terça-feira, 28 de janeiro de 2014

-A MISERICÓRDIA E O NOVO HOSPITAL DE Alcobaça (1890)-


-A MISERICÓRDIA E O NOVO HOSPITAL DE Alcobaça (1890)-

Fleming de Oliveira

O movimento das Misericórdias em Portugal remonta de 15 de Agosto de 1498, ano em que os portugueses descobriram o caminho marítimo para a Índia, quando a Rainha Dª. Leonor, viúva de D. João II fundou (com o apoio de D. Manuel I), a Irmandade de Invocação a Nª. Srª. da Misericórdia, com sede na Capela de Nª. Sª. da Piedade da Sé de Lisboa. O desenvolvimento da expansão marítima, da atividade portuária e comercial, acarretava o afluxo de gente aos grandes centros urbanos, especialmente Lisboa, que vinha à procura de trabalho ou mesmo de fortuna em difíceis condições de vida. As ruas transformavam-se em antros de promiscuidade e doença, onde se aglomeravam pedintes, estropiados e enjeitados. Também os naufrágios e as guerras davam azo a muitas de viúvas e órfãos. Por outro era, muito grave a situação dos presos. A ação da Misericórdia foi inicialmente protagonizada por cem membros que ajudavam os pobres, os presos e os doentes, no quadro do seu Compromisso/14 Obras de Misericórdia sendo 7 delas espirituais (ensinar os simples, dar bons conselhos, castigar os que erram, consolar os tristes, perdoar as ofensas, sofrer com paciência, orar pelos vivos e pelos mortos), bem como sete corporais (visitar os enfermos e os presos, remir os cativos, vestir os nus, dar de comer aos famintos e de beber aos sedentos, abrigar os viajantes e enterrar os mortos). Estas obras radicam-se na doutrina cristã e nos textos do Evangelho de São Mateus, nas Epístolas de São Paulo e outros Doutores da Igreja ou provem de tradições de povos antigos, incorporadas no cristianismo.
Portugal, nos séculos XV e XVI, era um país repleto de desequilíbrios, que canalizava uma parte substancial dos seus recursos e vontades para a gesta das Descobertas, apesar da população carecer de condições para fazer face às dificuldades da vida, especialmente na doença ou nos surtos de peste. Em resposta a essa necessidade, a Misericórdias foram-se espalhando por todo o território, incluído o Ultramarino da Ásia, África ou Brasil. Entre 1498 e 1525, ano da morte da Rainha Dª. Leonor, foram fundadas dezenas de instituições semelhantes, cujo ato de constituição consistia num compromisso dos fundadores e ou instituidores, denominados a Irmandade.
Frei Miguel Contreiras terá sido um pregador e amparo dos mais desfavorecidos. Segundo a História ou a lenda, andava pelas ruas de Lisboa com um anão que recolhera e um jumento no qual carregava as esmolas, para acordar a caridade e acudir aos pobres e indefesos. A sua fama chegou aos ouvidos da Rainha D. Leonor, que o nomeou seu confessor e mestre espiritual. Em 1484, esta fundou o Hospital das Caldas da Rainha, dedicado aos pobres, onde instituiu uma confraria de caridade, sendo este um prenúncio da Misericórdia e em colaboração com Frei Miguel Contreiras, desenvolveu obras significativas de ajuda aos necessitados.
Foi então em finais do século XV que, um alegado grupo de bons e fiéis cristãos, liderados por Frei Miguel Contreiras, na presença da Rainha Dª. Leonor e das mais altas personalidades religiosas e civis, assumiu o compromisso de se dedicar à prática das 14 Obras de Misericórdia.
Isabel dos Guimarães Sá, (Universidade do Minho) defende, porém, que não há documentos históricos que comprovem a existência deste frade. Esta opinião é partilhada por outros investigadores, que entendem que aquele frade foi uma invenção da Ordem dos Trinitários, em luta pela sobrevivência.
