O casal real vem pobre, sem dinheiro ou rendimentos. Além do mais tem sete filhos, o que obriga a vender jóias. Ao mesmo tempo a Checoeslováquia confisca todos os bens dos Habsburg. Escasseia-lhes dinheiro para tudo, para pagar as dívidas, nomeadamente para se deslocarem à Sé-Catedral onde gostam muito de comungar. Em Lisboa publica-se a notícia da divergência sobre o pagamento das despesas com o exílio, pelo que são auxiliados por vários particulares madeirenses durante a estadia. Portugal pretendia ficar à margem de qualquer tipo de responsabilidade favorecendo uma custódia cujas despesas correriam por conta dos aliados. Carlos passava muitas tardes embrulhado num capote, por causa do frio e humidade, a jogar cartas com um elemento qualquer da comitiva.

De compleição débil, adoeceu em meados de Março. Nas igrejas da Madeira, a população reza pela sua salvação, mas veio a falecer em 1 de Abril de 1922. As missas celebradas nas igrejas do Funchal em sufrágio de Carlos de Habsburg são muito concorridas. No dia 4 de Abril, o Arquiduque Otto, de 12 anos, filho mais velho de Carlos e Zita, é proclamado rei pelos monárquicos austro-húngaros. Os próprios irmãos passam a tratá-lo por magestade. No dia 7 de Abril chegam ao Funchal várias personalidades régias, entre as quais, a Infanta D. Maria Antónia, Duquesa de Parma, filha de D. Miguel de Bragança, que manifestou a sua satisfação por ela poder acolher-se na Madeira, entre Portugueses. Na sala principal da sua casa havia dois retratos a óleo, um de D. João VI e outro de D. Carlota Joaquina, que eram antepassados comuns de Carlos e Zita. Ele era bisneto de D. Pedro IV e ela neta de D. Miguel. Ficou sepultado no cemitério da freguesia enquanto na Igreja não se abriu uma capela para o receber. Mas o coração foi mandado para Viena, a fim de se reunir aos dos outros Habsburg. A ex-Imperatriz Zita e os seus filhos deixaram a Madeira no dia 19 de Maio com destino a Espanha. O seu oitavo filho, aliás uma menina, nasceu em Espanha, dois meses depois da morte do pai, facto que por gentileza foi comunicado à população do Funchal a pedido da ex-imperatriz Zita. Esta, durante um longo exílio pela Europa, veio por várias vezes ao Funchal, rezar junto ao túmulo do marido. Faleceu em 1989.

Em 1 de Abril de 1972, 50 anos após a sua morte e assinalando esse meio século, quis a Santa Sé proceder à abertura do túmulo do soberano. A exumação dos restos mortais de Carlos I foi feita na presença dos técnicos necessários à operação, uma comissão nomeada pelo Vaticano a pedido da Causa de Beatificação de Carlos de Áustri”

