sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O JARDIM-ESCOLA JOÃO DE DEUS (Alcobaça)-

 
-O JARDIM-ESCOLA JOÃO DE DEUS (Alcobaça)-
Fleming de Oliveira
Foi em meados de Outubro de 1912 que, segundo reza a memória ou lenda local alcobacense, terá ocorrido ao Deputado pelo Círculo de Alcobaça Afonso Ferreira (para ocupar algum tempo disponível, já que não se encontrava na sua roça em S. Tomé, mas em férias parlamentares), a ideia da construção na vila de uma escola infantil. A ideia era excelente, teve muito e sem reservas acolhimento, mas esbarrava com a falta de recursos do Município. Mas um republicano expedito, haveria de encontrar a solução. A Junta de Paróquia de Alcobaça tinha um pecúlio, obtido com a venda das capelas demolidas de Stº. António e da Srª. da Paz. Afonso Ferreira, era de opinião que a Junta da Paróquia não iria recusar-se a contribuir para que obra tão meritória fosse concretizada, o que na verdade aconteceu, com a importante quantia de 3.000$00.
Com esta garantia, Afonso Ferreira encontrou-se com o seu amigo Arq. Raúl Lino, apesar das muito diferentes origens sociais (Afonso Ferreira fora barbeiro em Leiria, de onde era natural), o que acarretou uma alteração no plano inicial. Não se iria fazer em Alcobaça uma Escola Infantil, outrossim um Jardim-Escola.
Raúl Lino, fora o autor do projeto do edifício do Jardim-Escola João de Deus, inaugurado em Coimbra, embora a propriedade fosse da Associação das Escolas Móveis. Porém, graças à mediação de João de Deus Ramos, filho do poeta João de Deus, decidiu-se prosseguir o modelo de um Jardim-Escola, segundo o método João de Deus, cabendo a Alcobaça a possibilidade de ser a terceira terra do País dotada com um estabelecimento de ensino com essa orientação. O Jardim Escola de Coimbra fora construído em terreno doado pela Câmara Municipal, junto ao Jardim Botânico. O projeto, executado segundo a orientação de João de Deus Ramos, foi oferecido aos promotores. A obra viria a ser paga com diversos donativos e receitas de serões musicais organizados pelo Orfeão Académico de Coimbra, dirigido por António Joyce, o que ainda hoje é motivo de orgulho por parte daquele agrupamento coral de que o autor fez parte na década de 1960. No meio de tanta desorientação em assuntos educativos, a obra nacional de João de Deus ficará firme, duradoura e utilíssima, como genuinamente nacional, refere o Relatório de Atividades da Associação de Escolas Móveis pelo Método João de Deus, referente a 1908.
A denominação Jardim-Escola decorre das alemãs escolas froebelianas que se chamavam Kindergarten/Jardim de Infância. Froebel, graças a uma forte influência romântica, concebia a criança como uma planta humana que necessitava de condições do meio para poder germinar. A criança é um ser repleto de potencialidade, pelo que a infância é um período de atento acompanhamento, durante o qual deve ser cultivada como semente recém-plantada. A formação, hábitos, atitudes, caráter e força de vontade são aspetos interligados com a componente  lúdica da aprendizagem que concebia a evolução da criança, conforme uma conceção positivista  de que as atividades levam espontaneamente ao conhecimento. Para o João de Deus Ramos educar implicava dar uma formação inteletual, física e moral. Por isso, as crianças mais pequenas são chamadas de Viveiro, isto é, a génese da planta.
O edifício do Jardim Escola segue um estilo arquitetónico criterioso, sendo todos eles bastante semelhantes. Tentou-se ser o mais parecido com a típica casa portuguesa, alegadamente para que a criança se senta confortável e à vontade, como decorre da fachada com arcadas, alpendre, telhados de 4 a 7 águas, um grande salão central (ponto de reunião dos alunos) e recreios. Não pode faltar a sala de aritmética e a do método/leitura, o refeitório e os banhos. Não existem corredores e as salas (cada uma com uma educadora e uma auxiliar) são espaçosas e providas de luz natural.
A história dos Jardins-Escola João de Deus, tem génese na Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, fundada a 18 de Maio de 1882, frequentadas por cerca de 30.000 alunos, por iniciativa pessoal do republicano Casimiro Freire, secundado por destacadas personalidades do tempo.
Os objetivos dessa associação, eram os de (...) ensinar a ler, escrever e contar, pelo método de admirável rapidez do Sr. Dr. João de Deus, os indivíduos que o solicitarem, até onde permitam os seus meios económicos, enviando nesse intuito às diversas formações da Nação portuguesa professores devidamente habilitados não se envolvendo em assuntos políticos ou quaisquer outros alheios ao seu fim (...) . Hoje em dia, ensina-se conforme o último Acordo Ortográfico.
O ensino tem caráter social, pagando as famílias consoante o rendimento, sendo por isso vários os escalões das propinas. Para dissipar as diferenças sociais, as crianças usam bibe (o das menina tem babeiro), calçam alpercatas e sempre que tenham atividades ao ar livre em ambiente soalheiro, utilizam um chapéu.