Gustavo de Matos Ferreira apresenta Frei Miguel de Contreiras como pertencente à Ordem da Santíssima Trindade. Frei Miguel era a providência dos pobres. Adoravam-no. Quando pregava na Igreja, enchia-se esta até à porta e transbordava até ao rossio da Trindade. Quando morreu, a populaça alfacinha pôs luto no coração. A descrição de G. Matos Ferreira foi retirada de autores do século de XIX, nomeadamente de Costa Goodolphim e Vítor Ribeiro que também apresentavam o frade trinitário como a alma, a cabeça pensante da Misericórdia de Lisboa. Estes dois autores ter-se-ão inspirado no célebre Santuário Mariano, de Frei Agostinho de Santa Maria. A obra, de 1707 apresenta Frei Miguel Contreiras como primeiro Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e co-autor dos Compromissos, sendo descrito com as virtudes de santo e venerado varão.
Gozando a Rainha viúva Dª. Leonor de grande influência na corte e junto do rei D. Manuel I, foi nesse momento que surgiu a Irmandade da Nª. Srª. da Misericórdia de Lisboa, com a aprovação do Rei e que foi a génese das que lhe seguiram. Durante os seus cinco séculos de existência, a ação de assistência social das Misericórdias tem assentado nos pilares das já referidas 14 Obras de Misericórdia, a espinal medula da sua cultura institucional.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tornou-se, como é corrente em Portugal, a maior e mais importante, ao ponto de passar a ser controlada pelo Estado a partir do início do século XX e usufruir do monopólio da exploração dos jogos sociais, canalizando parte das respetivas receitas para a sua missão assistencial.     

Desde 1563, a SCMA/Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça já com Mesa eleita e demais cargos distribuídos, aquisição de bandeira, véstias, crucifixo, campainha, retábulo, quatro lanternas, tumba e respetivo pano, tem sido exemplo de bem-fazer, tornando-se um referencial da simpatia e respeito da comunidade alcobacense.
Uma das obras mais importantes, consistiu na construção do Hospital de Alcobaça.
Bernardino Lopes de Oliveira, abastado proprietário com fortuna feita no Brasil, onde possuiu engenhos de açúcar que não recusavam o trabalho de africanos, tendo em 1886 sido empossado Provedor da Misericórdia/Provedor Honorário em 1900, convocou uma reunião de alcobacenses, a quem expôs as muito deficientes condições de funcionamento do Hospital apesar das obras de 1851/1853 e os sondou sobre a possibilidade de construção um novo, espaçoso, arejado e moderno na Roda, local aliás sugerido pelos facultativos da terra. Este hospital não deixou, porém, de assistir aos militares franceses de Junot, nem aos militares portugueses feridos nas lutas liberais. Tendo em conta a excelente recetividade da ideia de B. Lopes de Oliveira, passaram a efetuar-se contactos porta a porta, o que permitiu arrecadação de receitas para o arranque. Alguns dos fundadores, com destaque para Lopes de Oliveira ou Barreto Perdigão, utilizaram os seus contactos fora de Alcobaça, para solicitarem e obterem apoios e donativos. A Câmara Municipal cedeu o terreno, a Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça o saldo da gerência e o produto da venda do edifício de um hospital que funcionava desde pelo menos 1617 na Rua do Castelo, o Hospital de S. Miguel e o Governo a madeira de um pinhal do Estado. Em 1776 fora ali inaugurado o hospital concelhio. A 18 de Abril de 1888, ao meio dia, na presença das autoridades civis, militares e religiosas mais representativas e muitos populares que vieram até do Valado de Frades e Nazaré, especialmente mulheres, com emoção, música e foguetes, foi lançada a primeira pedra. Quem não teve condições para dar dinheiro, prestou contribuições em trabalho, pois era muito mal entendido não colaborar nesta obra ímpar. A 15 de Agosto de 1890, com a presença de muitos convidados civis, militares e religiosos e os Provedores da Santa Casa de Lisboa, de Leiria, de Caldas da Rainha, de Porto de Mós e da Confraria da Nazaré o seu amigo Porfírio José Caiado, Provedor entre 3.2.1890/24.11.1896, foi inaugurado o Hospital e, no dia seguinte, transferidos os doentes que se encontravam no edifício velho, sito na Rua do Castelo. Estava consumada uma obra para a qual muitos alcobacenses, cada qual a seu modo, contribuíram generosa e gostosamente e ainda iriam faze-lo durante anos.
