-A CADEIA COMARCÃ
DE ALCOBAÇA-
Fleming
de Oliveira
O Dr. Mário Ferreira da Rocha Calisto, Delegado do
Procurador da República e Diretor da Repartição de Investigação, junto da
Polícia Cívica de Lisboa, em 1912 publicou o opúsculo A Comarca de Alcobaça,
nos annos de 1905 a 1911, onde fazia acusações muito graves ao funcionamento do
Tribunal e Cadeia Comarcã, instalados em más condições na Ala Norte do
Mosteiro, respetivamente no primeiro andar e rés do chão, desde que em 4 de
Agosto de 1837, foi feita concessão à Câmara Municipal para ali os sediarem,
conjuntamente com outros serviços públicos.
A cadeia, como vinha denunciando o Dr. Calisto, não
tinha condições nem segurança, pelo que não era, de todo rara, a evasão de
detidos. A fuga ocorrida em Julho de 1914, teve um impacto especial. Doze
presos, arrombaram numa noite de sexta-feira para sábado, as grades da janela
da cela que dava para o Rossio, obrigando os companheiros a vir também para a
rua. Só na manhã de sábado, as autoridades tomaram as providências conducentes
à captura dos fugitivos. Seis deles, apresentaram-se pouco depois ao carcereiro
que ficou perplexo, mas os restantes continuaram ao largo, com pouca vontade de regressar à hospedaria. Este
acontecimento, mais uma vez, fez reconhecer a imperiosa necessidade de a cadeia
ter uma guarda permanente (o carcereiro ao fim do dia ia para casa e só
regressava de manhã), de modo a prevenir e evitar a repetição de acontecimentos
dessa natureza.
Esta fuga não foi única, nem a primeira. Por volta das
três horas de 7 de Novembro de 1901, seis presos na cadeia comarcã de Alcobaça,
depois de serrarem as grades da janela da cela, abrirem a porta de madeira da
janela com uma chave feita a partir de um garfo e compeliram os demais a
acompanhá-los. Uma vez na rua, antes de rumarem a um qualquer destino,
dirigiram-se para a rua D. Pedro V, a fim de assaltar o estabelecimento de
venda de produtos alimentares do comerciante José Manuel Peça, o que não
conseguiram por a porta ter resistido. Nove dos fugitivos, como no episódio
anterior, ter-se-ão arrependido pelo que, ao raiar do dia, foram bater à porta
da cadeia mesmo antes da chagada do guarda. Informados do sucedido, o Delegado
do Procurador Régio e o Secretário da Administração do Concelho, Rafael Pinto
Eliseu, trataram de adotar as medidas que o caso reclamava, pelo que este, logo
de manhã pelas 10 horas, acompanhado por um polícia, deu busca a um bordel
muito frequentado e às tabernas da vila e redondezas, sem esquecer as casas de
família dos fugitivos. Informado por umas peixeiras, de que um dos fugitivos
fora visto a dirigir-se a pé na estrada para a Nazaré, Rafael Pinto Eliseu para
aí rumou na companhia de um polícia e de um oficial da Administração,
capturando-o facilmente, pois não ofereceu resistência. Nesse momento, o
fugitivo confessou-se aliviado por ter terminado a aventura e indicou a Venda
das Raparigas como a direção que os outros tomaram. Assim, as autoridades para
lá se dirigiram, pelo que na Charneca da Memória do Rei, eram presos pouco
depois, o ex-sacristão e ex-seminarista Bispo
e o serralheiro Lagarto, mentores da
operação e tidos como os mais perigosos, com fome e sem oferecerem resistência
mas que, por estarem armados, foram conduzidos com escolta militar para Rio
Maior, não sem ainda haverem também esclarecido que havia companheiros de fuga
escondidos na Rabaceira. Expedido um telegrama para o Administrador do Concelho
de Caldas da Rainha, este não fez demorar as providências, pelo que, no dia
seguinte, era recebido na Administração do Concelho em Alcobaça uma informação
telegráfica dando conta da prisão dos fugitivos. O Bispo e o Lagarto vieram
a ser condenados no Tribunal de Alcobaça a pesada pena, seguida de degredo em
Angola, de onde ao que se saiba não regressaram.
No segundo domingo de Julho de 1909, cerca das 14 horas,
o perigoso António dos Santos, o talhante Milheiro,
que tinha sido condenado em pena maior, por um sádico crime de homicídio
utilizando uma faca para abater suínos, evadiu-se da prisão da vila, de uma
forma engenhosa e pouco de previsível. Enquanto se achava no claustro da prisão,
com outros presos a receber visitas, o carcereiro preparou-se para ir levar ao
Quartel as latas vazias para serviço da alimentação dos presos, pelo que
colocou o tabuleiro à cabeça e dirigiu-se para a porta de saída, vindo o Milheiro logo atrás e muito junto a ele,
sem que tivesse sido notado, pois usava alpercatas que lhe abafavam o ruído dos
passos. O preso assistiu ao abrir e fechar da porta, acompanhou os passos e
movimentos do carcereiro saindo ambos para a rua, onde aguardou a ida do
carcereiro para o quartel, encostado a porta da prisão a fumar um cigarro.