Quando, em 1876, foi publicada a Cartilha Maternal com o subtítulo Arte da Leitura, a esmagadora maioria dos portugueses não sabia ler, nem escrever, pelo que esta propunha-se ajudar a resolver um dos grandes problemas nacionais.
Em 1876, menos de um ano após a morte de António Feliciano de Castilho e perante a descrença em que caíra o  seu Método, que não se conseguira impor, João de Deus envolveu-se nas campanhas de alfabetização nacional, criando a Cartilha Maternal, um novo método de ensino da leitura, que o haveria de distinguir como pedagogo ímpar. A inteletualidade e o professorado já estavam preparados para aceitar a alteração metodológica, pelo a partir daí começou a difundir-se o chamado Método João de Deus e em 1882, por decisão das Cortes em iniciativa do deputado açoriano Augusto Ribeiro, sendo decretado o uso da Cartilha Maternal na escola. Esta obrigatoriedade seria mantida até 1903, quando o Método se tornou facultativo.
A Cartilha Maternal, num processo algo semelhante ao esforço que 25 anos antes  Castilho empreendera, para além daquela experiência, incorporou os trabalhos de outros pedagogos dando-lhe, todavia, segundo alguns estudiosos um caráter menos infantilizante.
A obra foi saudada como utilíssima e genial por incontornáveis intelectuais da época, como o grande  Herculano ou Adolfo Coelho.
Ainda hoje, numa era de novas tecnologias, o sistema pedagógico de João de Deus funciona e mantem-se, o que confirma que, por vezes, as inovações não substituem o que já existe. Na metodologia João de Deus não há prémios nem castigos formais, o que é um ponto essencial. A criança deve fazer o bem porque é uma ação correta, não por se encontrar interessada em receber uma recompensa.
A criação das Escolas Móveis públicas foi uma das medidas da I República, para combater o analfabetismo, reeditando a experiência das Escolas Móveis particulares. As Escolas Móveis republicanas, pretendiam colmatar a falta de instituições escolares em muitas zonas do país, ministrando conhecimentos rudimentares. As escolas móveis republicanas não tiveram execução imediata mas tiveram, entretanto, melhor futuro do que as escolas infantis. Dois anos depois da sua criação o Estado abriu o necessário crédito para as pôr a funcionar, resignando-se a permitir, para mais rapidamente lhes dar início, que fossem nomeados seus professores «quaisquer estudantes de diferentes estabelecimentos de ensino do Estado», o que, em princípio, nem sequer excluía os alunos dos Liceus (decreto de 25 de Outubro de 1913). Nesse mesmo ano foram criadas 172 escolas móveis destinadas apenas a adultos. A frequência anual destas escolas, com alguns altos e baixos, foi da ordem dos 13.000 inscritos, quantitativo muito estimável que se cifrou, à data da sua extinção, em 1930, em mais de 200.000 indivíduos de ambos os sexos de quem essa escolas se aproximaram, dos quais cerca de metade fez o seu curso com aproveitamento.
O ensino da religião não é prestado de modo sistemático, não se fala de cristianismo no Jardim-Escola. Crer em Deus sendo imanente a todos os seres humanos, não há necessidade de abordar o tema. A ética, a moral e as normas de conduta social, devem ser aprendidas como convívio diário das crianças num conjunto interclassista. Apesar de não haver especificamente ensino religioso, (não há aulas de religião) os alunos festejam o Natal, a Páscoa e os Jardim-Escola, possuem símbolos religiosos cristãos como a cruz, bem com poesia religiosa de João de Deus, reproduzida nas paredes.
João de Deus Ramos, veio a Alcobaça fazer uma conferência nos Paços do Concelho, no dia 2 de Dezembro de 1913, com a intenção de divulgar a feição pedagógica do Jardim-Escola João de Deus.
Em 2 de Janeiro de 1913, a Câmara Municipal deliberou oficiar à direção das Escolas Móveis, dando conta do donativo da Junta de Paróquia e da disponibilização gratuita de terreno seu, na Praça do Município decisão que mereceu objeções por parte de muitos alcobacenses da vila e que fez atrasar o processo, tanto mais que implicou arranjos naquela Praça. O Jardim Escola aí se manteve até serem efetuados os arranjos urbanísticos a propósito da visita de Isabel de Inglaterra, em 1957. Nessa altura, o edifício foi demolido e reconstruído no Parque da Gafa, onde ainda se encontra. Criou-se então a lenda que com a demolição, todas as peças foram identificadas e numeradas para refazer o edifício rigorosamente como o original. O Caderno de Encargos previa o aproveitamento dos materiais do primitivo edifício que não se encontrassem em mau estado de conservação ou fossem prejudicados durante a demolição. Hoje em dia, ainda há em uso portas do primitivo edifício, bem como mesas da cantina e da sala de aula dos alunos dos 4 anos. As pinturas que se encontravam em bom estado nas portas, persianas e caixilhos foram reutilizados no novo edifício, levando retoques e nova demão de esmalte.
