A
REPÚBLICA em Alcobaça
Fleming de Oliveira
No verão de 1910, Lisboa
fervilhava de boatos e várias vezes o Chefe do Governo Teixeira de Sousa, foi
alertado de golpes iminentes.
-5
de OUTUBRO-
Em Alcobaça,
os republicanos que se reuniam na Farmácia Campeão, com Natividade ou Raposo de
Magalhães, encontravam-se expetantes. Esperavam alguma coisa, como se fosse uma
inevitabilidade, mas não sabiam quando ocorreria. O tradicional mensageiro de
Lisboa, Américo d’Oliveira, aparecia menos vezes no Centro Republicano,
seguramente por andar muito atarefado nas suas tarefas partidárias e de
conspiração que não deixava transparecer, além de que em Alcobaça tinha menos
interesses, depois de ter vendido os bens que herdara. Mas quando aparecia,
esclarecia pouco, para enorme frustração dos que o iam ouvir ansiosamente. O
golpe, independentemente da respetiva data, era de certo modo esperado pelo
governo e uma certeza pelos republicanos militantes.
No dia 4 de Outubro, logo de manhã, começaram a
propalar-se na vila de Alcobaça, boatos acerca da situação em Lisboa. A par com
a notícia da morte de Miguel Bombarda, dizia-se que se dera pela madrugada um
levantamento popular, tendo saído para a rua diversos regimentos armados a
ocupar posições e a soltar gritos sediciosos. A correr velozmente, estes boatos
foram produzindo inquietação, sendo enorme a ansiedade por notícias certas,
pormenorizadas e positivas. Pouco depois do meio-dia, chegou a Alcobaça a carreira
do Valado de Frades e alguns, independentemente das opções políticas,
lançaram-se avidamente na leitura do jornal. Apareceram O Mundo e o Diário de
Notícias, tendo O Século chegado apenas pelas 15 horas. Lá vinha relatado, o
assassinato de Miguel Bombarda, e confirmado, embora por breves e vagas
informações, o movimento de tropas na capital. O desassossego continuou a
perturbar a vida habitual e pacata de Alcobaça e todos se perguntavam se havia
novos informes, se se sabia mais alguma coisa de Lisboa. Mas nada. Entretanto,
caída a noite e apareceu um automóvel proveniente do sul, talvez de Torres
Vedras, com algumas informações pouco precisas ou seguras. A intranquilidade
instalou-se definitivamente nos alcobacenses, pelo que alguns passaram a noite a
dirigir-se para o Valado de Frades na esperança de saberem mais, através do
telégrafo. Manuel Natividade, J. E. Raposo de Magalhães, Ferreira da Silva,
Afonso Ferreira (que se encontrava na Vila, chegado de S. Tomé) ou dirigentes
do Centro Republicano que se reuniu, embora muito assediados, nada podiam
adiantar de útil, embora as perspetivas não fossem para eles uma total
surpresa.
A 3 de
Outubro, o Governo deu ordem para que as tropas da guarnição de Lisboa
entrassem de prevenção. Após o jantar, oferecido em honra de D. Manuel
II pelo
Presidente
eleito brasileiro Hermes da Fonseca, em visita de
Estado a Portugal, o Rei recolheu-se ao Palácio
das Necessidades, enquanto seu tio e herdeiro da coroa, o Infante D. Afonso, irmão de D.
Carlos, seguia de automóvel para a Cidadela
de Cascais.
Após o
assassinato de Miguel Bombarda, baleado por um dos seus pacientes, os chefes
republicanos reuniram-se de urgência na noite de dia 3 de Outubro. Alguns oficiais
republicanos manifestaram-se contra o levantamento, dada a prevenção das forças
militares, mas o Alm. Cândido
dos Reis insistiu para que se continuasse o processo, nos
moldes previstos, sendo-lhe atribuída a frase: A Revolução não será adiada, sigam-me, se quiserem. Havendo um só que
cumpra o seu dever, esse único serei eu.
O Comissário
Naval Machado Santos, que já havia passado à ação, não esteve presente na reunião.
Dirigiu-se ao Reg. Inf. 16, onde um cabo provocara o levantamento da maior
parte da guarnição. Um comandante e um capitão que se tentaram opor ao
movimento, foram abatidos a tiro. Entrando no quartel com umas dezenas homens,
Machado dos Santos seguiu depois com cerca de 100 praças, para o Regº. Artª. 1,
onde o Cap. Afonso Palla e alguns sargentos, que infiltraram civis no quartel,
já haviam tomado a secretaria, prendendo os oficiais que se recusaram a aderir.