Retenho muito pouco da nossa rápida deslocação Munique, num dia que esteve péssimo, pois não parou de chover. De Lofer a Munique são menos de 150km, em boa estrada, parte do percurso em auto-estrada, a A1. Chegamos a Munique, deixamos o carro num parque de estacionamento coberto e saímos para a rua. Era em Munique, chovia e hora de almoço, como diria o nosso Eça. À nossa frente encontrava-se um restaurante/cervejaria de aspecto agradável. Não á tarde, nem cedo, pensaram pronta e diligentemente a Aninhas, a Clara e o Manel. Eu estava de acordo com eles, como sempre. São horas de ir à papa. Entramos. O restaurante era agradável, regional. Comecei por experimentar uma morena de 0,33 l, de caixa de peito, com ar fresco, que despachei como aperitivo. Ao almocei defrontei-me com um prato de salsichas variadas, com sauerkrutt, à alemã. As grandes cervejarias, tão típicas de Munique segundo se diz, não eram bem neste local da cidade, onde nos encontrávamos, a zona da Estação do Caminho de Ferro. É uma zona um pouco incaracterística, mais suja, com muito turco e magrebino nas ruas. De tarde, tentamos dar uma volta a pé, perdão pelo meu lapso de escrita, eu deslocava-me desde há uns dias em cadeira de rodas privativa, mas a chuva não nos permitia andar. Uma volta de bus turístico, sempre com chuva, não foi suficiente para nos chegar a fazer agradar da cidade. Quando deixamos o bus eram apenas 4,h 30m, da tarde, fomos direitos ao parque de estacionamento, para regressarmos a Loffer. Tínhamos perfeita noção da zona onde estávamos mas, não obstante, não dávamos com a porta de acesso ao parque. Até que a C se lembrou que do restaurante, aonde almoçáramos, tinha trazido como recordação para os seus meninos, umas bases em cartão onde as bebidas, especialmente cervejas, são servidas. E como sabíamos, por um saber de experiência feito de muito anos, ser ela uma rapariga muito desembaraçada, e com um inglês bancário, um alemão com um duro sotaque bávaro aprendido no Carolina, nada nos admirou ter anunciado, com ar decidido, que ia perguntar na portaria de um hotel por onde passávamos, onde era o restaurante de onde fora trazida a dita base redonda de cartão, que diligentemente mostrava. Como o parque de estacionamento era ao lado do restaurante, o problema estava sanado. O certo é que nós, que ficamos à chuva na rua, da parte de fora do hotel, notámos muito espantados que o criado apenas abanava, negativamente, a cabeça às persistentes perguntas da C, que lhe mostrava a rodela de cartão. O criado desconhecia aonde era o restaurante onde almoçáramos. Não era possível!!!. A verdade é que ele tinha toda a razão para abanar a cabeça e pensar que, afinal, aquela desembaraçada tripeira, a quem faltava o ar de emigrante, estava totalmente desorientada. O que a C lhe mostrava era, apenas, a marca da cerveja Franziscanus que era servida e se fazia publicidade daquela maneira!!! A este propósito a C filosofou baixinho, mas eu captei: Imaginem como era empurrarmos a cadeira de rodas e o Fernando com guarda-chuva enquanto que procurávamos o parque de estacionamento que se chamava Franziscanus.

O nosso destino na Áustria, não era propriamente Viena, mas Salzburg.
Parece-me interessante, agora que vou falar de Viena, fazer sem pretensiosismos uma pequenaintrodução histórica da cidade, com o objectivo de se poder compreender um pouco do que ainda é e tenta ser neste momento, procurando eventos que lhe moldaram o carácter.
A conquista de Viena por Napoleão foi uma humilhação para o país e para a monarquia de Francisco I. Em 1797, quando Napoleão declarou a sua intenção de atingir a Áustria no coração, apoderando-se de Viena, a vontade de lutar contra os franceses inflamava toda a gente. Todas as classes sociais se organizaram militarmente de acordo com os seus recursos e aptidões. Nesta cidade, musical por excelência, todos os actos fundamentais da vida eram acompanhados por música. Beethoven e Haydn, por exemplo, compuseram trechos adequados às circunstâncias, e até para serem cantados nos campos de batalha. Embora o imperador francês tivesse aceite assinar um preliminar de paz, nem por isso o perigo foi afastado da capital. A guerra não tinha acabado, Napoleão não tinha renunciado a introduzir a República na Áustria. Uma hábil propaganda foi começando a semear a desordem e a agitação interna. A guerra vai recomeçar com sorte diversa e passa pela humilhação que foi a desaparição em 1801 do Sacro-Império Romano-Germânico.

