-MILITARES DE
ALCOBAÇA NO CEP/I GUERRA-
Fleming de Oliveira
-MONTES
Montes deu rapazes para o CEP, quase todos analfabetos,
que foram para a guerra, sem saber como ou porquê. Poucos tinham ido a Lisboa e
nenhum ao estrangeiro. A Leiria algumas vezes, de bicicleta ou comboio, mas não
muitas. Era longe, dispendioso e para fazer o quê? Nunca tinham ouvido falar na
Flandres ou no Kaiser. Estes jovens, desconhecedores de qualquer outra
realidade, para além da sua aldeia natal, iriam ser obrigados a combater no
conflito tecnologicamente mais avançado da História, em condições de grande
inferioridade. Nem as fardas, feitas para serem usadas por homens mais
encorpados, assentavam bem nos pequenos soldados portugueses dos Montes,
concretamente aos irmãos Brusco, tidos como os mais fortes. De Afonso Costa,
colhiam fraca opinião, tanto mais que tinham ouvido contar ao padre, que não
pactuava com republicanos, como sendo uma certeza, que aquele os tinha vendido
aos ingleses a um tanto por cabeça, como se se tratasse de carneiros. Não
tinham problemas em andar descalços, pois as solas dos pés eram bem duras, pelo
que as duras botas até incomodavam. Eram dedicados a uma agricultura de
subsistência, onde predominava a cultura da vinha, mais vezes como servos, cujas técnicas e instrumentos e
mantinham inalterados de geração para geração. Os pais de alguns tinham por
vezes gado ou pinhais que davam resina, e esses eram os mais afortunados. Iam à
missa de Domingo, mas, sempre que possível, quedavam-se à porta a fumar um
cigarrito, ver passar as apressadas moças, vigiadas de perto pelas mães, que
não abdicavam da mantilha de renda escura. Mas o que mais apreciavam eram as
festas populares, como o S. Vicente, em Janeiro ou a Stª. Marta no Verão, onde
não enjeitavam carregar o andor na procissão e depois ir acabar a tarde na
tasca a beber uns copos de tinto, com os homens. Os seus nomes encontram-se
registados contra o esquecimento, numa lápide em mármore preto colocada numa
parede exterior da capela. Esta placa, veio substituir uma outra em mármore
branco, afixada na capela demolida e remediado o grave e injusto lapso havido
com o Ten.Cor. Brusco Júnior. Muitos deles, têm ainda familiares nos Montes e
encontram-se sepultados no Talhão dos Combatentes, no cemitério de Alpedriz.
Registe-se o nome desses heróis:
Ten.Cor. Brusco Júnior, 1º Sarg. Manuel Bernardo, 1º
Cabo José de Sousa/João Machado/Francisco Fortes e Soldados Feliciano Brusco e
irmão Joaquim Brusco/Francisco Loureiro/Joaquim Gaio/José Matos/ António
Pereira/ e irmão José Pereira/António Ezequiel/e José Verdasca.
Heróis na verdade, pois confrontaram-se com a saudade, a
dor, o medo, a alegria, a coragem, o alívio, a ferida, o pânico, a camaradagem,
o ódio, a aventura e até mesmo a loucura. Os que regressaram a casa, raramente
incólumes, eram homens orgulhosos e simultaneamente desgostosos por alguma
indiferença que notaram, mas saudosos dos empolgantes momentos vividos em
França, que todavia não pretendiam repetir. Era vulgar não falarem do tempo que
passaram no front. Foram sem fatos,
sem munições, sem calçado, sem armas adequadas, sem saberem porquê, mas
provaram ao mundo que não havia cobardes no Exército Português, muito menos
entre o pessoal dos Montes.
A sedução, a necessidade sexual ou o amor experimentados
com a população feminina criaram momentos, mais ou menos longos, mais ou menos
sentidos, de evasão ao repressivo quotidiano de guerra. Durante os momentos de
descanso, seguramente alguns rapazes dos Montes, ajudaram os franceses que se
conservaram nas quintas, sobretudo viúvas, velhos e, claro, muito gostosamente
as belas moçoilas nas tarefas agrícolas, amanho das terras, limpeza de
estábulos, guarda de gado, nas domésticas como compras, transporte de água ou
reconstrução de casas afetadas pelos bombardeamentos.
João Machado, depois de desmobilizado, voltou à rotina
agrícola, apesar de saber ler e escrever e, ao fim de algum tempo, casou-se.
Quando teve a primeira neta, pediu candidamente
à filha para lhe por o nome de Izata, supostamente o nome da namoradinha
que deixou na estranja, ao que o genro se opôs terminantemente, com o
argumento: Se você quisesse, deveria ter
dado esse nome à sua filha.
Francisco Loureiro/Rodrigues,
foi gaseado, ficou muito doente dos pulmões, nunca mais pode trabalhar. Não
teve tempo de, juntamente com um camarada de Viseu, ir a Fátima, pois este
tinha ouvido falar do aparecimento de uma Nossa Senhora e queria pagar uma
promessa.