Com a chegada de Machado Santos formaram-se duas colunas, que ficaram sob o
comando dos Capitães Sá Cardoso e Palla. A primeira, rumou ao encontro aos
Regimentos de Infantaria 2 e de Caçadores 2, que deveriam estar sublevados,
para seguir para Alcântara, apoiar o
Quartel do Corpo de Marinheiros. Depois de alguns confrontos com a polícia e
civis, encontrou a coluna comandada pelo Cap. Palla e avançaram em conjunto
para a Rotunda, onde se entrincheiraram pelas 5
horas.
Entretanto, o
Ten. Ladislau Parreira, alguns oficiais e civis introduziram-se no Quartel do
Corpo de Marinheiros de Alcântara pela 1hora, conseguindo armar-se, sublevar a
guarnição e aprisionar os comandantes. Pretendia-se com esta ação, impedir a
saída do Esquadrão de Cavalaria da Guarda Municipal, o que foi conseguido. Para
isto era necessário o apoio, em armas e homens, dos 3 navios de guerra
ancorados no Tejo. Nestes, o Ten. Mendes
Cabeçadas havia tomado o comando do Adamastor, enquanto a
tripulação do São Rafael esperava um oficial para a comandar. Pelas 7 horas, o
Ten. Ladislau Parreira, tendo sido informado por populares da situação,
despachou o segundo-tenente Tito de Morais para tomar o comando do São Rafael,
com ordens para que ambos os navios reforçassem a guarnição do quartel. Quando
se soube que no D. Carlos
I, a tripulação se encontrava sublevada, mas os oficiais
encontravam-se entrincheirados, saíram do São Rafael o Ten. Carlos da Maia com
alguns marinheiros e civis. Após tiroteio, os oficiais renderam-se, ficando o
D. Carlos I sob o controlo dos sublevados.
Foi esta a
última unidade militar a juntar-se aos revoltosos. A Marinha aderiu em massa,
como se esperava, o que não aconteceu com alguns quartéis do Exército tidos à
partida como simpatizantes. Os republicanos, que dispunham de cerca de 400
homens na Rotunda, cerca de 1.000/1.500 em Alcântara, contavam com as
tripulações dos navios do Tejo, conseguiram apoderar-se da artilharia da
cidade, com as suas munições, a que se juntava a artilharia dos navios. Embora
ocupadas a Rotunda e Alcântara, a revolução estava longe de decidida e os
principais dirigentes republicanos ainda não haviam aparecido. Foi aqui que
interveio Américo d’Oliveira, como se referiu e a isso se voltará.
De início, os
acontecimentos não evoluíram a favor dos revoltosos. O sinal de três tiros de
canhão, que deveria ser o aviso para civis e militares avançarem, não resultou.
Apenas um tiro foi ouvido e o Alm. Cândido dos Reis, que esperava o sinal para
tomar o comando dos navios, informado por oficiais que tudo falhara, veio a ser
encontrado, numa azinhaga em Arroios. Suicidara-se
com um tiro na cabeça.
Na Rotunda, o
aparente sossego da cidade desalentava os revoltosos a ponto de os seus
oficiais admitirem desistir. Foi então que assumiu papel importante o
alcobacense Américo d’Oliveira. Sá Cardoso, Palla e os outros oficiais
retiraram-se para casa, mas Machado Santos, incitado por Américo d’Oliveira
ficou e assumiu o comando, numa decisão que seria determinante para o sucesso
da revolução, como a História oficial reconhece.
Desde 1909, as
forças governamentais dispunham de um plano de ação, para reagir numa situação
deste tipo. Quando, no fim da tarde de dia 3, o Chefe do Governo Teixeira
de Sousa soube da eminência de uma revolução, foi dada ordem de
prevenção rigorosa às guarnições na cidade e chamadas as respetivas unidades de
Santarém e Tomar.
O facto de
terem acabado por alinhar com os monárquicos, algumas unidades cujas simpatias
estavam antes com os republicanos, conjugado com o abandono pelos revoltosos do
plano original (optando pelo entrincheiramento na Rotunda e Alcântara), levou a que
durante o dia 4 a situação se mantivesse num impasse, correndo pela cidade os
mais variados boatos acerca de vitórias e derrotas.