Por esta razão Francisco II e seus sucessores não podiam usar mais o título de uma Alemanha, que deixou de existir. Conservou apenas o de Imperador da Áustria e nessa qualidade assumiu o de Francisco I. Perante a eventualidade de um ataque ou de um cerco a Viena, que não tinha defesas, não lhe restou outra alternativa senão capitular, render-se, para evitar o esmagamento. A rendição não foi totalmente sem condições. Os franceses deveriam assegurar o respeito pela religião católica, dos edifícios públicos e a salvaguarda das pessoas e bens. Assim, os regimentos franceses entraram em Viena, sem darem um tiro, calmamente numa cidade onde durante séculos nenhum exército estrangeiro penetrara. A partir daqui, os Vienenses passaram a ver frequentemente Bonaparte a atravessar a cidade a galope, escoltado por marechais e ajudantes de campo. No começo da ocupação, Napoleão ainda pensou ficar em Hofburg mas depois decidiu-se por Schönbrunn, onde o seu filho, O Rei de Roma, morreu ao fim de uma muito curta vida. Passava revistas às tropas, organizava paradas e desfiles, assistia a ballet, óperas e tragédias por grupos vienenses aos quais se juntavam muitos outros artistas vindos de Paris, num cerimonial tanto tumultuoso como pretensioso, que contrariava a distinção da corte vienense. Foi este um dos períodos mais inquietantes e patéticos da história de Viena, o tempo em que os exércitos franceses se instalaram na cidade, como seus senhores. O optimismo vienense sofrera um cruel desmentido. Houvera o convencimento que no fim tudo se arranjaria, mas as coisas não se arranjaram, afinal, como se supunha. A Revolução Francesa era o espelho disso, rolaram as cabeças de soberanos e muitos nobres.

Embora amputada populacional e territorialmente, a Áustria resistia como podia a Napoleão, pelo que em 1809 o povo preparou-se de novo para enfrentar a guerra e resistir aos franceses que queriam voltar. Com os franceses nos arredores da cidade, os estafetas trouxeram o recado que o imperador aguardava que fosse aprontado o seu apartamento no Schönbrunn, onde estivera 4 anos antes. Mais uma vez a cidade rendeu-se aos franceses. As portas abriram-se, a bandeira branca foi hasteada, até que foi celebrado um armistício. Para muitos vienenses foi um alívio. Havia a esperança que os franceses se fossem embora de vez, que acabassem a humilhação e a dor. Diz-se que o velho mestre Haydn, não suportou e morreu de desgosto. Salieri tinha executado a sua oratória A Criação, antes da tomada da cidade. A 28 de Março, na Aula Magna da Universidade, assistiu-se ao espectáculo comovente de Beethoven beijar com fervor a cabeça e as mãos do mestre. Quando este morreu a 31 de Maio, suprema ironia, foram os uniformes franceses que lhe rodearam o caixão, por ordem expressa de Bonaparte.

Mas a cidade ia-se habituando aos poucos aos hábitos e presença dos franceses e os vienenses deixaram de considerar o imperador como o papão corso. Os liberais agradeciam aos franceses terem aberto as portas ao fim da censura, em particular, o que permitia o fermentar de ideias subversivas, e uma propaganda mais ou menos hostil aos Habsburg. A resistência ia abrandando à medida que se constatava que os franceses não eram os terroristas que lhes haviam descrito. Mas a natureza do papão corso acabava sempre por vir à tona, pelo que foi com incredulidade, assombro pasmado, que se soube que o Imperador Francisco I aceitara dar a sua filha Maria Luísa em casamento a este aventureiro coroado. Um casamento, nestas circunstâncias, não podia acabar bem, pensaram os austríacos lembrando-se do exemplo recente de Maria Antonieta. As considerações políticas, que lhe estavam subjacentes, não foram suficientes para o sucesso de felicidade conjugal ou mesmo de uma aliança política estável. O casamento foi celebrado no dia 11 de Março de 1810 por procuração, em Viena. O nubente não compareceu.

Depois da derrota de Napoleão Bonaparte, em 1814, as potências europeias vitoriosas reuniram-se em Congresso, no chamado Congresso de Viena de 1815, para restaurar a ordem que aquele tão violentamente alterara. Os monarcas e governantes europeus, passaram um ano na cidade, em debates, intrigas, recepções sociais, resultando daí as bases de um regime reaccionário, que todavia permitiu manter a paz, até uma série de revoluções varrer a Europa, em meados do século. Há várias maneiras, como é natural, de abordar este Congresso de Viena de 1815, seja numa tolerante e distante perspectiva mundana-social, seja conforme os olhos muito severos de um Lord Byron ou ainda de acordo com o papel desempenhado pelos actores, vistos pela população contemporânea da cidade.

