sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

-O COMILÃO REI CONSORTE D. PEDRO III,O MOSTEIRO DE ALCOBAÇA (1742) E UM FARTO CASAMENTO EM TEMPOS DE CRISE (1914)-


-O COMILÃO REI CONSORTE D. PEDRO III,O MOSTEIRO DE ALCOBAÇA (1742) E UM FARTO CASAMENTO EM TEMPOS DE CRISE  (1914)-
Fleming de OLiveira
Encontrando-se a família real veraneando em Caldas da Rainha, no mês de Julho de 1742, recebeu uma importante oferta de géneros alimentares por parte do Mosteiro de Alcobaça, que se pretendia insinuar junto dela. A D. Pedro III, consorte da Rainha D. Maria I, que como era público e notório comia muitíssimo, tanto que a sua morte terá sido devida a excessos de mesa, coube nada menos que 6 vitelas, 6 presuntos, 12 queijos, 12 perus, 36 galinhas, uma caixa de cerejas, 2 de cidrão, 1 de chilacota (abóbora pequena usada em doçaria), 1 de ameixas, 1 de pêssegos, 1 de abóbora,1 de escorcioneira (planta usada na doçaria), 1 de ovos e 1 de esquecidos (um tipo de bolo seco).

Era este um tempo em que a noiva era normalmente uma moça de cerca de 20 anos, o casamento para toda a vida, o divórcio proibido, as uniões de facto pecado e filhos sem casar, uma desonra. Todos se casavam. O casamento era, sempre que possível, uma festa de família, mas também da comunidade, um ato a que poucos se esquivavam. Esse tempo iria manter-se ainda por muitos anos.
Os avós de Ascensão Salgueiro Franco eram agricultores de mediana condição económico-social dos Montes, pelo que a sua festa de casamento se prolongou por dois dias, como era costume, segundo ouviu contar. No dia propriamente dito do casamento, servia-se almoço e jantar em casa de quem convidava, isto é, os pais do noivo e os pais da noiva recebiam os respetivos convidados nas suas casas, sendo que estes só se juntavam à noite para o baile, animado por concertina e num salão improvisado, a adega. No dia seguinte, mantinha-se a distinção dos convidados, que em ambos os casos comiam canja de galinha e carneiro guisado ao almoço e ao jantar pernas de frango e cozido à portuguesa. As prendas de casamento eram chamadas as visitas, que os noivos iam buscar, constituídas em géneros alimentares, raramente em dinheiro. Não era usual a noiva ir de vestido branco, mas com um fato de cor clara, lenço na cabeça para segurar um ramo de laranjeira, que algumas segundo voz corrente, já não mereciam. A primeira noiva a usar vestido branco nos Montes terá sido Ana Salgueiro Antunes de Magalhães no que foi aí considerado o casamento do ano, no qual o noivo Amílcar P. Magalhães usou fraque, pois contou com convidados de fora. Ascensão Salgueiro Franco quando, bastante mais tarde, se casou com Eurico Moreira, já usou vestido branco. Qualquer uma destas noivas, separadas por muitos anos, pertencia a uma geração de mulheres com poucos ou nenhuns direitos, mas de homens cheios deles.

Trinta e cinco quilos de carne de vaca, duas cabras, um carneiro, meia arroba de macarrão, duas arrobas de bacalhau, vinte e dois alqueires de trigo, cinquenta almudes de vinho, duas arrobas de arroz e algo mais. Sim, todas estas vitualhas fizeram parte da ementa de uma festa de casamento de dois dias, realizada em Outubro de 1914, no lugar das Relvas, perto de Santa Catarina, segundo foi garantido pelo pai da noiva, que assumiu o encargo sem apoio do compadre.
Imagine-se, questionava virtuosamente o jornal  Semana Alcobacense embora tenhamos reservas se o fizesse a sério, que nos futuros casamentos, se seguia o exemplo da boda das Relvas(Caldas da Rainha)... E o que diria este jornal oficioso dos republicanos alcobacenses perante os excessos de D. Pedro III. Com o elevadíssimo preço dos géneros alimentícios (a Europa estava em guerra e os géneros começavam a rarear em Portugal, apesar da candonga), era de solicitar ao Governo da República a promulgação de uma lei que não consentisse que banquetes nupciais fossem além de um determinado limite, no que toca a quantidades dos comestíveis a consumir. Obviamente que este banquete nunca poderia ter tido como conviva a Princesa Rattazzi que, nos seus exageros que irritaram muitos portugueses, escreveu alguns anos antes sobre a sobriedade da alimentação do povo rural português, que no inverno vivia com um naco de pão de milho e uma cebola, enquanto que no verão se bastava com um figo ou qualquer outro fruto de espécie inferior. Sempre vendo Portugal a vol d’oiseau, anotou que a embriaguez popular era rara, pois que na rua encontravam-se poucos ébrios. Ressalvava porém, a Rattazzi que os portugueses, especialmente rurais, estando habituados ao álcool necessitavam de ingerir três ou quatro vezes mais do que um estrangeiro para se embriagar. Não, a Rattazzi não andou muito pela província ou não percebeu o que era ser português.
O pão era o alimento fundamental, o alimento por excelência, tanto no discurso moral como no social, de certo modo ao contrário do vinho, que simbolizava também o mal (embora não na mensagem do Novo Testamento).

O pão exprimia a coesão familiar, pois não havia família sem fogo/lar ou pão.

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