José Pereira, também conhecido por José Pereira Júnior
para se distinguir do pai, foi gaseado na Flandres, pelo que quando regressou
aos Montes, muito afetado dos pulmões, não tinha condições para trabalhar como servo. Passou a receber uma pensão de
invalidez, tão insignificante que nem chegava para o tabaco de que não
conseguia prescindir ou um copo de tinto. Não frequentou a escola, nem aprendeu
a ler e escrever no Regimento de Artilharia de Leiria, com o qual foi
mobilizado para França. Apesar de a sua especialidade militar ser a artilharia,
com o CEP foi encarregado de tratar das mulas, que faziam o transporte de
munições, combustíveis e víveres, em missões sujeitas a emboscadas, nas quais
com frequência perdiam o material, confiscado pelo inimigo. Esta experiência
permitiu-lhe que, quando regressado, passasse a ser ferrador e veterinário.
Esteve ao mesmo tempo e consigo em França, o António irmão mais velho, que não
foi gaseado e tal como este, encontra-se sepultado no talhão dos combatentes do
cemitério de Alpedriz, com uma fotografia na lápide de pedra, que a viúva, para
evitar confusões, mandou colocar.
Feliciano Brusco, também teve e deixou em França uma
namoradinha. Regressado à terra natal, casou-se com a Palmira Loureiro, que não
sabia ler nem escrever e ficara à espera. Quando esta faleceu, uma das filhas
foi procurar uma fotografia do pai para a colocar na respetiva campa ao lado da
mãe e escolheu a de garboso militar do CEP, com uma dedicatória, e que esta
tinha há anos na mesa-de-cabeceira. Mas para grande surpresa, apurou que a
dedicatória que nela existia era para a namoradinha francesa, o que a mãe,
obviamente, nunca percebera.
Alguns destes homens podiam dizer que estavam cansados
de terem ido a mais funerais que batizados.
Quando a Liga dos Combatentes passou a incluir outros
ex-combatentes, que não da I Guerra, foi eleito Presidente da Direção do Núcleo
de Alcobaça o ex-Cabo Mariano Ferreira dos Santos que tendo cumprido missão na
Guiné entre 1966 e 1968, foi condecorado com uma Cruz de Guerra, de 4ª. classe,
sucedendo-lhe o ex-Furriel Mil. António Carvalho Rainho que cumpriu missão em
Angola em 1961/1964.
O Núcleo de Alcobaça, a partir de finais de 2000, sob a
presidência de Joaquim Romão, cargo que desde então ocupa com proficiência e
dedicação, alargou a ação ao Concelho da Nazaré e parte do de Porto de Mós, tem
a cargo 10 talhões em cemitérios, promoveu a construção de 7 monumentos e
memoriais, fornece apoio médico a ex-combatentes com problemas de saúde mental,
distribui produtos alimentares aos mais carenciados e, por vezes, alguns
subsídios se o momento de caixa o permitir e a situação exigir.
Durante uma série de anos, o Talhão dos Combatentes, no
cemitério de Alpedriz esteve bastante mal cuidado. Quando em determinada altura
faleceu um ex-combatente e a família pretendeu sepultá-lo, vieram a faze-lo,
por inadvertência, na cova de Feliciano Brusco. Os covatos inicialmente
ocupados à medida dos falecimentos, estavam identificados apenas por um número,
sem nome. A filha de Feliciano Brusco reclamou dessa intromissão, requerendo
que o corpo estranho fosse removido, o que veio prontamente a acontecer. Daí em
diante, cada covato passou a conter uma lápide com o nome e por vezes a fotografia
do respetivo ex-combatente.
-COZ
Os militares da Freguesia de Coz que estiveram na
Flandres constam de uma lápide mandada colocar na frontaria da entrada
principal do Mosteiro, que relativamente à rua é perpendicular. Registe-se aqui
os seus nomes: A.B. Ribeiro, Manuel R. Barros/que referiremos adiante, avô de
Lurdes Fialho Matos, João F. Patrício, S.M. Santo, M.R. Santiago, J.G.
Henriques, A. Pires, J.F. Barros., F.F. Ribeiro, A. Domingues, J. Freitas, J.
Costa, A.M. Santo, J. Satiro, J.F. Patrício, M. Silva, A. Malhó, A.R. Santiago,
A. Sousa, M. Caetano/o Pároco Capelão Militar, que já referimos e a quem se
deve a colocação da lápide, M.P. Almeida, A.C. Serpor, B.R. Oliveira, S.S. Branca,
J. Neto, J. Ribeiro, A.R. Marques, F. Pedro, J.S. Silva, E. Verdasca, A.H.
Susano, A. Oliveira, C. Tavares, J. Pimenta e J. Duarte.
Faleceram em combate na Flandres, M. Malhó/2 de Julho de
1917 e J. Xavier/6 de Agosto de 1918, que não chegaram a ser transladados para
Portugal.
