-UM SACRISTÃO APRESSADO E
MARIA SERRANA EM
MONTES/ALCOBAÇA QUE BATIZAVA-
Fleming de Oliveira
Afonso Antunes, pedreiro e agricultor remediado dos
Montes, porque tinha andado três anos na escola e feito o exame de 1ºgrau,
ajudava como sacristão no ofício dominical. Era tio da Maria Serrana, atarefada cozinheira para
casamentos ou batizados, competente enfermeira e parteira, mãe de 7 filhos de
pais diferentes, o que não lhe retirava respeitabilidade ou confiança popular.
O Batismo, foi
instituído por Jesus, como se pode ler no Evangelho segundo S. Mateus, toda autoridade sobre o Céu e sobre a Terra
me foi entregue. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem
discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e
ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. Eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos.
Ao nascimento sucedia quase de imediato o batismo, pois
o medo maior não era tanto da morte do bébé (facto tão vulgar como inelutável
neste Portugal de antigamente) encarada com conformismo, mas da outra morte, o
que era inaceitável, a da perdição da alma. O Batismo traduzia-se, pois, numa
manifestação do amor para com o novo ser e não o ministrar seria escandaloso,
imperdoável.
O Batismo sendo a
receção na Igreja ao novo ser e imperdoável não o ministrar, impunha-se que a
parteira soubesse batizar, se necessário ainda que com o bebé dentro do ventre
materno.
Normalmente, o
Batizado é realizado na Igreja. E quem o ministra são os Sacerdotes, Diáconos e
outros cristãos credenciados. Dada a elevada taxa
de mortalidade infantil em Portugal no início do século XX, muito especialmente
entre os recém nascidos, a Maria Serrana ia
procurar Ti Afonso e solicitar-lhe na
falta de um padre, que os batizasse, pois tratava-se de uma emergência. O procedimento de Ti Afonso Antunes era sempre o mesmo. Começava por perguntar o nome
que iria ser dado. Os pais escolhiam o nome e da mesma maneira, escolhiam os
padrinhos se houvesse tempo ou em alternativa neste caso, um Santo da sua
devoção. Com um copo de água e uma pequena mecha de algodão ou algo que a
pudesse substituir, Ti Afonso
realizava a cerimónia, molhando o algodão na água e colocando-o ao de leve na
cabeça da criança por três vezes, dizendo a formula
sacramental: José ou Maria (o nome do batizando), eu te batizo em nome do Pai, colocava
o algodão molhado na cabeça da criança, do
Filho, colocava o algodão
molhado outra vez, e do Espírito Santo, colocava-o pela
terceira vez. A criança estava Batizada. Mas podia acontecer que sobrevivesse.
Nesse caso os pais iam contar a ocorrência ao Padre, que autorizava a criança
ser submetida à parte complementar do batismo (a liturgia da palavra, a unção
com óleo dos catecúmenos), para que o seu nome fosse devida e regularmente
inscrito no Livro de Registo de batizados da Paróquia.
A necessidade de obedecer à pressão social (onde se
inseria a necessidade de zelar pelo destino da alma) era frequentemente mais
poderosa que a solicitude para com a criança. Funcionava o batismo como rito de
socialização, para além de ser ainda considerado um protetor físico para si e
família.
A cerimónia do batizado, em geral, era
realizada com a presença dos avós e padrinhos. A madrinha, muitas vezes uma das
avós, dava o fato e o padrinho, se podia, um fio de ouro, um anel ou medalhinha
em prata. A mãe normalmente não assistia ao batizado ou por se encontrar
convalescente ou para não dar azar, pelo que quem transportava a criança à
Igreja era a parteira. Havia na Alta Estremadura quem chamasse de comadre à
parteira (noutros sítios do País de parceira), pois que era esta a madrinha de
pia, a que levava a criança até ao sacramento batismal. Nos Montes, era
frequente serem os padrinhos quem escolhia o nome da criança, embora por uma
questão de cortesia, essa tarefa fosse deixada aos pais.
A transmissão dos apelidos não era muito
consensual, nem tinha regras comumente utilizadas. Tinha-se um só sobrenome,
sendo por vezes o pai a transmitir o seu aos rapazes e a mãe às raparigas,
perpetuando-se os das duas parentelas, até que passou a generalizar-se
transmitir o da mãe e pai por esta ordem, predominando o último.
Rolls-Royce e
batizado de Lusitânia. Sacadura Cabral era o piloto e Gago Coutinho
o navegador. Este último havia criado, e utilizaria na viagem, um horizonte
artificial adaptado a um sextante, a fim de
medir a altura dos astros. A primeira etapa da viagem foi concluída sem incidentes, no
mesmo dia, em Las
Palmas.
No dia 5 de Abril, partiram
rumo à Ilha
de São Vicente/Cabo Verde. Lá se demoraram até ao dia 17, para
efetuar reparações no hidroavião, tendo partido do porto da Praia/Ilha de Santiago, rumo
ao minúsculo Arquipélago de São Pedro e São Paulo/Brasil, onde
amararam. O mar, bastante agitado, causou danos ao Lusitânia. Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram recolhidos pelo
cruzador República
da Marinha
de Guerra Portuguesa, que os salvou, tal como aos livros, sextante, cromómetro e
outros instrumentos e os conduziu a Ilha de Fernando
de Noronha.
Para perpetuar o ocorrido, os aviadores portugueses deixaram nos penedos um
padrão de chapa de ferro, cravado a letras de latão: Hidroavião Lusitânia –
Cruzador República. Apesar de exaustos pelo voo e pouso acidentado, os portugueses
comemoraram o achamento dos penedos em pleno Atlântico Sul, com total precisão
apenas com recurso a navegação astronómica e ao sextante.