Como tenho dito, não sou historiador, investigador, e se afloro aqui estas questões, que para os entendidos não são originais, nem novidade, é por puro prazer e meu exclusivo entretimento. Durante o Congresso, muito mais importante que as coisas alegadamente sérias que ali se abordavam, importava aos vienenses o borbulhar dos escândalos que ressoavam nos bastidores, as novidades verdadeiras ou falsas de alcova, frescas de manhãzinha, que diziam respeito à vida privada dos personagens quais semideuses ou meros comediantes ou as grandes e excitantes festas e almoçaradas que se realizavam, de preferência com bailes. Os populares, os burgueses, afinal todos basbaques da cidade, tinham deste modo a pequena ilusão de participar, ainda que de forma modesta, numa comédia à escala europeia, quer dizer mundial. Mais que os proventos materiais que se puderam tirar deste enorme fluxo de gente de fora, há que destacar sem pretensões moralistas, o mau efeito que o espectáculo causou no povo simples. As desordens, pelo menos brejeirices, dos grandes de muitos países, numa cidade pacata e apreciadora de prazeres inocentes pareciam justificar comportamentos que estavam habituados a criticar e nunca tinham visto nos seus soberanos. Conhecem-se muitas bisbilhotices do Congresso que Dança. Muita gente houve que quis deixar, imortalizar, as suas recordações. Seis soberanos, mais de setecentos diplomatas, seus secretários, criadagem, invadiram de repente a cidade de Viena e provocaram grande perturbação na vida do dia-a-dia. Àqueles juntaram-se um grande número de aventureiros, de exploradores, de jogadores, espiões à procura de segredos ou de belas raparigas, num total que se estima em cerca de cem mil pessoas.
Se se pretender fazer um balanço do que o Congresso trouxe a Viena, talvez haja de concluir que ele é deficitário. Vejamos, porém, que nestes momentos aproveita logo o comércio de luxo. Mas também os vendedores de prazeres, restaurantes, salões de baile, fornecedores de carne fresca, àqueles gulosos ricos. Quando as luzes do Congresso se apagaram, terminaram as valsas e se dispersou outra vez pela Europa aquela chuva de estrelas, a cidade voltou ao seu ritmo, à velha fisionomia. Mais ou menos, é certo. Quando perguntaram, uma vez a um diplomata inglês, como ia o Congresso, este respondeu, numa síntese que ficou famosa: O Congresso dança.

Após o Congresso de Viena, Francisco I e o seu ministro o Príncipe Matternich, impuseram um regime autocrático, excluindo da vida política as classes médias, que se refugiaram na vida artística e doméstica que caracterizaram a chamada época Biedermeier. A revolução de 1848 em que o operariado se aliou com as classes médias, afastou Francisco I e Matternich, mas levou as novo e longo período conservador com Francisco José. Este tentou dar um novo esplendor à cidade e ao Império, mas o poder dos Habsburg era definitiva e irremediavelmente declinante. Falar de Viena do século XIX sem destacar o Congresso de Viena de 1815, seria um lapso grosseiramente histórico tal como não falar da musica, o que já fizemos.