O projeto de Regulamento Interno do Hospital e da Administração da Misericórdia, foi elaborado pelos médicos Dr. Francisco Zagallo e Dr. Barreto Perdigão/Provedor da Santa Casa da Misericórdia em 1910. Estes, o Dr. António de Sousa Neves e o Dr. Santiago Ponce y Sanchez, há pouco tempo em Alcobaça, onde fora provido como facultativo municipal em 1896, reconhecendo os perigos de contágio do flagelo da tuberculose, que estava a alastrar, convenceram a Misericórdia a construir um pavilhão isolado, para tratamento de doenças contagiosas, para o qual o Dr. Álvaro Possolo declarado irmão benemérito da Misericórdia em 1902. Obteve um significativo contributo material, pelo que foi dado o seu nome a uma das enfermarias. Para custear a obra, a Misericórdia, em 26 de Agosto de 1901 resolveu aplicar o saldo da gerência do ano económico anterior, isto é 1900, a receita que sobrar da sua despesa habitual do ano de 1901 e anos subsequentes até ao completamento do pavilhão, bem como quaisquer donativos, que as pessoas bem formadas e os espíritos caritativos, que não falecem nesta terra, se dignarem oferecer espontaneamente com este intuito económico. É de esperar que mais uma vez se afirmem os sentimentos altruístas dos nossos conterrâneos, que se evidenciaram de um modo brilhantíssimo nos numerosos e avultados donativos para a edificação do nosso hospital, acorrendo a auxiliar a iniciativa da mesa da Misericórdia para que em breve difunda os seus benefícios o pavilhão projectado pois que só com os modestos recursos da Misericórdia levará alguns anos a concluir-se. Em 1902, Augusto Rudolfo Jorge promoveu, para angariar fundos para a construção do pavilhão, a organização de um Sarau no Teatro Alcobacense.
Francisco Baptista Zagallo, nasceu em Ovar em 23 de Maio 1850 e faleceu em Alcobaça, em 25 de Maio 1910. Licenciado em Medicina, pela Universidade de Coimbra em 1876, foi provido a facultativo municipal de Alcobaça, em 4 de Setembro. Exerceu funções como Presidente do Montepio Alcobacense, Vereador, Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça entre 1907/1909 e deixou marcas positivas no Asilo da Infância Desvalida do Distrito de Leiria, no Clube, na Fanfarra, na Orquestra, na Confraria do Santíssimo, no Teatro e na Liga de Instrução. Dois dos seus momentos mais relevantes, prendem-se com a construção deste Hospital e a Exposição/Kermesse dos Produtos Alcobacenses havida no Claustro de D. Dinis de 1 a 13 de Maio 1913, que voltaremos a referir. Este foi um evento da maior projeção e disso Zagallo deixou uma descrição interessante, ilustrada pelos clichés de Manuel Vieira Natividade. Leiam-se a propósito o Relatório da Exposição Alcobacense realizada de 1 a 13 de Maio de 1906, de F. B. Zagalo e Alcobaça d’ Outro Tempo, de Manuel Vieira Natividade. Recorde-se que o Claustro de D. Dinis encontrava-se emparedado para a Sala do Capítulo, que servia de Picadeiro ao Quartel, que ocupava os Claustros do Cardeal e do Rachadouro. Um cliché de M. V. Natividade mostra o Stand da Fiação e Tecidos de Alcobaça, no nicho criado pelo portal fechado da Sala do Capítulo. Numa fotografia existente no Arquivo Municipal de Lisboa, pode-se observar a mesma parede, pelo lado da Sala do Capítulo, com porta de homem para passagem e com o pavimento em terra batida, como convém a um picadeiro. Os espaços em frente às janelas da Sala do Capítulo, também emparedadas, foram ocupados pelas exposições de Firmo da Trindade.
