-O REGICÍDIO E SEUS REFLEXOS EM ALCOBAÇA-
Fleming de Oliveira
A família real encontrava-se em Vila Viçosa, mas os acontecimentos políticos levaram o Rei a
antecipar o regresso a Lisboa. A comitiva régia chegou de comboio ao Barreiro ao final da
tarde, para depois tomar o barco, desembarcando no Terreiro do Paço, por volta das 17 horas. Apesar do clima de enorme
tensão, o Rei optou por se deslocar em carruagem aberta, com
reduzida escolta, com o objetivo de
demonstrar normalidade. O Rei aparecia na rua de vez em quando. Descobriam-se
algumas cabeças, o povo chegava-se para lançar uns olhares, mas lançavam-se nas
gazetas e nas Cortes todo o tipo de diatribes. Enquanto a família real saudava
os populares, a carruagem foi atingida por vários disparos. Um tiro de carabina atravessou o
pescoço do Rei, que morreu imediatamente. Seguiram-se mais disparos, sendo que
o Príncipe D. Luís Filipe ainda alvejou um dos atacantes, antes de ser atingido
mortalmente. D. Amélia, de pé, defendia-se com um ramo de flores que lhe fora
oferecido pouco antes, fustigando um dos atacantes, que subira o estribo da
carruagem, gritando Infames! Infames!,
numa imagem que correu mundo e ficou marcada para a História. O Infante
D. Manuel foi também atingido num braço. Dois dos regicidas, Manuel Buíça e Alfredo Costa, foram mortos no local. Este, empregado do comércio,
editor e jornalista, membro da Carbonária e maçon, estivera implicado já no
falhado Golpe do Elevador e apesar da participação nessa iniciativa, continuava a andar livremente por Lisboa. Diz-se que
afirmou, afagando a pistola que trazia na algibeira, num encontro que teve
depois da Janeirada com Machado Santos e Soares Andrea, no Café Gelo que, se
algum bufo me deita a unha, queimo-lhe os miolos. A carruagem entrou
no Arsenal da Marinha, onde se verificou o óbito do Rei e do herdeiro ao trono.
D. Carlos e o filho foram sepultados no Panteão Nacional e nos respetivos
mausoléus lançou-se terra de Vila Viçosa.
De seu nome completo, foi
Manuel dos Reis da Silva Buíça quem
alvejou de forma mortal D. Carlos I e o Príncipe Real D. Luís Filipe. Homem de caráter expansivo e
exaltado, não mantinha muitas ligações exteriores ao seu círculo profissional e
frequentava, com Alfredo Costa e Aquilino Ribeiro o Café Gelo, no Rossio.
-REFLEXOS EM ALCOBAÇA-
A notícia do atentado começou a circular em Alcobaça,
apenas na manhã do dia seguinte/Domingo 2 de Fevereiro, trazida por pessoas que
chegavam de fora. Acolhida a princípio com as dúvidas, em breve pelas
comunicações telegráficas foi-se adquirindo a certeza de terem sido
assassinados a tiro o Rei e o Príncipe Herdeiro.
Era enorme a curiosidade em saber pormenores do
acontecimento, pelo que quando chegaram os jornais de Lisboa na carreira do
Valado de Frades, foram insuficientes para contentar as pessoas que os
aguardavam numa numerosa fila, lendo-os depois sofregamente e nalguns casos até
os revendendo.
Durante o dia, não se falou noutra coisa na rua (era
domingo e os barbeiros estavam fechados), aguardando com impaciência os
republicanos mais comprometidos que se reuniam no Centro Republicano, os
desenvolvimentos políticos, o que era espicaçado por fantasiosos boatos,
rapidamente desmentidos. Houve mesmo quem assegurasse saber da presença de uma
esquadra inglesa de três navios, fundeada no Rio Tejo, para assegurar eventuais
motins populares. A este boato, que não correu apenas em Alcobaça, responderam
alguns telegramas de Londres e Paris publicados nos jornais de Lisboa no dia 4,
e nos quais foi expressamente desmentido.
