-A REPÚBLICA
RECEBIDA EM ALCOBAÇA. EXÉQUIAS DE CÂNDIDO DOS REIS E MIGUEL BOMBARDA.A CÂMARA
MUNICIPAL DE ALCOBAÇA-
Fleming
de Oliveira
Na quarta-feira, dia 5 de Outubro, logo de manhã, em
Alcobaça o povo saiu para a rua, a comentar o que sabia e não sabia, enfim os
difusos ecos dos acontecimentos. Continuavam as dúvidas sobre os êxitos da
revolta em Lisboa. Cada automóvel que chegava, chamava as atenções, era objeto
de grande assédio e independentemente da proveniência era abordado com mil
perguntas. A certa altura, começou a correr que a via férrea do oeste estava
cortada entre Caldas da Rainha e Torres Vedras, o mesmo acontecendo com as
linhas telegráficas. Os jornais não chegaram. Às 13 horas constou que uma
bataria de Artilharia 2 de Alcobaça, ia partir para Lisboa de comboio, pelo que
muitas pessoas se juntaram no Rocio, dispostas a fazer-lhe uma manifestação de
simpatia republicana, oferecendo aos militares tabaco e outras coisas. Afinal,
não passou de mais um boato, a bataria não apareceu e os populares dispersaram,
ficando no entanto republicanos fervorosos, reunidos em pequenos grupos, a
trocarem impressões. A carreira do Valado de Frades, que devia chegar pouco
depois do meio-dia, apareceu às 15 horas, pois o comboio veio a desoras, mas
sem novidades de monta. Ao fim da tarde, os passageiros de automóvel vindo da
Nazaré, contaram ter visto ruidosas manifestações republicanas no Bombarral e
Torres Vedras. Outro automóvel, grande e preto, vindo de Leiria, conduzido por
um militar fardado, parou próximo da Porta de Armas do Quartel pois eram
militares os ocupantes, entre eles o Comandante do Regº. Artª. 1. Ao reiniciar
a marcha ao fim de uma hora, constatou-se que tinha um pneu traseiro rebentado,
o mesmo sucedendo daí a pouco a outro. Pensando tratar-se de sabotagem,
reclamou-se a intervenção de uma força militar que saiu prontamente do quartel
com seis homens, a qual rodeou o automóvel para o proteger e aos ocupantes,
enquanto se tratava de mudar os pneus, ao mesmo tempo que os populares faziam uma
manifestação de simpatia, com palmas e vivas. Mas ao fim e ao resto
continuava-se sem notícias telegráficas e apenas se podia esperar que algum
automóvel vindo do sul, trouxesse notícias da capital.
Pela manhã de quinta-feira, dia 6, principiaram a circular
em Alcobaça notícias mais concretas. Sim, as forças revoltosas haviam
triunfado, estando a República proclamada desde a manhã do dia 5.
Assim, partiram Caldas da Rainha de bicicleta alguns
entusiastas na procura da sua confirmação, bem como de pormenores se possível.
Cerca das 11 horas chegaram de volta ao Rossio, muito excitados a agitar
bandeiras republicanas e a usar a tiracolo fitas verdes, sendo envolvidos em
abraços e beijos pelos populares presentes.
Dentro em pouco o Rossio, encheu-se de gente. No Centro
Democrático Republicano, onde se encontravam alguns responsáveis e dedicados
militantes que ali passaram a noite, foi içada a bandeira republicana, que há
muito aguardava esperançada e pacientemente o seu momento. De uma janela da
Câmara Municipal, Santiago Ponce y Sanchez, Presidente da Comissão Municipal
Republicana, fez a proclamação da República em Alcobaça, saudando o novo
governo da nação e propondo à aprovação popular, José Coelho da Silva para
Administrador do Concelho. O Pe. Francisco Coelho Ribeiro d’Abranches, que se
encontrava a exercer o cargo de Presidente da Junta da Paróquia de Alcobaça,
deu por findo o mandato e fez a adesão à
República.... Em 1911, pediu para ser
transferido para outra paróquia, dado não se sentir confortável com os novos
tempos, mas regressou a Alcobaça como Pároco do Mosteiro em Outubro de 1920,
com um ambiente um pouco mais calmo. Tomou a iniciativa de no dia 24 desse mês,
celebrar missa na Igreja do Mosteiro pelas almas dos paroquianos falecidos na
sua ausência o que anunciou na imprensa local. O Pe. Ribeiro d’Abranches nos dias 7 e 8 de Fevereiro seguinte
ainda decidiu brindar os inocentes,
ministrando-lhes gratuitamente o batismo coletivo às criancinhas que lhe forem
apresentadas com esse fim. Segundo consta terão sido 7 inocentes meninos).
Seguidamente no Salão Nobre usaram da palavra o deputado Afonso Ferreira,
regressado há pouco da sua roça Guegué em S. Tomé, e Alberto Vila Nova, que
salientaram as virtudes do novo regime, no que foram muito aplaudidos pelos
presentes, cujo entusiasmo atingiu o rubro quando a bandeira republicana foi
arvorada no edifício municipal, aí passando a estar ininterrutamente de dia e
noite durante mais de uma semana.
As manifestações continuaram. Entretanto chegaram a
Fanfarra de Alcobaça a tocar A Portuguesa, bem como os empregados e operários
da Companhia de Fiação e Tecidos na companhia do seu diretor, a qual suspendeu
a laboração, e formou-se um animado cortejo, que percorreu as ruas da vila,
dando vivas.