O Hospital ao longo de anos recolheu inúmeros e importantes apoios, por parte de políticos, instituições locais e não só ou mesmo de emigrantes, como foi o caso de um grupo de amadores de teatro que, a 3 e 4 de Maio de 1890, vieram de Leiria realizar graciosamente uma gala ao Teatro Alcobacense, de Rui Froes Barreto, filho de Sanches Barreto, que ofereceu uma libra, Álvaro Possolo que conseguiu um significativo subsídio anual para apoiar o seu funcionamento ou José Cupertino Ribeiro que ofereceu 15 lençóis e 48 guardanapos. Muito mais tarde, em plena I República José Eduardo Raposo de Magalhães, doou ao Hospital 50$000 reis para sufragar a alma de sua mãe Maria Silvéria Raposo de Magalhães, gesto digno de merecer o aplauso e a admiração dos alcobacenses republicanos, bem como fez doação dos seus títulos de dívida pública
Álvaro Possolo nasceu em Alcobaça a 08.10.1855, de nome completo Álvaro Augusto Froes Possolo de Sousa. O dinâmico e bairrista Advogado e Deputado pelo 30º Círculo Eleitoral de Alcobaça Álvaro Possolo, também conseguiu importantes apoios para o Asilo de Infância Desvalida do Distrito de Leiria, com sede em Alcobaça. Depois de o Asilo ter mudado as instalações da R. Frei António Brandão para a R. Frei Fortunato, no palácio Visconde Costa Veiga, tendo em conta os relevantes serviços prestados, este recebeu o nome de Asilo de Infância Desvalida Álvaro Possolo. O Asilo ia recebendo outros apoios materiais, como o subsídio de 200$000 reis do Governo Civil de Leiria graças ao empenhamento do Maj. Cav. João Serra Conceição, a quem a comissão administrativa daquela casa, decidiu propor como sócio honorário/benemérito.
José Cupertino Ribeiro, era natural de Pataias, filho, neto e bisneto de sacristães, filho de um pequeno lojista com um parente em Lisboa proprietário de um estabelecimento de ferragens na Baixa, aonde começou a trabalhar como aprendiz de marçano até ter o seu próprio negócio. Dizia-se que possuía uma caligrafia muito bonita, fez o exame de 2º. grau com distinção e frequentou com sucesso um curso comercial. Não sendo um católico praticante, nunca repudiou nem afrontou a Igreja, nem pertenceu à maçonaria. Membro do Diretório incumbido pelo Congresso Republicano de Setúbal, em 1908, de concretizar a Revolução, Cupertino Ribeiro filiou-se no PRP com 18 anos. Graças ao esforço e habilidade para o negócio, veio a ser um rico comerciante, industrial e gestor, proprietário de Cupertino Ribeiro & Compª., da Fábrica de Estamparia e Tinturaria de Rio de Mouro, cuja bolsa esteve sempre disponível para ajudar a causa da República e os mais necessitados. Foi Presidente da Associação de Lojistas de Lisboa. Implantada a República foi eleito Deputado à Assembleia Constituinte por vontade expressa dos republicanos de Alcobaça, sendo posteriormente Senador. Cupertino Ribeiro, ao que se dizia no Centro Republicano de Alcobaça, ambicionava ser Ministro das Finanças do  Governo Provisório, tendo sido preterido em favor de Sidónio Pais, conotado com a ala radical e jacobina do Partido Republicano (contrariamente aquele que se postou ao lado dos moderados), tendo mais tarde aderido ao Partido Unionista, fundado por Brito Camacho.
O Hospital necessitava de recrutar pessoal, como criados de limpeza que soubessem ler e escrever para o que abriu concurso, aos quais se propunha pagar o salário mensal de 240 reis para os homens e 100 reis para as mulheres, acrescido de alimentação. Por ocasião do primeiro aniversário da inauguração, as portas do Hospital foram franqueadas ao público para o visitar, e apreciar a sua inexcedível limpeza e higiene e as suas enormes enfermarias, sempre lavadas e com bom ar. Bernardino Lopes de Oliveira, aproveitou a efeméride para oferecer, à sua custa, uma baquete de castiçais para a capela. De Pernambuco/Brasil, foi recebido o produto de uma subscrição realizada entre a comunidade portuguesa onde Lopes de Oliveira deixou relações, iniciativa que Alcobaça desconhecia e que motivou um agradecimento que este canalizou. Os alcobacenses Joaquim Serrano de Figueiredo, Francisco da Silva e António de Matos Branco ofereceram, por sua vez, diversas porções de camisas de milho e palha para as camas do Hospital.