Logo que houve
notícia da concentração de revoltosos na Rotunda, o comando militar da cidade
organizou um destacamento para os atacar. A coluna, de que fazia parte Paiva
Couceiro, avançou até perto da Penitenciária, onde assumiu posições de combate.
Mas antes de estas estarem concluídas, foi atacada. Paiva Couceiro respondeu ao
fogo com os canhões e infantaria, ordenando um ataque, que foi rechaçado com
baixas. Continuando com o fogo, ordenou novo ataque, mas apenas conseguiu que
cerca de 20 praças o acompanhassem. Achando ter chegado o momento para o
assalto ao Quartel de Artª. 1, Paiva Couceiro pediu reforços ao comando da
divisão, tendo recebido, todavia, ordem para retirar.
Os reforços da
província não chegaram. Desde o início da revolução os carbonários tinham
desligado os fios telegráficos, impedindo as mensagens às unidades de fora de Lisboa,
o que também a isolava. Na posse de informação acerca das unidades alertadas,
os revolucionários tinham ainda cortado as linhas férreas pelo que
estas nunca chegariam a tempo. Da margem
sul, não era provável a chegada de reforços, visto os navios de
guerra dominarem o rio.
Ao final do
dia 3, a situação era muito difícil para as forças monárquicas, pois os navios
sublevados estavam fundeados junto ao Terreiro
do Paço e o cruzador São Rafael fez fogo sobre os edifícios
dos ministérios, perante o olhar ao que se disse espantado do corpo diplomático
brasileiro, a bordo do couraçado
São Paulo, onde viajava Hermes da Fonseca. Este
bombardeamento, minou o moral das forças no Rossio, que se julgavam entre dois
fogos, nomeadamente o da Rotunda e Alcântara .
Depois do
banquete oferecido por Hermes da Fonseca, D. Manuel
II,
ficou no Palácio das Necessidades na companhia de alguns oficiais próximos. O
Rei tentou telefonar, mas encontrou a linha cortada, conseguindo apenas
informar a mãe, acerca da
situação. Cerca das 21 horas, o Rei recebeu um telefonema de Teixeira de Sousa,
aconselhando-o a refugiar-se em Mafra ou Sintra, dado que os revoltosos ameaçavam
bombardear o Palácio das Necessidades. D. Manuel II recusou-se a partir,
dizendo aos presentes segundo reza a História:Vão vocês se quiserem, eu fico. Desde que a Constituição não me marca
outro papel senão o de me deixar matar, cumpri-lo-ei.
Cerca do
meio-dia, os cruzadores Adamastor e São Rafael, que desde há uma hora haviam
fundeado em frente ao Quartel dos Marinheiros em Alcântara, começaram a
bombardear o Palácio
das Necessidades. O Rei, refugiado numa pequena casa do parque do Palácio,
conseguiu telefonar a Teixeira
de Sousa, ordenando-lhe que mandasse para as Necessidades, a bataria
de Queluz para impedir o desembarque dos marinheiros, ao que este retorquiu que
a ação principal se passava na Rotunda e que todas as tropas eram aí
necessárias. Perante isto, Teixeira de Sousa fez ver de novo ao Rei a
conveniência de se retirar para Sintra ou Mafra onde estaria mais seguro,
contando com o apoio da Escola de Infantaria, de forma a libertar as forças
estacionadas no Palácio das Necessidades para sua proteção e que eram
necessárias na Rotunda.
Às 14 horas,
as viaturas com D. Manuel II e assessores partiram do Palácio em direção a
Mafra, onde chegaram cerca das 16 horas, mas aí o comandante Cor. Pinto da
Rocha, afirmou não dispor de meios para proteger a pessoa do Rei. De Lisboa o
Conselheiro João de Azevedo Coutinho aconselhou o Rei a chamar para Mafra as
Rainhas D.
Amélia e D.
Maria Pia que estavam em Sintra nos Palácios da Pena e
da Vila e a
prepararem-se para seguir para o Porto, para aí se organizar a
resistência.
Em Lisboa, a
saída do Rei não trouxe grandes vantagens, pois as tropas, apesar de assim
libertas, não obedeceram ao apelo.