Mas ir à Áustria e não visitar Viena seria como ir a Roma e não ver o Papa, como diria a A, no seu jeito muito proverbial de falar, como era perita nos idos de menina e moça. Assim arrancamos de Lofer para Viena num a sexta-feira de manhã, para lá permanecermos até domingo à noite, altura do regresso a Portugal, via Frankfurt. Tínhamos pedido à Abreu que contactasse o hotel em Viena, para ter uma cadeira de rodas à minha espera. A outra que tinha alugado, aquando do resto da estadia em Lofer, entregamo-la em Zell-am-See. Mas quando chegamos ao hotel foi-nos dito, com ar sobranceiramente olímpico, por uma recepcionista de cabelo rapado e que não olhava de frente, que ali não era nenhum hospital, pelo que não tinham cadeira de rodas á minha espera. Felizmente era ainda sexta-feira de tarde e por mero acaso muito perto havia um estabelecimento de artigos de ortopedia, onde foi possível alugar uma outra, para utilizar até ao aeroporto de Viena. De acordo com a C. que via as coisas muito bem mas só depois comentava a Ana com toda a sua paciência lá ia levando a sua ao seu moinho, isto é, o Fernando a todos os lados, apesar de nem sempre ser bem compreendida. De facto, esperávamos que o assunto fosse ali resolvido com uma outra cadeira à minha disposição, bem como aquando do transbordo em Frankfurt. Assim aconteceu. Entregamos o carro na Avis, no terminal do Aeroporto, passei para uma cadeira de rodas e a partir daí fui acompanhado permanentemente por um bagageiro ou por uns assistentes sanitários, beneficiando de facilidades de check-in, na Tyrolean Airway. Esta companhia é uma subsidiária da Lufthansa, suponho que para voos domésticos, utilizando pequenos jactos ou turbo-hélices. Também está sediada na Austria, a pequena Lauda Air, que pertence ao antigo piloto da Ferrari e campeão do mundo, Nicky Lauda. No trajecto de Viena para Frankfurt, tal como daqui para Salzburg, na nossa classe turística da Tyrolean Airways, foi servido no voo que dura cerca de 1h,30m, uma sanduíche de queijo, em pão já seco, e um copo de água para desentupir. E é se queres!!, como diria o outro. Em Frankfurt, fui levado ao colo para sair do avião, depositado depois noutra cadeira de rodas, conduzido para uma sala de espera especial para doentes, com TV e serviço de refrescos, onde estava um outro português, com destino ao Porto. Daí, a Aninhas e eu fomos levados até à manga do avião, num autocarro só para nós e para o outro passageiro senhor de um ar tristíssimo, que vinha todo partido, engessado de pés e braços, de Atenas, onde tivera um acidente na rua. Quando chegamos ao Porto tínhamos desta vez todas as bagagens, para grande descanso das nossas meninas, que agora já não confiavam da mesma maneira, na luso-eficiência.


A nossa estadia em Viena deu apenas para ficar com uma pálida ideia da cidade. Ao fim e ao cabo tivemos praticamente um dia e meio para visitas e, como apuramos depois, não foi aproveitado da melhor maneira. Vimos porém que o deslumbrante esplendor com que Viena se apresenta nos tempos que correm e se embelezou após tantos sofrimentos, como foi o cerco dos turcos, a coragem como foi reconstruída após o desastre que foi a II Guerra, mostram o dom que “as fadas” lhe concederam, de saber sorrir à felicidade e à tragédia, renascendo das cinzas se necessário e ser um fonte do nosso perene deslumbre.
Entramos em Viena pela movimentadíssima auto-estrada A1, que atravessa a Áustria, provindo de Munique e seguindo depois para Budapeste. Apenas com uma vulgaríssima planta de cidade na mão, a C e o M (que tipo eficiente, este!!!? conseguiram fazer-nos chegar ao hotel, sem um mínimo engano, sem discussões e sem ser necessário perguntar coisa alguma.
O ambiente de Viena é totalmente diferente do que encontramos no resto do país. É uma cidade exuberante, movimentada, com milhão e meio de habitantes, em que as pessoas andam na rua, falam em voz alta e se deitam tarde. Mas nem sempre foi assim tão exuberante, nem sempre os seus habitantes viveram une belle epoque. Durante a II Guerra, a cidade foi intensamente bombardeada e ficou muitíssimo danificada. Hoje em dia, não encontramos vestígios desse tempo. À semelhança de Berlim, depois da guerra, foi dividida em quatro sectores, cada qual ocupado por um dos aliados até 1956.

Creio que Viena se orgulha mesmo do seu passado histórico. Os vestígios dos Habsburg, são inúmeros e encontram-se por toda a parte. Todavia, no que diz respeito à avaliação dos tempos do nazismo, admito que existe demasiada benevolência entre os austríacos, ao invés do que acontece na Alemanha.
Mozart, acerca de Viena, com quem nunca teve relacionamento fácil, segundo reza a história, escreveu assim em 1781:
Os vienenses não apreciam e não compreendem nada que seja sério e sensato; só gostam de paródias, mascaradas, truques de magia, farsas palhaçadas.