A 23 de Janeiro de 1913, a Câmara Municipal recebeu um ofício da Associação das Escolas Móveis, a agradecer a ofertas e a dar aprovação a uma comissão, a qual ficou constituída por Augusto Rudolfo Jorge (durante anos a verdadeira alma do estabelecimento escolar de Alcobaça), João Ferreira da Silva, José Lopes Pelayo, Joaquim Marques, Sebastião dos Santos Vazão e Mário Sanches Ferreira.
Na sessão de 6 de Março seguinte, a Câmara fez entrega do terreno ao Jardim Escola e em 11 de Junho seguinte (Presidente da Comissão Executiva Eurico Araújo), oficiou a Associação das Escolas-Móveis, solicitando que fosse dado andamento aos trabalhos de edificação do Jardim-Escola, sendo-lhe respondido que João de Deus Ramos, entretanto Governador Civil de Coimbra, oportunamente viria a Alcobaça para esse fim.
A arrematação da empreitada do edifício ocorreu a 19 de Setembro de 1913, tendo sido adjudicada António Aurélio Rodrigues, por 2.000$00, e no dia 6 de Outubro fez-se o lançamento da primeira pedra (35). No dia 18 de Fevereiro de 1914, era afixado no edifício o pau de fileira, isto é, peça triangular de madeira ou ferro sobre cujo vértice assenta a cumeeira, sendo esta a parte mais elevada de uma casa, na junção das duas águas do telhado, ato solenizado com festivas manifestações. Nos princípios de Junho fez-se a arrematação do fornecimento de assentamento de dois portões e da grade para vedar o recinto à Serralharia Pereira & Coelho, por 125$00, assim como de diversas cantarias e outros serviços correlativos, ao empreiteiro António Aurélio Rodrigues, por 125$00.
Nessa altura, foi decidido que, não obstante a impossibilidade de estar terminada a instalação do edifício, este faria a sua inauguração oficial no dia 15 de Agosto, feriado municipal de Alcobaça, pelo foram abertas as inscrições para a admissão de um máximo de 60 crianças, número que de imediato foi atingido.
Tendo eclodido a guerra europeia, adiada foi a inauguração do Jardim-Escola João de Deus/Alcobaça para o dia 1 de Dezembro de 1914. Vieram assistir a este acto João de Deus Ramos e João de Barros, Diretor Geral de Instrução Primária. A Banda da Maiorga também se quis associar ao grande momento.
Com mais ou menos facilidades materiais, o Jardim-Escola de Alcobaça tem sobrevivido até hoje. A título de curiosidade note-se que em meados de 1949, o Dr. João Lameiras de Figueiredo, Presidente da Comissão de Assistência ao Jardim-Escola de Alcobaça, oficiou ao Presidente da Direção da Associação de Jardins-Escola João de Deus/Lisboa, dando conta da precária situação daquela, decorrente de a Câmara ter suprimido o importante subsídio anual de 5.600$00, ao que por sua vez foi respondido que iria continuar a enviar os recursos materiais possíveis.
A exceção ao predomínio cultural e político de Lisboa e Porto só se encontrava em Coimbra, a única cidade universitária em 1911. Mas Coimbra representava a reação político-cultural e o seu corpo docente, os alunos nem tanto, com relevantes casos, desde o último quartel do século XIX, encontrava-se em número significativo na oposição conservadora e até monárquica, o que acarretou que os governos republicanos hostilizassem, por várias vezes, a universidade coimbrã. Uma classe de burgueses ricos, ligados à banca, ao grande comércio e à propriedade fundiária, muito próxima da nobreza terra tenente, governava oligarquicamente nos começos do século XX e não sendo necessariamente monárquica, via na República a ameaça à ordem e conservação dos seus privilégios e lucros. Ao mesmo tempo apoiava a Igreja e era apoiada por ela, sem que se revelasse muito homogeneamente católica, praticante fervorosa, salvo para efeitos exteriores.
O governo republicano fez algumas tentativas no sentido do desenvolvimento educacional, de tal modo que criou a primeira Escola de Enfermagem, em 1911, enquanto a educação oficial e livre foi instituída via decreto, para todas as crianças. As 5.500 escolas de ensino primário que existiam em 1910, subiram para 6.500 em 1916, 6.900 em 1920 e cerca de 7.000 em 1925. Foi introduzido um novo método de ensino, pelo qual o aluno aprenderia, não através do esforço da memória, mas através da vontade própria em aprender e criadas as escolas superiores primárias, que aumentariam, pelo menos assim se desejava, o nível educacional. Algumas destas medidas que foram abolidas, mais tarde, pelo Estado Novo não atingiram resultados significativos. O analfabetismo apenas diminui de 69% em 1910, para 64% em 1920. O Governo justificou estes parcos resultados com a falta de professores e dificuldades financeiras. Contudo, algumas reformas de natureza pedagógica foram introduzidas no ensino secundário e a escolaridade entre as crianças com idade compreendida entre 10/18 anos, subiu 0,8% em 1910 para 1,5% em 1917, e 2% em 1925. O número de professores do ensino secundário era reputado suficiente, e a taxa aluno/professor manteve-se constante de 17 em 1913, para 16 em 1923.


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