Na noite do
dia 4, a moral encontrava-se baixa, entre as tropas monárquicas do Rossio, devido ao
perigo de serem bombardeadas pelas forças navais e nem as batarias de Paiva
Couceiro lhes traziam conforto. No Quartel-General monárquico, discutia-se a
melhor posição para bombardear a Rotunda. Às 15 horas, Paiva Couceiro partiu
com a bataria móvel, escoltado por um esquadrão da Guarda Municipal, e
instalou-se no Jardim Castro Guimarães, no Torel, a aguardar a
madrugada. Quando as forças republicanas da Rotunda começaram a disparar sobre
o Rossio, Paiva Couceiro por sua vez abriu fogo, provocando baixas e semeando a
confusão entre os revoltosos. O bombardeamento prosseguiu com vantagem para os
monárquicos, mas às 20 horas Paiva Couceiro recebeu ordem para cessar-fogo,
pois dizia-se iria haver um armistício de uma
hora.
No Rossio,
após Paiva Couceiro ter saído com a bataria, piorou o moral das tropas
monárquicas, devido às ameaças de bombardeamento por parte das forças navais
dos barcos fundeados no Tejo, aos quais Infantaria 5 e alguns elementos de
Caçadores 5 garantiram que não se oporiam ao desembarque dos seus marinheiros.
O novo
representante alemão, chegado a Lisboa na ante véspera, instalara-se no Hotel
Avenida Palace. A proximidade do edifício da zona dos combates, não o estava a
poupar a danos. Perante o perigo, o diplomata tomou a resolução de intervir,
pelo se dirigiu ao Quartel-General e solicitou ao Gen. Gorjão Henriques um
cessar-fogo, de modo a viabilizar a evacuação dos cidadãos estrangeiros, ao que
este acedeu. O diplomata alemão, acompanhado de um ordenança agitando uma
bandeira branca, dirigiu-se à Rotunda para acertar os termos do armistício. Mas
os revoltosos, vendo a bandeira branca, julgaram que os governamentais se
rendiam, pelo que saíram das fileiras e juntaram-se aos populares, dando vivas
à República. Na Rotunda, Machado Santos a princípio não aceitou o armistício,
mas perante os protestos do diplomata alemão acabou por aceder. De seguida, e
vendo o apoio popular expresso na rua à revolta, dirigiu-se ao Quartel-General
dos monárquicos, acompanhado de alguns populares, aos quais se haveriam de
juntar os oficiais que abandonaram as posições na Rotunda. A situação no
Rossio, com a saída dos populares à rua era muito confusa, mas favorável aos
republicanos. Machado Santos confrontou o Gen. Gorjão Henriques com o facto
consumado e convidou-o a manter-se no comando da divisão, ao que este recusou.
Machado Santos entregou o comando ao republicano Gen. Carvalhal. Pelas 9 horas,
do dia 5 de Outubro de 1910, José Relvas proclamava a República, na varanda da
Câmara Municipal de Lisboa. O Rei que estava em Mafra, soube por telégrafo que
a República tinha sido proclamada em Lisboa.
A simplicidade
do processo de implantação da República, comunicada ao País por telégrafo, foi
mais aparente que real. As contradições que o processo assumiu na capital,
iriam de certo modo marcar o percurso do regime, especialmente na primeira
fase. O relato oficial, tentou
esconder a realidade de que o republicanismo ortodoxo perdera em confronto com
o republicanismo carbonário, cujos suportes sociais eram bem diversos. Os
carbonários eram marujos, como o Comissário Naval Machado dos Santos, soldados
e trabalhadores modestos tanto no trabalho como nos ordenados, uma plebe armada
que o Exército não dominava, a ralé para a classe média. Teófilo Braga, disse
que a carbonária entregou a Revolução ao
Partido com a humildade de um sapateiro dando um par de botas ao freguês. Enfim
esta opinião, significava afinal que Teófilo Braga entendia que as forças
populares fizeram uma Revolução que pertencia ao Partido, pelo que o seu papel
terminara em 5 de Outubro. Para dar força a esta ideia, o Governo Provisório
ainda publicou, embora depois o tenha revogado, um diploma que desmobilizava
sargentos, cabos e praças que fizeram triunfar a Revolução. A contradição
passava desde logo, por o regime dispor de uma força de intervenção sem quadros
e de quadros de um partido sem força de luta.