Acerca de Viena abordarei apenas três ou quatro assuntos: o centro histórico, com ruelas, ruas estreitas e vastos pátios, e a Catedral de St. Estevão (Stefansdom), Schloss Schönbrunn, o Palácio Hofburg e o Danúbio.
Mesmo numa cidade como Viena, onde há edifícios de grande porte e imponentes, a Catedral de St. Estevão, com origens em meados do século XII, mas reconstruída a partir do século XIV, em pleno centro histórico, a alma da cidade, com o seu telhado colorido e a sua torre gótica visível à distância, é uma imagem de referência e de visita obrigatória. Como diria um escritor romântico no século XIX: Aqui até os anjos de pedra, esculpidos por cima das portas, cantam
Quem entra em Viena pela A1 vindo de Salzburg, passa mesmo ao lado do Schloss (Palácio) Schönbrunn. Trata-se de um dos mais imponentes Palácios da Europa, património mundial como o mosteiro de Alcobaça, construído em meados do século XVIII, pela Imperatriz Maria Teresa, como residência de Verão. Schönbrunn, deve o nome a uma “bela fonte”, aqui descoberta no século XVII pelo Imperador Matthias e pretendeu, de início, rivalizar com Versalhes. Mesmo tendo sido reduzido o projecto inicial, o palácio contém 1441 divisões, mais que o necessário, creio eu, para albergar os 16 filhos da fogosa Imperatriz, mais o seu amante.
Este palácio, barroco ou rococó, é um sinal do gosto pelo espectáculo, comum a todas as classes sociais, e insere-se na “idade de ouro”, na verdadeira acepção do termo. Há quem defenda que não existe aqui, propriamente, nenhum espírito de ostentação na predilecção pela magnificência, mas até um agradável desejo de satisfazer os olhos do povo, apresentando-lhe um edifício magnífico. Assim se compreende também que para além da beleza dos interiores, os arquitectos tenham traçado fachadas de beleza, de perfeita simetria, para serem vistas por todos e capazes de ser de uma alegria imperecível.

A A, a C e o M. foram visitar, rapidamente, o palácio, enquanto que eu fiquei na minha cadeira de rodas, confortavelmente a apanhar sol, numa mesa de esplanada nos enormes e multifloridos jardins adjacentes. Segundo me contaram ao regressar, gostaram muito de ver o recheio do palácio, com destaque para os espartanos aposentos de Francisco José e os mais luxuosos de Sissi, as baixelas de mesa de louça e metais, o mobiliário, a tapeçaria e os salões estatais com frescos, lacados, embutidos, estuques, espelhos e tudo o mais do género. E ainda a “Sala dos Milhões”, que deve o nome, segundo reza a história, ao seu custo de um milhão de florins, que mesmo no tempo da vida barata era uma fortuna. Mas, para a Aninhas, o mais impressionante foi a Grande Galeria, que há duzentos anos para cá, tem sido utilizada em cerimónias oficiais muito importantes, como o Congresso de Viena, de 1814-1815, banquetes imperiais e a Conferência de Viena, em 1961, USA/URSS, com J.F. Kennedy e Nikita Kruschtev, em plena guerra-fria.

Em Viena, e já em ar de despedida, ainda fizemos uma visita rápida, num Domingo de manhã cheio de sol de verão, ao Palácio Imperial de Hofburg. Este Palácio remonta ao século XIII, quando Rudolf I, fundador da Dinastia dos Habsburg, pretendeu construir uma fortaleza. Todavia só séculos depois, em princípios do século XVII, se transformou em residência oficial da corte, que se manteve até pouco tempo antes da queda dos Habsburg em 1918, e onde, entre outros eventos, passaram a realizar-se os casamentos reais. É um complexo enorme, e segundo li num guia ocupa uma área de cerca de 240.000m2, tem 2600 quartos, 19 pátios, 18 alas e 54 escadarias principais, uma autêntica cidade dentro da cidade. Nos aposentos de Francisco José e Sissi, que são visitáveis, ainda se encontram os respectivos instrumentos e ginástica. Na grande sala das recepções oficiais existe um óleo da Imperatriz Isabel, Sissi, que muito impressionou a A, pelas semelhanças que encontrou com a Diana de Gales.

