sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

-A REPÚBLICA RECEBIDA EM ALCOBAÇA. EXÉQUIAS DE CÂNDIDO DOS REIS E MIGUEL BOMBARDA.A CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA-


-A REPÚBLICA RECEBIDA EM ALCOBAÇA. EXÉQUIAS DE CÂNDIDO DOS REIS E MIGUEL BOMBARDA.A CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA-

Fleming de Oliveira

Na quarta-feira, dia 5 de Outubro, logo de manhã, em Alcobaça o povo saiu para a rua, a comentar o que sabia e não sabia, enfim os difusos ecos dos acontecimentos. Continuavam as dúvidas sobre os êxitos da revolta em Lisboa. Cada automóvel que chegava, chamava as atenções, era objeto de grande assédio e independentemente da proveniência era abordado com mil perguntas. A certa altura, começou a correr que a via férrea do oeste estava cortada entre Caldas da Rainha e Torres Vedras, o mesmo acontecendo com as linhas telegráficas. Os jornais não chegaram. Às 13 horas constou que uma bataria de Artilharia 2 de Alcobaça, ia partir para Lisboa de comboio, pelo que muitas pessoas se juntaram no Rocio, dispostas a fazer-lhe uma manifestação de simpatia republicana, oferecendo aos militares tabaco e outras coisas. Afinal, não passou de mais um boato, a bataria não apareceu e os populares dispersaram, ficando no entanto republicanos fervorosos, reunidos em pequenos grupos, a trocarem impressões. A carreira do Valado de Frades, que devia chegar pouco depois do meio-dia, apareceu às 15 horas, pois o comboio veio a desoras, mas sem novidades de monta. Ao fim da tarde, os passageiros de automóvel vindo da Nazaré, contaram ter visto ruidosas manifestações republicanas no Bombarral e Torres Vedras. Outro automóvel, grande e preto, vindo de Leiria, conduzido por um militar fardado, parou próximo da Porta de Armas do Quartel pois eram militares os ocupantes, entre eles o Comandante do Regº. Artª. 1. Ao reiniciar a marcha ao fim de uma hora, constatou-se que tinha um pneu traseiro rebentado, o mesmo sucedendo daí a pouco a outro. Pensando tratar-se de sabotagem, reclamou-se a intervenção de uma força militar que saiu prontamente do quartel com seis homens, a qual rodeou o automóvel para o proteger e aos ocupantes, enquanto se tratava de mudar os pneus, ao mesmo tempo que os populares faziam uma manifestação de simpatia, com palmas e vivas. Mas ao fim e ao resto continuava-se sem notícias telegráficas e apenas se podia esperar que algum automóvel vindo do sul, trouxesse notícias da capital.
Pela manhã de quinta-feira, dia 6, principiaram a circular em Alcobaça notícias mais concretas. Sim, as forças revoltosas haviam triunfado, estando a República proclamada desde a manhã do dia 5.
Assim, partiram Caldas da Rainha de bicicleta alguns entusiastas na procura da sua confirmação, bem como de pormenores se possível. Cerca das 11 horas chegaram de volta ao Rossio, muito excitados a agitar bandeiras republicanas e a usar a tiracolo fitas verdes, sendo envolvidos em abraços e beijos pelos populares presentes.
Dentro em pouco o Rossio, encheu-se de gente. No Centro Democrático Republicano, onde se encontravam alguns responsáveis e dedicados militantes que ali passaram a noite, foi içada a bandeira republicana, que há muito aguardava esperançada e pacientemente o seu momento. De uma janela da Câmara Municipal, Santiago Ponce y Sanchez, Presidente da Comissão Municipal Republicana, fez a proclamação da República em Alcobaça, saudando o novo governo da nação e propondo à aprovação popular, José Coelho da Silva para Administrador do Concelho. O Pe. Francisco Coelho Ribeiro d’Abranches, que se encontrava a exercer o cargo de Presidente da Junta da Paróquia de Alcobaça, deu por findo o mandato e fez a adesão à República.... Em 1911, pediu para ser transferido para outra paróquia, dado não se sentir confortável com os novos tempos, mas regressou a Alcobaça como Pároco do Mosteiro em Outubro de 1920, com um ambiente um pouco mais calmo. Tomou a iniciativa de no dia 24 desse mês, celebrar missa na Igreja do Mosteiro pelas almas dos paroquianos falecidos na sua ausência o que anunciou na imprensa local. O Pe. Ribeiro d’Abranches nos dias 7 e 8 de Fevereiro seguinte ainda decidiu brindar os inocentes, ministrando-lhes gratuitamente o batismo coletivo às criancinhas que lhe forem apresentadas com esse fim. Segundo consta terão sido 7 inocentes meninos). Seguidamente no Salão Nobre usaram da palavra o deputado Afonso Ferreira, regressado há pouco da sua roça Guegué em S. Tomé, e Alberto Vila Nova, que salientaram as virtudes do novo regime, no que foram muito aplaudidos pelos presentes, cujo entusiasmo atingiu o rubro quando a bandeira republicana foi arvorada no edifício municipal, aí passando a estar ininterrutamente de dia e noite durante mais de uma semana.
As manifestações continuaram. Entretanto chegaram a Fanfarra de Alcobaça a tocar A Portuguesa, bem como os empregados e operários da Companhia de Fiação e Tecidos na companhia do seu diretor, a qual suspendeu a laboração, e formou-se um animado cortejo, que percorreu as ruas da vila, dando vivas.