Na segunda-feira, estiveram encerradas a Recebedoria e
Tribunal e outras repartições do Estado, hasteada a meio pau a Bandeira
Nacional na Porta de Armas do Quartel e no edifício da Câmara Municipal. Várias
pessoas vestiram de luto, os sinos da Igreja da Conceição, Igreja Nova, Igreja
de Santo António ou Igreja da Misericórdia e do Mosteiro, dobraram a finados
várias vezes por dia, e na Câmara foi aberto um Livro de Condolências, assinado
por populares. Disse-se que houve mesmo dois republicanos (o que não
conseguimos comprovar por falta de registos) que o assinaram.
Uma fonte de meados do século XVIII, refere 1520 como
sendo o ano da construção da Igreja da Misericórdia, na presença do Rei D.
Manuel I e Mulher, de visita a Alcobaça. Em 1563, foi quase totalmente
destruída por um tremor de terra, o que obrigou a refaze-la. Após os incêndios
em 1632 e 1659, as obras de reconstrução vieram conferir-lhe o aspeto clássico,
sem qualquer resto de traça manuelina. Inicialmente, a Igreja reduzia-se à
atual nave, erguendo-se o Altar-mor e o seu retábulo contra a parede ocidental.
Só no início do século XVIII foi aberto o arco triunfal e edificada a
Capela-mor, concluída em 1712. Uma tela abalaustrada, em forma de U, delimita o
espaço antigamente reservado aos celebrantes e aos membros da Confraria. Do
lado do Evangelho, tomavam assento os irmãos nobres, da parte da Epístola, os irmãos oficiais, isto é, homens de ofícios, também chamados mecânicos, por
exercerem profissões manuais. A Capela-mor é inteiramente forrada de azulejos
azuis e brancos, colocados em dois níveis. Da parte do Evangelho, em baixo,
existe cena de vida eremítica, e ao alto, a Visitação de Nª. Senhora a sua prima
Stª. Isabel. Da parte da Epístola, em baixo, existe outra cena eremítica, e ao
alto, Anunciação à Virgem pelo Arcanjo Gabriel. A Comissão Administrativa da
Câmara deliberou na sessão extraordinária de 4 do corrente pedir ao Dr. Adolfo
Guimarães, amigo pessoal do Presidente e de Vitorino Froes, que a representasse
nos funerais de Lisboa. O Pe. Ribeiro d’Abranches, Pároco de Alcobaça, celebrou
uma missa na Igreja do Mosteiro, sufragando a alma de D. Carlos e do Príncipe
D. Luís Filipe, tendo convidado para o acto diversas corporações e entidades
civis e militares que compareceram, tal como alunos de ambos os sexos da escola
oficial. Entre a assistência destacava-se o Comandante do Regº. Artª. 2,
aquartelado no Mosteiro, que ocupava a primeira fila, o qual envergava fato de
gala e se encontrava acompanhado pela oficialidade e algumas praças. O Pe.
Augusto Adelino de Miranda, capelão do Regimento, fez ao Evangelho uma alocução
apropriada à cerimónia.
-CONDOLÊNCIAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA-
Na mesma sessão, foi ainda deliberado enviar ao
camarista de serviço de D. Manuel, o seguinte telegrama: Muito rogo a V. Ex.ª se digne fazer constar em nome da comissão
Administrativa da Câmara Municipal de Alcobaça, a profunda mágoa que lhe causou
o inqualificável atentado de que foram vítimas sua Augusto Pai e infeliz irmão
e que em nome dos povos deste Concelho se protesta contra tal procedimento,
ao que aquele respondeu, dando parte
que o novo Rei agradecia as condolências enviadas.
-DEPOIS DA TRAGÉDIA-
A Alcobaça republicana, embora não tenha aplaudido o
regicídio com garrafas de champanhe ou palmas, também não o repudiou
expressamente. A sua postura, exprimindo o sentimento republicano mais radical,
aliás bem expressa no Semana Alcobacense, decorria do sentimento que foi
estranho e trágico o epílogo da triste aventura, que à História de Portugal,
passou com o nome de Franquismo.
Isto era apregoado franca e pública pelos republicanos
nas ruas, farmácias ou Centro, num momento em que a sensação agora de alívio
como diziam, lhes dava a impressão de acordar de um horroroso e agitado
pesadelo, onde não era oprimir, censurar, mentir, perseguir, vexar e ludibriar
que se governa o povo Português. No seu discurso de massas, embora se
queixassem da falta de liberdade e da censura, os republicanos usavam uma
linguagem e uma imprensa onde parecia não haver freios, como era o caso de o
Semana Alcobacense.
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