A Santa Casa da Misericórdia de Alcobaça, em Janeiro de 2001 abriu o seu Lar Residencial, instalado numa estrutura ampla e moderna, composta por 2 pisos com capacidade para acolher 70 residentes, que se tem revelado um sucesso. Dez meses mais tarde, para poder dar resposta ao grande número de inscrições para internamento (que não pode satisfazer), deu início ao Serviço de Apoio Domiciliário.
Atualmente, a Santa Casa da Misericórdia conta com cinco valências: Lar Residencial, Apoio Domiciliário Alargado, Atendimento e Acompanhamento da Medida de Rendimento Social e Inserção e Banco Alimentar.

-D. CARLOS E D. AMÉLIA-

Em 25 de Junho de 1891, deslocaram-se a Alcobaça, a partir das 17 horas, D. Carlos e Esposa D. Amélia, depois de terem visitado o Mosteiro da Batalha, sendo recebidos pela população e pelas forças vivas, em ambiente festivo. A chegada foi anunciada com foguetório, repicar dos sinos e pela execução do Hino da Carta, interpretado em conjunto por 3 filarmónicas (Alcobaça, Vestearia e Maiorga). As ruas do cortejo, foram engalanadas com mastros e galhardetes, e das janelas dos prédios do Rossio e Repartições Públicas, pendiam colchas de seda e damasco. As 3 bandas filarmónicas, colocadas em outros tantos locais, interpretavam temas populares, e um Esquadrão de Cavalaria 9, do Quartel do Mosteiro, fez a guarda de honra. Os operários da Companhia de Fiação e Tecidos, tendo à frente o diretor Araújo Guimarães, marcaram presença, formaram alas para a passagem do trem dos visitantes, a quem por sua vez, as operárias atiraram pétalas de rosas. À porta de entrada do templo, os Reis foram recebidos debaixo do pálio, ouvindo um Te Deum. Do Mosteiro, o casal real dirigiu-se ao Quartel de Cavalaria 9, ao qual à saída ofereceu, 10 libras para melhoria do rancho. Em visita ao Hospital, o casal real tinha à espera a Mesa da Misericórdia e os médicos da casa, e no Livro de Honra, registou:
Aproveito a ocasião desta visita para felicitar a Mesa da Misericórdia pela perfeição de arranjo e de asseio em que tem o seu Hospital.
25 de Junho de 1891
El-Rei D. Carlos
D. Amélia-Rainha.
Terminada a visita, os monarcas retiraram para Caldas da Rainha, por caminho-de-ferro, a partir da estação de Valado de Frades. A ligação entre Alcobaça e Valado de Frades, fazia-se através de uma estrada de terra, onde os buracos eram tantos que como se dizia popularmente revoltavam o estômago de um cristão, pelo que o percurso demorava cerca de 1 hora, mas que o casal real suportou estoicamente.
Os Reis deslocavam-se de comboio, com alguma frequência, ao Oeste. A Rainha D. Amélia, em Maio de 1892, visitou o atelier de Bordalo Pinheiro, em Caldas da Rainha, para apreciar a jarra que este fez para ser exibida no Pavilhão de Portugal, na Exposição Universal de Chicago, de 1893. A Exposição Universal de Chicago apresentou, entre mil coisas portentosas, um elefante artificial com 125 pés de altura que, por meios de engenhoso mecanismo, movia a tromba, as orelhas e os olhos, bem como podia deslocar-se de um ponto para outro. No ventre do animal havia duas salas, uma para bailes e a outra para restaurante, muito reservado. O vereador Augusto Rudolfo Jorge, que tinha estado por esses dias em Lisboa, contou que na Estação do Rossio viu um palhaço mecânico que tocava um bombo, perante enorme gáudio popular, mediante o pagamento de uma moeda, havendo pessoas que ali se deslocavam expressamente, até de Sintra, para o ver.
