sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

-MILITARES DE ALCOBAÇA NO CEP/I GUERRA-

-MILITARES DE ALCOBAÇA NO CEP/I GUERRA-

Fleming de Oliveira

-MONTES
Montes deu rapazes para o CEP, quase todos analfabetos, que foram para a guerra, sem saber como ou porquê. Poucos tinham ido a Lisboa e nenhum ao estrangeiro. A Leiria algumas vezes, de bicicleta ou comboio, mas não muitas. Era longe, dispendioso e para fazer o quê? Nunca tinham ouvido falar na Flandres ou no Kaiser. Estes jovens, desconhecedores de qualquer outra realidade, para além da sua aldeia natal, iriam ser obrigados a combater no conflito tecnologicamente mais avançado da História, em condições de grande inferioridade. Nem as fardas, feitas para serem usadas por homens mais encorpados, assentavam bem nos pequenos soldados portugueses dos Montes, concretamente aos irmãos Brusco, tidos como os mais fortes. De Afonso Costa, colhiam fraca opinião, tanto mais que tinham ouvido contar ao padre, que não pactuava com republicanos, como sendo uma certeza, que aquele os tinha vendido aos ingleses a um tanto por cabeça, como se se tratasse de carneiros. Não tinham problemas em andar descalços, pois as solas dos pés eram bem duras, pelo que as duras botas até incomodavam. Eram dedicados a uma agricultura de subsistência, onde predominava a cultura da vinha, mais vezes como servos, cujas técnicas e instrumentos e mantinham inalterados de geração para geração. Os pais de alguns tinham por vezes gado ou pinhais que davam resina, e esses eram os mais afortunados. Iam à missa de Domingo, mas, sempre que possível, quedavam-se à porta a fumar um cigarrito, ver passar as apressadas moças, vigiadas de perto pelas mães, que não abdicavam da mantilha de renda escura. Mas o que mais apreciavam eram as festas populares, como o S. Vicente, em Janeiro ou a Stª. Marta no Verão, onde não enjeitavam carregar o andor na procissão e depois ir acabar a tarde na tasca a beber uns copos de tinto, com os homens. Os seus nomes encontram-se registados contra o esquecimento, numa lápide em mármore preto colocada numa parede exterior da capela. Esta placa, veio substituir uma outra em mármore branco, afixada na capela demolida e remediado o grave e injusto lapso havido com o Ten.Cor. Brusco Júnior. Muitos deles, têm ainda familiares nos Montes e encontram-se sepultados no Talhão dos Combatentes, no cemitério de Alpedriz. Registe-se o nome desses heróis:
Ten.Cor. Brusco Júnior, 1º Sarg. Manuel Bernardo, 1º Cabo José de Sousa/João Machado/Francisco Fortes e Soldados Feliciano Brusco e irmão Joaquim Brusco/Francisco Loureiro/Joaquim Gaio/José Matos/ António Pereira/ e irmão José Pereira/António Ezequiel/e José Verdasca.
Heróis na verdade, pois confrontaram-se com a saudade, a dor, o medo, a alegria, a coragem, o alívio, a ferida, o pânico, a camaradagem, o ódio, a aventura e até mesmo a loucura. Os que regressaram a casa, raramente incólumes, eram homens orgulhosos e simultaneamente desgostosos por alguma indiferença que notaram, mas saudosos dos empolgantes momentos vividos em França, que todavia não pretendiam repetir. Era vulgar não falarem do tempo que passaram no front. Foram sem fatos, sem munições, sem calçado, sem armas adequadas, sem saberem porquê, mas provaram ao mundo que não havia cobardes no Exército Português, muito menos entre o pessoal dos Montes.
A sedução, a necessidade sexual ou o amor experimentados com a população feminina criaram momentos, mais ou menos longos, mais ou menos sentidos, de evasão ao repressivo quotidiano de guerra. Durante os momentos de descanso, seguramente alguns rapazes dos Montes, ajudaram os franceses que se conservaram nas quintas, sobretudo viúvas, velhos e, claro, muito gostosamente as belas moçoilas nas tarefas agrícolas, amanho das terras, limpeza de estábulos, guarda de gado, nas domésticas como compras, transporte de água ou reconstrução de casas afetadas pelos bombardeamentos.
João Machado, depois de desmobilizado, voltou à rotina agrícola, apesar de saber ler e escrever e, ao fim de algum tempo, casou-se. Quando teve a primeira neta, pediu candidamente à filha para lhe por o nome de Izata, supostamente o nome da namoradinha que deixou na estranja, ao que o genro se opôs terminantemente, com o argumento: Se você quisesse, deveria ter dado esse nome à sua filha.
Francisco Loureiro/Rodrigues, foi gaseado, ficou muito doente dos pulmões, nunca mais pode trabalhar. Não teve tempo de, juntamente com um camarada de Viseu, ir a Fátima, pois este tinha ouvido falar do aparecimento de uma Nossa Senhora e queria pagar uma promessa.