-A REPÚBLICA RECEBIDA EM ALCOBAÇA-
Na quarta-feira, dia 5 de Outubro, logo de manhã, em
Alcobaça o povo saiu para a rua, a comentar o que sabia e não sabia, enfim os
difusos ecos dos acontecimentos. Continuavam as dúvidas sobre os êxitos da
revolta em Lisboa. Cada automóvel que chegava, chamava as atenções, era objeto
de grande assédio e independentemente da proveniência era abordado com mil
perguntas. A certa altura, começou a correr que a via férrea do oeste estava
cortada entre Caldas da Rainha e Torres Vedras, o mesmo acontecendo com as
linhas telegráficas. Os jornais não chegaram. Às 13 horas constou que uma
bataria de Artilharia 2 de Alcobaça, ia partir para Lisboa de comboio, pelo que
muitas pessoas se juntaram no Rocio, dispostas a fazer-lhe uma manifestação de
simpatia republicana, oferecendo aos militares tabaco e outras coisas. Afinal,
não passou de mais um boato, a bataria não apareceu e os populares dispersaram,
ficando no entanto republicanos fervorosos, reunidos em pequenos grupos, a
trocarem impressões. A carreira do Valado de Frades, que devia chegar pouco
depois do meio-dia, apareceu às 15 horas, pois o comboio veio a desoras, mas
sem novidades de monta. Ao fim da tarde, os passageiros de automóvel vindo da
Nazaré, contaram ter visto ruidosas manifestações republicanas no Bombarral e
Torres Vedras. Outro automóvel, grande e preto, vindo de Leiria, conduzido por
um militar fardado, parou próximo da Porta de Armas do Quartel pois eram
militares os ocupantes, entre eles o Comandante do Regº. Artª. 1. Ao reiniciar
a marcha ao fim de uma hora, constatou-se que tinha um pneu traseiro rebentado,
o mesmo sucedendo daí a pouco a outro. Pensando tratar-se de sabotagem,
reclamou-se a intervenção de uma força militar que saiu prontamente do quartel
com seis homens, a qual rodeou o automóvel para o proteger e aos ocupantes,
enquanto se tratava de mudar os pneus, ao mesmo tempo que os populares faziam
uma manifestação de simpatia, com palmas e vivas. Mas ao fim e ao resto
continuava-se sem notícias telegráficas e apenas se podia esperar que algum
automóvel vindo do sul, trouxesse notícias da capital.
Pela manhã de quinta-feira, dia 6, principiaram a
circular em Alcobaça notícias mais concretas. Sim, as forças revoltosas haviam
triunfado, estando a República proclamada desde a manhã do dia 5.
Assim, partiram Caldas da Rainha de bicicleta alguns
entusiastas na procura da sua confirmação, bem como de pormenores se possível.
Cerca das 11 horas chegaram de volta ao Rossio, muito excitados a agitar
bandeiras republicanas e a usar a tiracolo fitas verdes, sendo envolvidos em
abraços e beijos pelos populares presentes.
Dentro em pouco o Rossio, encheu-se de gente. No Centro
Democrático Republicano, onde se encontravam alguns responsáveis e dedicados
militantes que ali passaram a noite, foi içada a bandeira republicana, que há
muito aguardava esperançada e pacientemente o seu momento. De uma janela da
Câmara Municipal, Santiago Ponce y Sanchez, Presidente da Comissão Municipal
Republicana, fez a proclamação da República em Alcobaça, saudando o novo
governo da nação e propondo à aprovação popular, José Coelho da Silva para
Administrador do Concelho. O Pe. Francisco Coelho Ribeiro d’Abranches, que se encontrava
a exercer o cargo de Presidente da Junta da Paróquia de Alcobaça, deu por findo
o mandato, e fez a adesão à República...
(Em 1911, pediu para ser transferido para outra paróquia, dado não se sentir
confortável com os novos tempos, mas regressou a Alcobaça como Pároco do
Mosteiro em Outubro de 1920, com um ambiente um pouco mais calmo. Tomou a
iniciativa de no dia 24 desse mês, celebrar missa na Igreja do Mosteiro pelas
almas dos paroquianos falecidos na sua ausência o que anunciou na imprensa local. O Pe. Ribeiro d’Abranches nos dias 7 e
8 de Fevereiro seguinte ainda decidiu brindar
os inocentes, ministrando-lhes gratuitamente o batismo coletivo às criancinhas
que lhe forem apresentadas com esse fim. Segundo consta terão sido 7 inocentes
meninos). Seguidamente no Salão Nobre usaram da palavra o deputado Afonso
Ferreira, regressado há pouco da sua roça Guegué em S. Tomé, e Alberto Vila
Nova, que salientaram as virtudes do novo regime, no que foram muito aplaudidos
pelos presentes, cujo entusiasmo atingiu o rubro quando a bandeira republicana
foi arvorada no edifício municipal, aí passando a estar ininterrutamente de dia
e noite durante mais de uma semana.