Soube-se então ao fim da manhã que fora nomeado pelo Governo Provisório, para Governador Civil de Leiria, o alcobacense José Eduardo Raposo de Magalhães, o que causou forte emoção e orgulho, e foi motivo para que este fosse muito saudado em sua casa por amigos e correligionários. A festa continuou de tarde com a atuação das Filarmónicas da Vestiaria e da Maiorga, que desfilaram pelas ruas da Vila entre foguetes, vivas e aclamações de pessoas que se encontravam nas bermas.
Á noite, no Quartel foi içada uma bandeira verde/rubra emprestada pelo Centro Republicano e franqueada a entrada ao povo e às Filarmónicas que interpretaram A Portuguesa. Os soldados que se encontravam detidos no calabouço foram perdoados por decisão do comandante, entre lágrimas e abraços de alguns camaradas e o repúdio de outros. No Centro Republicano, que fora invadido por alguns praças a dar vivas à República, subiram a um estrado improvisado Alberto Vila Nova e Inácio Cardoso Valadão, muito aplaudidos nos seus inflamados discursos. As fachadas de edifícios, como a Câmara Municipal e Repartições Públicas, foram iluminadas com lâmpadas elétricas, tendo sido acesas as lâmpadas do coreto municipal, onde a Filarmónica da Maiorga esteve a atuar à noite.
Pelo meio dia de sexta-feira, dia 7 de Outubro, foi oficialmente hasteada no Quartel, a bandeira republicana. Já não era a do Centro Republicano, entretanto restituída à proveniência, mas uma que veio de Leiria, para ficar. Assistiram ao ato toda a oficialidade do Regimento, em uniforme de gala, as autoridades judiciais e administrativas do Concelho e convidados, além de povo. À noite, foi iluminada a fachada do Quartel e a sua charanga atuou para a população no Claustro do Rachadouro. A oficialidade inferior, empunhando bandeiras republicanas e soltando vivas, percorreu a vila no meio de foguetório, em marche aux flambeaux, e deslocou-se no Centro Republicano, onde alguns manifestantes se inscreveram como sócios.
-EXÉQUIAS DE MIGUEL BOMBARDA E CÂNDIDO DOS REIS-
No dia 16 de Outubro, realizaram-se as solenes exéquias de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis. As urnas ficaram na Câmara Municipal de Lisboa para aqueles puderem receber as homenagens populares. Por Decreto de 13 de Outubro, publicado a 14, determinou-se que os funerais de Cândido dos Reis e de Miguel Bombarda se realizassem no dia 16 e fossem considerados funerais nacionais.
O desfile do préstito fúnebre teve início ao meio dia (com as urnas cobertas por bandeiras nacionais verde/rubras feitas expressamente para a ocasião), na Praça do Comércio, fez uma primeira paragem no Largo do Camões e uma segunda no Marquês de Pombal, (épico reduto), onde se realizaram as solenes despedidas da cidade. Daqui seguiu para a Rua Morais Soares, onde o Governo Provisório fez as suas saudações fúnebres. O final da cerimónia no Alto de S. João, foi marcado por uma salva de 15 tiros. Os candeeiros e postes de iluminação das ruas do trajeto, onde se juntava o bom povo republicano, estavam acesos e envoltos em crepes negros.
-A PRIMEIRA SESSÃO MUNICIPAL/  REPUBLICANA DE ALCOBAÇA-
A primeira sessão republicana da Câmara Municipal de Alcobaça/Comissão Administrativa, realizou-se no dia 8 de Outubro, tendo como Presidente/José Barreto Perdigão, Vice-Presidente/Augusto Rodolfo Jorge e Vogais/António Henriques Primo, António José Moreira, Ceslau Ribeiro dos Santos, João Ferreira da Silva, José Lopes de Oliveira, Tomás Pereira da Trindade e José Emílio Raposo de Magalhães, e a presença de algum público que não quis faltar, dada a importância histórica do momento e aproveitou a oportunidade para saudar os novos edis.
José Lopes de Oliveira, pediu que fosse feita uma sindicância aos atos das vereações das últimas três gerências, tendo Tomaz Pereira da Trindade secundado a proposta, acrescentando, porém, que o fosse sem espírito de vingança ou perseguição. O público aprovou a proposta com algumas palmas, o que foi desculpado pelo Presidente embora se houvesse solicitado benevolamente para não se repetirem. A Comissão Administrativa resolveu solicitar da autoridade competente a diligência que não se efetivou por falta de verba orçamentada.
Foi deliberado, por unanimidade, exarar um voto de pesar pelas vítimas dos últimos acontecimentos, especialmente o Dr. Miguel Bombarda e o Alm. Cândido Reis, e que dele se desse conhecimento ao Governo da República na pessoa de Teófilo Braga. O público aprovou a proposta, embora desta vez sem se manifestar.
Presente um ofício, datado de 6 de Outubro, expedido pelo novo Governador Civil do Distrito de Leiria, José Eduardo Raposo de Magalhães, comunicando ter tomado posso do cargo e assegurando a sua leal e franca cooperação com a Câmara em tudo o que depender das suas atribuições oficiais. A Câmara congratulando-se por ter ascendido a tão elevado cargo esse prestante cidadão de Alcobaça, resolveu que se lhe oficiasse, a manifestar-lhe satisfação pela nomeação, bem como o apreço pessoal e político que merecia.
Foi ainda recebido, um ofício de José Coelho da Silva, a comunicar ter tomado posse do lugar de Administrador do Concelho (em substituição do Pe. Ribeiro d’Abranches) Tratava-se de um republicano da velha guarda, merecedor da distinção e oportunidade concedidas pelo novo poder.



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