M.R. Barros, de seu nome completo Manuel Ribeiro de
Barros, natural de Coz, conhecido entre os vizinhos por Ti Manel Barros e proveniente de uma família de humildes
agricultores, desde cedo se revelou pessoa interessada pelo mundo, pois lia o
jornal na casa do Senhor Afonso.
Chamado a cumprir serviço militar, foi mobilizado como
soldado do CEP e pelos bons serviços e valentia no teatro de operações, foi
promovido a 2º. Sargento. Regressado são e salvo a Coz, casou e continuou a
desenvolver atividade na agricultura, ao mesmo tempo que se interessava pela
vida pública, e mantinha especiais relações com o Pe. Manuel Caetano, que
sedimentou na Flandres.
Com dedicação e zelo, foi durante dezoito anos
Presidente da Junta de Freguesia de Coz sem retirar proventos materiais, e
embora tenha colaborado com o Estado Novo, não pertenceu à União Nacional ou à
Legião Portuguesa, bem como promotor de eventos sociais, como representações
teatrais e récitas musicais de sucesso na terra e redondezas. Obras como o
relógio da torre da igreja, a pavimentação da rua principal, a luz elétrica ou
a escola primária (ainda que por vezes sem professor), foram efetuadas com o dinheiro
resultante dos teatros e récitas que organizava. Em casa, recebia os Bispos que
se deslocavam a ministrar o Crisma, servindo-lhes refeições e alojamento, tal
como as professoras que vinham lecionar, algumas das quais enquanto
permaneceram em Coz, nunca viveram noutro local. O povo de Coz, não o esqueceu,
dando o seu nome à rua que desemboca na antiga residência, ao lado da sede da
Junta de Freguesia.
O sold. M. Silva, terminada a Guerra ficou a deambular
alguns anos em França, trabalhando na construção civil e constituindo muito
provavelmente família, até que antes da II Guerra, veio a Portugal visitar a
família portuguesa e para se radicar. Nessa altura, a polícia política
deslocou-se a Coz, deteve-o para ser interrogado, por suspeitas quanto ao seu passado
em França, alegadamente junto de meios anarquistas. Realizados inquéritos,
confirmou-se uma vida sem rumo, um simplório que nunca se preocupou com a
política em França, muito menos se envolveu em atividades contra o regime
português.
-MAIORGA
A lápide com os nomes dos militares da Maiorga que
combateram na Guerra, foi mandada fazer e colocar no Largo dos Combatentes, em
11 de Dezembro de 2005, por iniciativa de Joaquim Romão do Núcleo de Alcobaça.
Vieram a esta cerimónia, o Gen. Altino de Magalhães, o Ten. Gen. Joaquim Chito
Rodrigues e esteve presente a Banda de Música da Maiorga. Combateram na Guerra,
os maiorguenses, cujos nomes constam da referida lápide: Soldados António
Pereira Guerra/António da Costa/ António Carlos Araújo/António Dias/António
Ganilho/António Matias de Sousa/Artur Lopes/Armindo Ribeiro/Bruno
Valentim/Calisto Calado/César B. Coelho/Cândido Elias/Firmo Calado/Francisco
Dias/ Francisco Elias/Francisco Oliveira/Henrique Calado/Júlio Henriques Reis
Godinho/Joaquim Cruz/Joaquim Félix/Joaquim Ramos Guerra Júnior/João dos
Santos/João de Sousa Nazário/José Caetano/José de Sousa Matias/José de
Sousa/José dos Santos/José da Silva Gomes e Vitorino Coelho Serrano, 1º. Cabo
Alfredo Aniceto e Segundos Sargentos António Fadigas da Silva/António Carvalho
e Joaquim Carvalho. Desde 1968, no dia 10 de Junho, no Largo dos Combatentes,
tem sido feita uma homenagem aos antigos combatentes, seguida de uma romagem ao
cemitério.
A Guerra foi afinal uma grande devoradora de vidas
humanas. A participação de Portugal, na Guerra, agravou os conflitos
político-sociais, a instabilidade governativa, acarretou situações de fome
especialmente nos meios urbanos, sendo frequentes os assaltos a armazéns e
lojas, onde existiam produtos de primeira necessidade. Além do agravamento das
condições de vida da população, a situação sanitária também se deteriorou.
As epidemias ou surtos epidémicos, como a varíola febre
tifóide, tifo e disenteria, foram fator causador de muitas mortes.
Especialmente, em 1918, as Taxas de Mortalidade em geral e Mortalidade Infantil
em particular foram das mais elevadas deste período histórico que temos estado
a estudar, com muitos mortos, causados pela gripe
espanhola a que se juntaram outros pela degradação das condições de saúde,
como as más condições de vida da população, com uma alimentação pobre e uma má
qualidade de alojamento, sobretudo nos grandes centros urbanos. O pão era ao
mesmo preço, mas mais leve, e o peixe, carne, manteiga, eram vendidos a preços
elevados, devido a impostos e taxas alfandegárias, que o Governo à falta de
outra solução não rejeitava.
Sem comentários:
Enviar um comentário