Para além da parte visitável/museu aberta ao turismo, está aqui instalada a Presidência da República da Austria. Na Burgkapell, o edifício mais antigo do complexo do palácio, durante a missa de Domingo, interpreta peças de Mozart e Schubert o Coro dos Pequenos Cantores de Viena, também conhecido como o Coro Masculino de Viena ou o Wiener Sangerknaben acompanhado pela Orquestra da Ópera Estadual de Viena. Tive curiosidade em saber melhor que coro tão famoso é este, para cujas apresentações todos os lugares estão sempre lotados. Foi fundado em 1498, pelo imperador Maximiliano I, e desde então com excepção do período post I Grande-Guerra, entre 1918 e 1924, participou nos serviços religiosos daquela Capela do Palácio. Haydn e Schubert, não desmereceram fazer parte deste coro, embora na altura ainda não se usasse, como hoje, o fato de marinheiro, como indumentária. Não assistimos à missa, mas disseram-nos que, mesmo os afortunados fiéis que conseguem um lugar pago, não conseguem ver o Coro actuar, apenas ouvi-lo. Neste enorme complexo funciona outra instituição emblemática da Áustria, a Escola de Equitação Espanhola, que não tivemos oportunidade de visitar. Quando falei há tempos com o Tio Mário sobre a nossa estadia em Viena, foi o único assunto por que se interessou ou mostrou conhecer. Segundo reza a história, a Escola de Equitação Espanhola, terá sido fundada em 1576 para cultivo de alta escola de equitação, criando e ensinando cavalos espanhóis.

Dando uma volta de automóvel, Viena by night, passamos pelo Prater, perto do Danúbio. O Prater, que em latim significa prado, foi inicialmente uma coutada de caça imperial, aberto ao público em 1766 por José II, é hoje um lugar de diversão da cidade, uma grande feira popular, com variedade de barracas, espectáculos e cafés ao ar livre. Para os vienenses, o Prater é quase sinónimo da Roda Gigante, construída em 1897, cuja altura máxima atinge 65m e de onde, segundo se diz, podem ser apreciadas vistas espectaculares. A roda gira muito devagar, a 0,75m por segundo, o que é bom em termos turísticos, pois proporciona boa visão. Para os portugueses, melhor dizendo para os portistas/andrades/dragões, o Prater é sinónimo de uma noite de glória. Foi no Estádio do Prater, qual Coliseu, que visitamos por fora, que o F. C. Porto, em 1987 se sagrou Campeão Europeu de Clubes, derrotando o Bayern de Munique, com o célebre golo de calcanhar, marcado por Madjer. Viena, portanto, será sempre uma cidade mítica para o F. C. Porto. Foi aí que o clube atingiu o topo, o ponto mais alto da sua vida desportiva, numa das mais belas e emocionantes finais de sempre. No momento em que escrevo estas notas, passados 15 anos, o F. C. Porto regressou a Viena para defrontar pela primeira vez em competições da UEFA, uma equipa austríaca. O clube das Antas e os seus dirigentes tiveram memória e convidaram alguns dos protagonistas dessa inesquecível vitória, como o capitão João Pinto e o técnico Artur Jorge. Todos celebraram essa jornada, como o Rui Fleming também faria, com a alegria de um novo triunfo, que deverá proporcionar ao F. C. Porto a continuidade na Taça UEFA, de 2002/2003.