Passado pouco tempo, atravessou o Rossio a fingir contar dinheiro para
disfarçar e não despertar espanto e seguiu pela Travessa da Cadeia
desaparecendo.
Como se alimentavam os presos?
Há poucas descrições do que era a vida prisional no
País, mas as que existem ou a ideia que se recolhe, é pouco abonatória, tal
como decorre de algumas conversas com o alcobacense Manuel Carcereiro. Em muitos casos, era uma pequena broa muito dura e duas
malgas de caldo aguado, num ritmo quotidiano e imutável. Os que tinha mais
recursos ou família, defendiam-se melhor, sem prejuízo de por vezes terem de
dar uma comissão em géneros ao guarda ou carcereiro.
Quando o carcereiro regressou do quartel, constatou a
evasão do Milheiro e, apesar das
providências imediatamente adotadas e das pistas seguidas, apenas na noite de
terça para quarta-feira, por volta da hora de jantar, foi capturado no lugar de
Salgado/Famalicão da Nazaré, em casa de José Maria Saraiva seu cunhado, também
talhante que foi preso como cúmplice, dando ambos entrada na cadeia mal chegou
o carcereiro.
A captura efetuou-se no momento em que o Milheiro estava a contar ao Saraiva e à
mulher, com prazer, calor e entusiasmo, a forma como tinha praticado à facada o
homicídio de um vizinho, que lhe devia 30 reis desde a Páscoa!
Esta captura foi devida às prontas e acertadas
providências tomadas pelo Delegado do Procurador Régio Dr. Mário Calisto, ao
bom e auxilio prestado pelos Administrador do Concelho e seu Secretário, bem
como das forças policiais requisitadas. O Milheiro
veio a ser condenado a 20 anos de prisão e degredado para África, de onde
ao que consta não terá regressado.
Estava ainda muito longe o tempo de haver condições para
que os presos da cadeia de Alcobaça tivessem a sua Festa de Ano Novo, como veio
a acontecer em 1921, em que uma comissão composta pelo Delegado do Procurador
da República/Almeida Ribeiro, Administrador substituto do Concelho/Joaquim
Ferreira da Silva e o Solicitador encartado /Manuel da Silva Carolino (mais
tarde polémico Presidente da Câmara, muito conotado com o Estado Novo), tomou a
iniciativa de lhes oferecer um jantar na sala de audiências do tribunal. A sala
recebeu funcionários judiciais, das finanças, do município, advogados e algum
público, tendo durante o jantar atuado com agrado a Banda de Alcobaça, paga com a refeição. No fim do jantar,
subiu à tribuna o Dr. Almeida Ribeiro, que agradeceu as cerca de 20 presenças,
e particularmente, as da Banda. A instâncias de alguns amigos, o Dr. Alberto
Vila Nova, referiu o significado da inédita iniciativa, já que não era
conhecido no País algo semelhante, que prestigiava a comarca e a justiça, conseguindo com a sua palavra fluente e
burilada tocar a sensibilidade dos próprios presos, como o testemunharam as
lágrimas que dos seus olhos nessa ocasião se desprenderam em abundância.
Na antiga Sala das Conclusões do Mosteiro, funcionou a
Repartição de Finanças e a cadeia comarcã, como se referiu. Neste espaço decorriam os atos que não fossem de
caráter religioso como assinaturas de acordos, escrituras ou testamentos. Até
aos princípios do séc. XVII, estiveram nesta sala as estátuas de alguns Reis de
Portugal que, a partir do séc. XVIII, passaram para a denominada Sala dos Reis.
A partir do séc. XVIII na Sala das Conclusões tinham lugar os encontros com convidados
importantes dos Abades. Na pedra de duas janelas que dão para a atual
Praça 25 de Abril, encontram-se gravadas umas inscrições feitas por presos, de
que se destacam duas, uma de 1911 e outra de 1921, esta da autoria de José de
Sousa, de Valado de Frades, que entrou em 23 de Junho de 1921, pelas 6 horas
que ainda encontrou na prisão, José Verdasca, dos Montes, que havia anavalhado
Francisco Miguel no ventre, que veio a falecer no Hospital de Alcobaça, sem
possibilidade de ser transferido para o de S. José em Lisboa.
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