Soube-se então ao fim da manhã que fora nomeado pelo
Governo Provisório, para Governador Civil de Leiria, o alcobacense José Eduardo
Raposo de Magalhães, o que causou forte emoção e orgulho, e foi motivo para que
este fosse muito saudado em sua casa por amigos e correligionários. A festa
continuou de tarde com a atuação das Filarmónicas da Vestiaria e da Maiorga,
que desfilaram pelas ruas da Vila entre foguetes, vivas e aclamações de pessoas
que se encontravam nas bermas.
Á noite, no Quartel foi içada uma bandeira verde/rubra
emprestada pelo Centro Republicano e franqueada a entrada ao povo e às
Filarmónicas que interpretaram A Portuguesa. Os soldados que se encontravam
detidos no calabouço foram perdoados por
decisão do comandante, entre lágrimas e abraços de alguns camaradas e o repúdio
de outros. No Centro Republicano, que fora invadido por alguns praças a dar
vivas à República, subiram a um estrado improvisado Alberto Vila Nova e Inácio
Cardoso Valadão, muito aplaudidos nos seus inflamados discursos. As fachadas de
edifícios, como a Câmara Municipal e Repartições Públicas, foram iluminadas com
lâmpadas elétricas, tendo sido acesas as lâmpadas do coreto municipal, onde a
Filarmónica da Maiorga esteve a atuar à noite.
Pelo meio dia de sexta-feira, dia 7 de Outubro, foi
oficialmente hasteada no Quartel, a bandeira republicana. Já não era a do
Centro Republicano, entretanto restituída à proveniência, mas uma que veio de
Leiria, para ficar. Assistiram ao ato toda a oficialidade do Regimento, em
uniforme de gala, as autoridades judiciais e administrativas do Concelho e
convidados, além de povo. À noite, foi iluminada a fachada do Quartel e a sua
charanga atuou para a população no Claustro do Rachadouro. A oficialidade
inferior, empunhando bandeiras republicanas e soltando vivas, percorreu a vila
no meio de foguetório, em marche aux flambeaux, e deslocou-se no Centro
Republicano, onde alguns manifestantes se inscreveram como sócios.
-EXÉQUIAS DE MIGUEL BOMBARDA E CÂNDIDO DOS REIS-
No dia 16 de Outubro, realizaram-se as
solenes exéquias de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis. As urnas ficaram na Câmara Municipal de Lisboa para aqueles
puderem receber as homenagens populares. Por Decreto de 13 de Outubro,
publicado a 14, determinou-se que os funerais de Cândido dos Reis e de Miguel
Bombarda se realizassem no dia 16 e fossem considerados funerais nacionais.
O desfile do préstito fúnebre teve
início ao meio dia (com as urnas cobertas por bandeiras nacionais verde/rubras
feitas expressamente para a ocasião), na Praça do Comércio, fez uma primeira
paragem no Largo do Camões e uma segunda no Marquês de Pombal, (épico reduto),
onde se realizaram as solenes despedidas da cidade. Daqui seguiu para a Rua
Morais Soares, onde o Governo Provisório fez as suas saudações fúnebres. O
final da cerimónia no Alto de S. João, foi marcado por uma salva de 15 tiros.
Os candeeiros e postes de iluminação das ruas do trajeto, onde se juntava o bom povo republicano, estavam acesos e
envoltos em crepes negros.
-A PRIMEIRA SESSÃO MUNICIPAL/ REPUBLICANA DE ALCOBAÇA-
A primeira sessão republicana da Câmara Municipal de
Alcobaça/Comissão Administrativa, realizou-se no dia 8 de Outubro, tendo como
Presidente/José Barreto Perdigão, Vice-Presidente/Augusto Rodolfo Jorge e
Vogais/António Henriques Primo, António José Moreira, Ceslau Ribeiro dos
Santos, João Ferreira da Silva, José Lopes de Oliveira, Tomás Pereira da
Trindade e José Emílio Raposo de Magalhães, e a presença de algum público que
não quis faltar, dada a importância histórica do momento e aproveitou a
oportunidade para saudar os novos edis.
José Lopes de Oliveira, pediu que fosse feita uma
sindicância aos atos das vereações das últimas três gerências, tendo Tomaz
Pereira da Trindade secundado a proposta, acrescentando, porém, que o fosse sem
espírito de vingança ou perseguição. O público aprovou a proposta com algumas
palmas, o que foi desculpado pelo Presidente embora se houvesse solicitado
benevolamente para não se repetirem. A Comissão Administrativa resolveu
solicitar da autoridade competente a diligência que não se efetivou por falta
de verba orçamentada.
Foi deliberado, por unanimidade, exarar um voto de pesar
pelas vítimas dos últimos acontecimentos, especialmente o Dr. Miguel Bombarda e
o Alm. Cândido Reis, e que dele se desse conhecimento ao Governo da República
na pessoa de Teófilo Braga. O público aprovou a proposta, embora desta vez sem
se manifestar.
Presente um ofício, datado de 6 de Outubro, expedido
pelo novo Governador Civil do Distrito de Leiria, José Eduardo Raposo de
Magalhães, comunicando ter tomado posso do cargo e assegurando a sua leal e
franca cooperação com a Câmara em tudo o que depender das suas atribuições
oficiais. A Câmara congratulando-se por ter ascendido a tão elevado cargo esse prestante cidadão de Alcobaça, resolveu que se lhe oficiasse, a
manifestar-lhe satisfação pela nomeação, bem como o apreço pessoal e político
que merecia.
Foi ainda recebido, um ofício de José Coelho da Silva, a
comunicar ter tomado posse do lugar de Administrador do Concelho (em
substituição do Pe. Ribeiro d’Abranches) Tratava-se de um republicano da velha
guarda, merecedor da distinção e oportunidade concedidas pelo novo poder.
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