-OS TRABALHADORES TÊM PÁTRIA-
Fleming de Oliveira
O socialismo é, e
será, internacional.
O seu nome, como movimento organizado, Associação dos
Trabalhadores da II Internacional, irá demonstrá-lo, tal como o hino, A
Internacional.
O Congresso que, em 1899, criou a II Internacional, teve
simultaneamente como presidentes, um francês e um alemão. Esta organização,
representava partidos socialistas de 33 países, alguns dos quais ainda na fase
de formação como o português, teve como matriz a solidariedade da classe
operária que transcendia fronteiras por via de uma divisão horizontal da
sociedade, o feriado no dia 1 de Maio que impunha manifestações de fraternidade
operária, o slogan Trabalhadores de Todo o Mundo Uni-vos, uma bandeira vermelho carregado, simbolizando o sangue de
todos os homens, o dia de trabalho de 12 horas e a semana de 7 dias. O descanso
semanal e o horário de 9 ou 10 horas de trabalho diário foi privilégio de
trabalhadores especializados, obtido pela luta das suas uniões de classe e
ofícios.
Os operários fabris, os camponeses ou outros elementos do
operariado, onde quer que existisse interesse do socialismo, poderiam sentir-se
ou não como pertencentes a um organismo internacional de classe, mas os seus
líderes entendiam que sim e contavam, sem dúvida, com isso. O socialismo
defendia a luta de classes com o seu natural desfecho, a destruição do
capitalismo. Eram igualmente seus inimigos a burguesia e a classe dominante. A
palavra Socialismo, inspirava tremendos receios, como outrora Jacobinismo. Anos
mais tarde, no Congresso Socialista de 1904 em Amesterdão, em plena guerra
russo-japonesa, os congressistas russos e japoneses, sentaram-se lado a lado,
apertaram as mãos, com um estrondoso aplauso dos demais congressistas. Ambos,
nas respetivas intervenções, rodeadas de pesado
e comovido silêncio, seguido de fortes aplausos, defenderam que a guerra
fora imposta pelo capitalismo, pelo que não correspondia aos anseios das
populações, muito menos dos trabalhadores.
Com a perspetiva do troar os canhões na Europa, constatou-se
afinal, que capitalismo e socialismo, não eram passíveis de uma escolha linear
e que a sociedade haveria de continuar com ambos. O nacionalismo, a
beligerância e o revanchismo iam crescendo. A classe não era a primeira
caraterística da lealdade do trabalhador, e o seu interesse, como em qualquer
cidadão com responsabilidade política, coincidia com o interesse do país.
Afinal, o trabalhador tem pátria, ao invés do princípio do Manifesto Comunista.
O dilema a resolver, passou a consistir em defender ou criar uma política que
evitasse a guerra. Jean Jaurès pensou, na sua utopia, na criação de um Exército
de Cidadãos, com reservistas de toda a nação colocados na fronteira, contra a
ameaça da invasão alemã, sem ser incompatível com a defesa do país e do
socialismo. Morreu se o ter
visto, nem ele alguma vez teve oportunidade de criação.
A 28 de Junho, o Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, e a
esposa Sofia, foram assassinados pelo extremista sérvio Gavrilo Princip, durante uma
visita a Sarajevo,
na Bósnia. Cerca de 3 semanas
depois, 23 de Julho, o Império Áustro-Húngaro enviou um ultimato à Sérvia, a 26 rompeu
as relações diplomáticas com esta e a 28 seguinte declarou-lhe guerra. Na tarde de 1
de Agosto de 1914, a Alemanha e a França mobilizaram as suas tropas. Antes
mesmo de cair a noite, grupos de reservistas, carregando ramos de flores,
rumavam aos aquartelamentos e caminho de ferro, aplaudidos pela população, onde
não faltavam mães, esposas ou namoradas, que empunhava lenços, flores e dava
beijos. Os sentimentos de fúria e entusiasmo eram idênticos, em ambos os lados
da fronteira.
Nenhuma alternativa, que não a vitória, era possível ou pensável, perante
tamanha disposição para vencer. Havia orgulho de viver estes tempos e pertencer
à Nação. Para franceses ou os alemães, enviar os rapazes, os seus entes mais
queridos para esta gloriosa guerra onde poderiam morrer, parecia o supremo
privilégio. Seguramente, sabia-se que
muitos não voltariam, mas esse era o preço tido como justo, a pagar por uma
vitória militar. Era um momento único na vida de nação, tão
maravilhoso e emocionante, que ofereceria compensação para os muitos
sofrimentos e sacrifícios que se adivinhavam, embora tivessem ultrapassado em
muito o que era admitido à partida.
Na Alemanha, o Kaiser declarou que a partir de então não
conhecia partidos, tão só alemães. Em França, o Presidente da Câmara de
Deputados, ao fazer o elogio fúnebre de Jean Jaurès, assassinado em Paris a 31
de Julho pelo
nacionalista fanático Raoul Villain, declarou que não existiam ali mais
adversários, apenas franceses.
Nenhum socialista europeu, suscitou dúvidas ou reservas
quanto ao conteúdo e sentido de tais afirmações de lealdade e solidariedade. O
Secretário-Geral da CGT Leon Jouhaux, assegurou em nome das organizações sindicalistas, dos
trabalhadores que se integraram nos seus regimentos e dos que, como ele
próprio, iriam para o campo de batalha, que estavam dispostos a repelir o
agressor, ainda que com risco de vida.
Não há registo de greve, protesto ou hesitação em empunhar
uma arma, contra trabalhadores socialistas de outros países. Na hora de
responder ao apelo, o trabalhador que Marx dizia não ter pátria, afinal estava
total e inequivocamente com o seu país não com a sua classe, voltava a ser
membro orgulhoso da respetiva família nacional. A classe dos trabalhadores foi
para a Guerra combater com ansiedade, vontade, tal como todas as demais.
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