As manifestações continuaram. Entretanto chegaram a
Fanfarra de Alcobaça a tocar A Portuguesa, bem como os empregados e operários
da Companhia de Fiação e Tecidos na companhia do seu diretor, a qual suspendeu
a laboração, e formou-se um animado cortejo, que percorreu as ruas da vila,
dando vivas.
Soube-se então ao fim da manhã que fora nomeado pelo
Governo Provisório, para Governador Civil de Leiria, o alcobacense José Eduardo
Raposo de Magalhães, o que causou forte emoção e orgulho, e foi motivo para que
este fosse muito saudado em sua casa por amigos e correligionários. A festa
continuou de tarde com a atuação das Filarmónicas da Vestiaria e da Maiorga,
que desfilaram pelas ruas da Vila entre foguetes, vivas e aclamações de pessoas
que se encontravam nas bermas.
Á noite, no Quartel foi içada uma bandeira verde/rubra
emprestada pelo Centro Republicano e franqueada a entrada ao povo e às
Filarmónicas que interpretaram A Portuguesa. Os soldados que se encontravam
detidos no calabouço foram perdoados por
decisão do comandante, entre lágrimas e abraços de alguns camaradas e o repúdio
de outros. No Centro Republicano, que fora invadido por alguns praças a dar
vivas à República, subiram a um estrado improvisado Alberto Vila Nova e Inácio
Cardoso Valadão, muito aplaudidos nos seus inflamados discursos. As fachadas de
edifícios, como a Câmara Municipal e Repartições Públicas, foram iluminadas com
lâmpadas elétricas, tendo sido acesas as lâmpadas do coreto municipal, onde a
Filarmónica da Maiorga esteve a atuar à noite.
Pelo meio dia de sexta-feira, dia 7 de Outubro, foi
oficialmente hasteada no Quartel, a bandeira republicana. Já não era a do
Centro Republicano, entretanto restituída à proveniência, mas uma que veio de
Leiria, para ficar. Assistiram ao ato toda a oficialidade do Regimento, em
uniforme de gala, as autoridades judiciais e administrativas do Concelho e
convidados, além de povo. À noite, foi iluminada a fachada do Quartel e a sua
charanga atuou para a população no Claustro do Rachadouro. A oficialidade
inferior, empunhando bandeiras republicanas e soltando vivas, percorreu a vila
no meio de foguetório, em marche aux flambeaux, e deslocou-se no Centro
Republicano, onde alguns manifestantes se inscreveram como sócios.
-EXÉQUIAS
DE MIGUEL BOMBARDA E CÂNDIDO DOS REIS-
No dia 16 de Outubro, realizaram-se as
solenes exéquias de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis. As urnas ficaram na Câmara Municipal de Lisboa para aqueles
puderem receber as homenagens populares. Por Decreto de 13 de Outubro,
publicado a 14, determinou-se que os funerais de Cândido dos Reis e de Miguel
Bombarda se realizassem no dia 16 e fossem considerados funerais nacionais.
O desfile do préstito fúnebre teve
início ao meio dia (com as urnas cobertas por bandeiras nacionais verde/rubras
feitas expressamente para a ocasião), na Praça do Comércio, fez uma primeira
paragem no Largo do Camões e uma segunda no Marquês de Pombal, (épico reduto),
onde se realizaram as solenes despedidas da cidade. Daqui seguiu para a Rua
Morais Soares, onde o Governo Provisório fez as suas saudações fúnebres. O
final da cerimónia no Alto de S. João, foi marcado por uma salva de 15 tiros.
Os candeeiros e postes de iluminação das ruas do trajeto, onde se juntava o bom povo republicano, estavam acesos e
envoltos em crepes negros.