Em 29 de Abril de 1907, de novo D. Carlos visitou Alcobaça, acompanhado do príncipe alemão e primo Guilherme de Hohenzollern-Sigmarinen.
D. Amélia havia feito uma visita particular ao Mosteiro de Alcobaça em Agosto de 1892. De origem francesa, filha dos Condes de Paris, pretendentes ao trono de França, era pessoa culta e artista e que, não obstante os tempos conturbados do fim da monarquia e do exílio que cumpriu, assumiu sempre postura digna e respeitável. D. Amélia foi uma meritória pintora e desenhadora, sendo a sua obra mais conhecida, a coleção de desenhos do Paço de Sintra, destinados a ilustrar o estudo do Conde de Sabugosa sobre esse Palácio Nacional. No exílio, em França onde passou os últimos trinta anos das quatro décadas de exílio, pois o Estado francês que havia banido a respetiva família real em 1886, recebeu a ex-Rainha Portuguesa, manifestou para com os desprotegidos de Portugal, o espírito beneficente. Note-se, que o produto da venda da edição em dois volumes fac-similados de Mes Dessins, reverteu a favor da Associação Nacional aos Tuberculosos.  D. Amélia, enquanto Rainha, dedicou parte do tempo a fundar instituições de beneficência, ligadas à saúde, à ciência e à cultura, com destaque para dispensários e sanatórios, lactários, cozinhas económicas, bem como as creches que davam assistência às crianças pobres. Em 1899, criou a Assistência Nacional aos Tuberculosos e o Instituto Pasteur, com o nome de Instituto Câmara Pestana. O interesse pelos bens e cultura portugueses, levou-a a fundar o Museu Nacional dos Coches. Nesse mês de Agosto de 1892, D. Amélia, veio a Alcobaça acompanhada pelo Conde de Sabugosa e Esposa, para desenhar alguns temas do Mosteiro, em fase de nítida degradação, por incúria dos governantes locais e não só bem como a avidez de algumas pessoas da própria terra. Segundo a imprensa local, naquela mansão de luto que arte tornou tão bela, a presença da Rainha, sentada num tosco escadote, desenhando o túmulo de outra rainha que a precedeu no mesmo trono e cuja existência custou tantas lágrimas a uma pobre repudiada, tomou a nossos olhos um vulto especial, uma especial feição. Não víamos nela somente a mulher coroada, víamos uma artista modestamente vestida, extasiada ante um modelo que foi um primor na arte (...). Vimos a arqueóloga seguindo a evolução da arte, não se importando com os dramas e os idílios que cada um daqueles monumentos representa.

O Mosteiro de Alcobaça, sintetiza alguns aspetos que identificam Portugal como Povo e Nação centenários. Talvez, por isso, segundo a mesma fonte, uma mulher de origem francesa tentou em Alcobaça compreender o verdadeiro e profundo ser e sentir de um Povo, que não nutria especial simpatia pela Monarquia, mas que, em geral, nunca deixou de pessoalmente a considerar. Após ter almoçado no Claustro de D. Dinis, sentada nuns degraus arruinados, demorou-se seis horas em trabalho delicado e paciente e, ao despedir-se, disse que voltaria muitas vezes, porque tinha muito que desenhar ali. D. Amélia, não voltou a Alcobaça, nem quando terminada a II Guerra, foi mais uma vez autorizada a visitar Portugal. No início da II Guerra, Salazar, perante o avanço e uma eventual ameaça nazi em França, havia-lhe oferecido asilo, que foi recusado. 
Em Portugal, baixa política propalara contra D. Amélia, inúmeras e sórdidas calúnias. Um livro de propaganda, impresso no estrangeiro, chegou a correr clandestino, no qual lhe eram atribuídos secretos e proibidos amores, com homens, e mesmo com mulheres, figuras conhecidas da Corte. Faleceu em França, a 25 de Outubro de 1951, e encontra-se sepultada no Panteão Nacional, ao lado do marido e filhos. 


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