José Pereira, também conhecido por José Pereira Júnior para se distinguir do pai, foi gaseado na Flandres, pelo que quando regressou aos Montes, muito afetado dos pulmões, não tinha condições para trabalhar como servo. Passou a receber uma pensão de invalidez, tão insignificante que nem chegava para o tabaco de que não conseguia prescindir ou um copo de tinto. Não frequentou a escola, nem aprendeu a ler e escrever no Regimento de Artilharia de Leiria, com o qual foi mobilizado para França. Apesar de a sua especialidade militar ser a artilharia, com o CEP foi encarregado de tratar das mulas, que faziam o transporte de munições, combustíveis e víveres, em missões sujeitas a emboscadas, nas quais com frequência perdiam o material, confiscado pelo inimigo. Esta experiência permitiu-lhe que, quando regressado, passasse a ser ferrador e veterinário. Esteve ao mesmo tempo e consigo em França, o António irmão mais velho, que não foi gaseado e tal como este, encontra-se sepultado no talhão dos combatentes do cemitério de Alpedriz, com uma fotografia na lápide de pedra, que a viúva, para evitar confusões, mandou colocar.
Feliciano Brusco, também teve e deixou em França uma namoradinha. Regressado à terra natal, casou-se com a Palmira Loureiro, que não sabia ler nem escrever e ficara à espera. Quando esta faleceu, uma das filhas foi procurar uma fotografia do pai para a colocar na respetiva campa ao lado da mãe e escolheu a de garboso militar do CEP, com uma dedicatória, e que esta tinha há anos na mesa-de-cabeceira. Mas para grande surpresa, apurou que a dedicatória que nela existia era para a namoradinha francesa, o que a mãe, obviamente, nunca percebera.
Alguns destes homens podiam dizer que estavam cansados de terem ido a mais funerais que batizados.
Quando a Liga dos Combatentes passou a incluir outros ex-combatentes, que não da I Guerra, foi eleito Presidente da Direção do Núcleo de Alcobaça o ex-Cabo Mariano Ferreira dos Santos que tendo cumprido missão na Guiné entre 1966 e 1968, foi condecorado com uma Cruz de Guerra, de 4ª. classe, sucedendo-lhe o ex-Furriel Mil. António Carvalho Rainho que cumpriu missão em Angola em 1961/1964.
O Núcleo de Alcobaça, a partir de finais de 2000, sob a presidência de Joaquim Romão, cargo que desde então ocupa com proficiência e dedicação, alargou a ação ao Concelho da Nazaré e parte do de Porto de Mós, tem a cargo 10 talhões em cemitérios, promoveu a construção de 7 monumentos e memoriais, fornece apoio médico a ex-combatentes com problemas de saúde mental, distribui produtos alimentares aos mais carenciados e, por vezes, alguns subsídios se o momento de caixa o permitir e a situação exigir.
Durante uma série de anos, o Talhão dos Combatentes, no cemitério de Alpedriz esteve bastante mal cuidado. Quando em determinada altura faleceu um ex-combatente e a família pretendeu sepultá-lo, vieram a faze-lo, por inadvertência, na cova de Feliciano Brusco. Os covatos inicialmente ocupados à medida dos falecimentos, estavam identificados apenas por um número, sem nome. A filha de Feliciano Brusco reclamou dessa intromissão, requerendo que o corpo estranho fosse removido, o que veio prontamente a acontecer. Daí em diante, cada covato passou a conter uma lápide com o nome e por vezes a fotografia do respetivo ex-combatente.
-COZ
Os militares da Freguesia de Coz que estiveram na Flandres constam de uma lápide mandada colocar na frontaria da entrada principal do Mosteiro, que relativamente à rua é perpendicular. Registe-se aqui os seus nomes: A.B. Ribeiro, Manuel R. Barros/que referiremos adiante, avô de Lurdes Fialho Matos, João F. Patrício, S.M. Santo, M.R. Santiago, J.G. Henriques, A. Pires, J.F. Barros., F.F. Ribeiro, A. Domingues, J. Freitas, J. Costa, A.M. Santo, J. Satiro, J.F. Patrício, M. Silva, A. Malhó, A.R. Santiago, A. Sousa, M. Caetano/o Pároco Capelão Militar, que já referimos e a quem se deve a colocação da lápide, M.P. Almeida, A.C. Serpor, B.R. Oliveira, S.S. Branca, J. Neto, J. Ribeiro, A.R. Marques, F. Pedro, J.S. Silva, E. Verdasca, A.H. Susano, A. Oliveira, C. Tavares, J. Pimenta e J. Duarte.
Faleceram em combate na Flandres, M. Malhó/2 de Julho de 1917 e J. Xavier/6 de Agosto de 1918, que não chegaram a ser transladados para Portugal.
M.R. Barros, de seu nome completo Manuel Ribeiro de Barros, natural de Coz, conhecido entre os vizinhos por Ti Manel Barros e proveniente de uma família de humildes agricultores, desde cedo se revelou pessoa interessada pelo mundo, pois lia o jornal na casa do Senhor Afonso.