-A
PRIMEIRA SESSÃO MUNICIPAL/REPUBLICANA DE ALCOBAÇA-
A primeira sessão republicana da Câmara Municipal de
Alcobaça/Comissão Administrativa, realizou-se no dia 8 de Outubro, tendo como
Presidente/José Barreto Perdigão, Vice-Presidente/Augusto Rodolfo Jorge e
Vogais/António Henriques Primo, António José Moreira, Ceslau Ribeiro dos
Santos, João Ferreira da Silva, José Lopes de Oliveira, Tomás Pereira da
Trindade e José Emílio Raposo de Magalhães, e a presença de algum público que
não quis faltar, dada a importância histórica do momento e aproveitou a
oportunidade para saudar os novos edis.
José Lopes de Oliveira, pediu que fosse feita uma
sindicância aos atos das vereações das últimas três gerências, tendo Tomaz
Pereira da Trindade secundado a proposta, acrescentando, porém, que o fosse sem
espírito de vingança ou perseguição. O público aprovou a proposta com algumas
palmas, o que foi desculpado pelo Presidente embora se houvesse solicitado
benevolamente para não se repetirem. A Comissão Administrativa resolveu
solicitar da autoridade competente a diligência que não se efetivou por falta
de verba orçamentada.
Foi deliberado por unanimidade exarar um voto de pesar
pelas vítimas dos últimos acontecimentos, especialmente o Dr. Miguel Bombarda e
o Alm. Cândido Reis, e que dele se desse conhecimento ao Governo da República
na pessoa de Teófilo Braga. O público aprovou a proposta, embora desta vez sem
se manifestar.
Presente um ofício, datado de 6 de Outubro, expedido
pelo novo Governador Civil do Distrito de Leiria, José Eduardo Raposo de
Magalhães, comunicando ter tomado posso do cargo e assegurando a sua leal e
franca cooperação com a Câmara em tudo o que depender das suas atribuições
oficiais. A Câmara congratulando-se por ter ascendido a tão elevado cargo esse prestante cidadão de Alcobaça, resolveu que se lhe oficiasse, a
manifestar-lhe satisfação pela nomeação, bem como o apreço pessoal e político
que merecia.
Foi ainda recebido, um ofício de José Coelho da Silva, a
comunicar ter tomado posse do lugar de Administrador do Concelho (em
substituição do Pe. Ribeiro d’Abranches) Tratava-se de um conceituado
republicano da velha guarda, merecedor da distinção e oportunidade concedidas
pelo novo poder.
-COMEMORAÇÕES
EM LISBOA DA IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA-
Bernardo Vila Nova foi encarregado de representar a
Câmara de Alcobaça nos festejos em Lisboa, no dia 5 de Outubro de 1911,
primeiro aniversário da implantação da República e para o cujo cortejo cívico
foi convidada, perante a impossibilidade de se fazer representar por um
vereador. O Centro Republicano como anunciou também se fez representar por dois
exemplares cidadãos.
No ano seguinte/1912, foi de novo solicitado a Bernardo
Vila Nova a representação em Lisboa da Câmara Municipal, no cortejo cívico
comemorativo do segundo aniversário da República.
-COMEMORAÇÕES
EM ALCOBAÇA (esmola a pobres)-
A alvorada do dia 5 de Outubro de 1914, foi anunciada em
Alcobaça com uma salva de 21 morteiros, lançados a partir do morro do castelo e
pagos pela Câmara. Durante o dia, a Bandeira Nacional encontrou-se hasteada nos
edifícios públicos, iluminados também à noite, no Centro Republicano e em
algumas casas particulares. Como não tivesse havido disponibilidade financeira
para contratar uma filarmónica, Eurico Araújo, Presidente da Comissão Executiva
da Câmara, obteve pronta autorização do Comandante do Quartel, para que a
charanga militar efetuasse uma atuação na parte da tarde, no coreto da Praça do
Município.
Para comemorar em Alcobaça, o 10º. Aniversário da
Implantação da República/1920, foi distribuída no Posto da GNR, uma refeição
quente aos pobres que para o efeito se haviam inscrito nesse Posto ou junto do
Regedor da Freguesia. Embora se tivessem inscrito apenas sete pessoas, acabaram
por aparecer catorze, o que implicou que, a partir de certa altura, o pão
tivesse de ser rateado em função da idade dos presentes. Nesse dia, a
Filarmónica do Arnal que se encontrava de visita a Alcobaça, depois de ter
apresentado cumprimentos na Câmara Municipal e recebido uma pequena lembrança,
foi convidada a dar um concerto ao fim da tarde no coreto, que reuniu muita
gente. De seguida, efetuou um desfile por algumas ruas, acompanhada por
populares a interpretar hinos patrióticos.
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