Com a opinião
pública portuguesa em delírio e a brasileira também muito envolvida nesta
aventura, o Governo Português viu-se compelido a enviar outro hidroavião,
o Pátria, para prosseguir
a viagem a partir da Ilha de Fernando de Noronha. Desembarcado, montado e
preparado, o aparelho a 11 de Maio, Gago
Coutinho e Sacadura Cabral descolaram de Fernando de Noronha. Entretanto,
novo acidente os acometeu, quando tendo retornado e sobrevoando os penedos de
São Pedro e São Paulo para reiniciar o trecho interrompido, uma avaria no motor
os obrigou a amarar de emergência, tendo permanecido nove horas como náufragos,
até serem resgatados por um cargueiro inglês.
Reconduzidos a
Fernando de Noronha, aguardaram até 5 de Junho, quando lhes foi
enviado um novo hidroavião
para que a viagem prosseguisse até ao Rio de Janeiro. Tendo
levantado voo, a 17 de Junho amarou
em frente à Ilha das Enxadas/Enseada
da Guanabara.
Aclamados como
heróis nas cidades brasileiras onde amararam, os aeronautas portugueses concluíram
com êxito não apenas a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, mas pela
primeira vez na História
da Aviação, tinha-se viajado sobre o Atlântico, apenas com o
auxílio da navegação
astronómica, a partir do avião. Embora a viagem tenha consumido um
total de setenta e nove dias, o tempo de voo foi de apenas sessenta e duas
horas e vinte e seis minutos, tendo sido percorridos 8.383 quilómetros. A travessia realizou-se, na verdade, em
várias fases, no intervalo das quais os hidroaviões eram assistidos.
Contudo, consideraram-se quatro etapas, visto que, graças a problemas mecânicos
e condições naturais adversas, foram utilizados três hidroaviões.
-FESTA NA CELA
No próprio dia 17 de Junho, ao saber-se na Cela da
chegada dos dois aviadores ao Rio de Janeiro, houve enorme regozijo com uma
salva de 21 morteiros, toque de sinos e música na rua.
No dia seguinte de madrugada, foram lançados mais 21
morteiros e às 11 horas o Pároco da Freguesia Pe. Manuel Silvestre celebrou uma
Missa de Ação de Graças, a que assistiram as crianças das escolas e respetivos
professores, bem como elementos da Junta de Freguesia, Direção do Centro
Republicano da Cela e povo. Na homilia, o Pe. Manuel Silvestre falou durante 20
minutos, aludindo ao significado e importância do feito e festejos, enaltecendo
os aviadores e espírito aventureiro dos portugueses.
Pelas 15 horas, realizou-se uma sessão na pequena sede
do Centro Republicano da Cela, situada numa sala ao lado da Junta de Freguesia,
onde se encontravam expostos os retratos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral,
tendo-se lançado vivas aos dois heróis, à Pátria/República Portuguesa e ao
Brasil. A Filarmónica da Cela, que atuava no coreto, interpretava de vez em
quando o Hino Nacional, no que era acompanhada com os cânticos das crianças
mobilizadas.
À meio da tarde, iniciou-se um cortejo cívico com povo e
entidades que presentes, com excepção do Pe. Manuel Silvestre que não pactuava
com os que, embora republicanos como ele, por acinte hostilizavam a Igreja. Também se realizaram corridas
pedestres, de saco e outros divertimentos[FdO1] do agrado popular, bem como foi distribuído
pão, vinho e assado um carneiro.
Às 21 horas, a partir do Centro Republicano da Cela,
cuja sala se encontrava iluminada acetilene, começou um baile. E, com o baile
se deram por terminados os festejos na Cela, com animação e ordem. A Junta de
Freguesia da Cela e o Centro Republicano (com oito militantes inscritos), cujos
titulares eram os mesmos, ainda propuseram à Câmara Municipal que diligenciasse
trazer a Alcobaça e à Cela, os gloriosos aviadores. Mas a Câmara respondeu que
não havia verba, pelo que a ideia foi posta de parte.
Por esta altura o agricultor José Ferreira, de Casal da
Maceda, bebeu veneno, o que lhe foi fatal. Segundo correu, isso aconteceu
porque tendo sido fiador de um genro, este não pagou a letra e o credor avisou
que lhe iria penhorar a casa, no que ele não teve dúvidas em acreditar. Mas
também houve quem assegurasse, que o ato desesperado, foi devido à ameaça da
mulher em o abandonar. Seja como for, este incidente não impediu os festejos,
embora a polémica sobre se o falecido poderia ser enterrado no cemitério da
Cela se tivesse prolongado por uns dois dias, sendo resolvida pelo Pe.
Silvestre, no sentido de isso acontecer.
Apesar desses
eufóricos intervalos, havia muita gente capaz de aceitar uma alternativa que o
populismo, a demagogia ou o golpismo lhe punha adiante. Nessa altura, muitos
com responsabilidades estavam a demitir-se do seu papel e a atear um fogo que
não conseguiriam apagar. O País havia chegado a um ponto crítico, aquele em que
a corda, de tão esticada, ameaçava partir-se. Dezena e meia de anos sucessivos
de sacrifícios e instabilidade político-social, pulverizara o que pudesse
existir de confiança popular no regime e a esperança de um final feliz. Um país
pode viver em sufoco durante um certo tempo, se tiver no horizonte uma
perspetiva de melhorias, mas não pode viver asfixiado por um garrote que não
cumpre os objetivos para que era justificado, quando se dá conta que aquilo que
o espera é somente mais instabilidade e empobrecimento.
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