Chamado a cumprir serviço militar, foi mobilizado como soldado do CEP e pelos bons serviços e valentia no teatro de operações, foi promovido a 2º. Sargento. Regressado são e salvo a Coz, casou e continuou a desenvolver atividade na agricultura, ao mesmo tempo que se interessava pela vida pública, e mantinha especiais relações com o Pe. Manuel Caetano, que sedimentou na Flandres.
Com dedicação e zelo, foi durante dezoito anos Presidente da Junta de Freguesia de Coz sem retirar proventos materiais, e embora tenha colaborado com o Estado Novo, não pertenceu à União Nacional ou à Legião Portuguesa, bem como promotor de eventos sociais, como representações teatrais e récitas musicais de sucesso na terra e redondezas. Obras como o relógio da torre da igreja, a pavimentação da rua principal, a luz elétrica ou a escola primária (ainda que por vezes sem professor), foram efetuadas com o dinheiro resultante dos teatros e récitas que organizava. Em casa, recebia os Bispos que se deslocavam a ministrar o Crisma, servindo-lhes refeições e alojamento, tal como as professoras que vinham lecionar, algumas das quais enquanto permaneceram em Coz, nunca viveram noutro local. O povo de Coz, não o esqueceu, dando o seu nome à rua que desemboca na antiga residência, ao lado da sede da Junta de Freguesia.
O sold. M. Silva, terminada a Guerra ficou a deambular alguns anos em França, trabalhando na construção civil e constituindo muito provavelmente família, até que antes da II Guerra, veio a Portugal visitar a família portuguesa e para se radicar. Nessa altura, a polícia política deslocou-se a Coz, deteve-o para ser interrogado, por suspeitas quanto ao seu passado em França, alegadamente junto de meios anarquistas. Realizados inquéritos, confirmou-se uma vida sem rumo, um simplório que nunca se preocupou com a política em França, muito menos se envolveu em atividades contra o regime português.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
-MAIORGA
A lápide com os nomes dos militares da Maiorga que combateram na Guerra, foi mandada fazer e colocar no Largo dos Combatentes, em 11 de Dezembro de 2005, por iniciativa de Joaquim Romão do Núcleo de Alcobaça. Vieram a esta cerimónia, o Gen. Altino de Magalhães, o Ten. Gen. Joaquim Chito Rodrigues e esteve presente a Banda de Música da Maiorga. Combateram na Guerra, os maiorguenses, cujos nomes constam da referida lápide: Soldados António Pereira Guerra/António da Costa/ António Carlos Araújo/António Dias/António Ganilho/António Matias de Sousa/Artur Lopes/Armindo Ribeiro/Bruno Valentim/Calisto Calado/César B. Coelho/Cândido Elias/Firmo Calado/Francisco Dias/ Francisco Elias/Francisco Oliveira/Henrique Calado/Júlio Henriques Reis Godinho/Joaquim Cruz/Joaquim Félix/Joaquim Ramos Guerra Júnior/João dos Santos/João de Sousa Nazário/José Caetano/José de Sousa Matias/José de Sousa/José dos Santos/José da Silva Gomes e Vitorino Coelho Serrano, 1º. Cabo Alfredo Aniceto e Segundos Sargentos António Fadigas da Silva/António Carvalho e Joaquim Carvalho. Desde 1968, no dia 10 de Junho, no Largo dos Combatentes, tem sido feita uma homenagem aos antigos combatentes, seguida de uma romagem ao cemitério.
A Guerra foi afinal uma grande devoradora de vidas humanas. A participação de Portugal, na Guerra, agravou os conflitos político-sociais, a instabilidade governativa, acarretou situações de fome especialmente nos meios urbanos, sendo frequentes os assaltos a armazéns e lojas, onde existiam produtos de primeira necessidade. Além do agravamento das condições de vida da população, a situação sanitária também se deteriorou.
As epidemias ou surtos epidémicos, como a varíola febre tifóide, tifo e disenteria, foram fator causador de muitas mortes. Especialmente, em 1918, as Taxas de Mortalidade em geral e Mortalidade Infantil em particular foram das mais elevadas deste período histórico que temos estado a estudar, com muitos mortos, causados pela gripe espanhola a que se juntaram outros pela degradação das condições de saúde, como as más condições de vida da população, com uma alimentação pobre e uma má qualidade de alojamento, sobretudo nos grandes centros urbanos. O pão era ao mesmo preço, mas mais leve, e o peixe, carne, manteiga, eram vendidos a preços elevados, devido a impostos e taxas alfandegárias, que o Governo à falta de outra solução não rejeitava.


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