Quando passamos ao lado do Estádio do Prater, instintivamente lembrei-me do Rui Fleming. A que propósito? O Rui Fleming disse-me um dia que a vitória do F. C. Porto, em Viena de Áustria, foi o dia mais feliz da sua vida, logo seguido daquele em que lhe nasceu o primeiro filho. Muitos anos mais tarde, o Rui ainda trazia na carteira, junto ao coração, o bilhete plastificado que lhe deu o ingresso a esse memorável jogo da bola.

Diz-se que o vienense foi sempre guloso, gosta da boa cozinha, principalmente das sobremesas e doçarias, como bolos e pasteis, que gozam como se sabe de fama mundial. Não o censuro, nem ajuízo mal tal inclinação, tanto mais que reconheço que há vícios piores que a glutoneria. Fora os pratos ditos locais à base de açúcar, farinha, ovos e cremes que têm um consumo enorme, a cozinha austríaca acolhe, com sincretismo, as melhores especialidades culinárias das regiões fronteiriças, como já referi. A culinária austríaca, que nos 15 dias apenas tivemos maré de aflorar, é um deleite para os olhos, para o olfacto e para a barriga. Houve mesmo, antigos viajantes, com desvios para Lutero, que atribuíram a gulodice ao catolicismo, uma religião de aparências e de apego a sólidos valores materiais, bem como à monarquia austríaca, que encoraja o povo apenas ao bem-viver e ao bem-comer, embora um número significativo como castigo venha a morrer de apoplexia. Bem feito, que o que é doce ou faz mal ou é pecado!. Isto faz-me lembrar vagamente as considerações azedas do inglês William Beckford, quando em fins do século XVIII visitou o Mosteiro de Alcobaça.

Viena é, de há muito, uma cidade com muita vida, indústria, comércio e serviços, aonde a corte tinha uma influência marcante. Se bem que a população repartisse as diversões e o trabalho, é bem humano que até preferisse aquelas a este.
Um escritor inglês, Eduard Schulz, contou num jornal da época, os seus encontros com Beethoven, em 1823. Fizera na companhia do músico, grandes passeios a pé, nos arredores de Baden, não longe de Viena, onde este então vivia. Beethoven é bom caminhante e gosta de fazer excursões compridas, principalmente em regiões bravias e românticas. Contaram-me que passeia noites inteiras e que já aconteceu estar ausente de casa durante dias. Pararam para comer numa taberna, ao ar livre, o que encantava o compositor. Mas o que não lhe agradou, foi a ementa. As refeições vienenses são célebres na Europa, escreve Schulz, e o que nos prepararam era tão luxuoso que Beethoven não conseguiu calar censuras a tão desperdício. Para quê tantos pratos diferentes? exclamou. O homem coloca-se bem pouco acima dos animais, quando a mesa constitui o seu prazer favorito...

Sem dúvida que Beethoven era um grande músico. Mas seria mesmo um homem completo? pergunto eu.
Não sei se se recordam, mas atrás já falei do Hotel Sacher, de Viena, talvez o mais famoso da cidade, de quartos caros e opulentos. Mais uma vez, a A e a C iam morrendo de pena por não termos tido possibilidade de lhe fazer ainda que uma breve visita, de preferência para lanchar a especialidade da casa, em local que foi frequentado, desde início, pela realeza, aristocracia e alta burguesia vienense e europeia. Neste século XXI, o café enche-se de japoneses e outros turistas, à procura de ambiente e do bolo de chocolate. Nas numerosas salas de estar, com paredes de mármore e reposteiros de veludo vermelho, ecoa ainda algum prestígio passado.

Pareceu-nos obrigatório dar uma volta de barco no Belo Danúbio Azul. Acontece que o decantado Danúbio, só é azul ou azulado na imaginação de Johann Strauss (II), pois é cor de jade e bastante lodacento, pelo menos na sua travessia por Viena, aquela pequeníssima parte dele que vimos. As suas margens podem ser interessantes para andar a passear pé, têm agradáveis esplanadas onde se pode erguer um copo de vinho ou uma caneca de cerveja, e ancoradouros. O passeio de barco no dizer da C. foi uma desilusão. O que é muito pouco importante numa viagem como esta. Foi uma expectativa gorada sem graça nenhuma.

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