-D. CARLOS, LUIS XVI,AFONSO COSTA E ALCOBAÇA-
Fleming de Oliveira
O Deputado Afonso
Costa virou-se para João Franco e disse implacavelmente e sem tremer a voz: O Senhor Presidente do Conselho é mandatário
do País e os membros do Parlamento, como representantes da nação são seus
mandantes. S. Eª, como administrador ou procurador nosso, tem o dever de trazer
à Câmara as contas dos adiantamentos feitos a eles. A Nação ordena, e declarara
indispensável, que essas pessoas reponham as quantias desviadas com todos os
juros sem exceção de uma só verba; declara formalmente que não consentirá no
aumento da lista civil, nem em qualquer regularização, nem em outro modo acomodatício
de pagamento. E mais ordena do Povo, solenemente, que logo que tudo esteja
pago, diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se senhor, saia do
País, para não ter que entrar numa prisão em nome da lei .
Das galerias, soaram
fortes aplausos, que a Mesa não conseguiu dominar. E Afonso Costa prosseguiu: Por muito menos crimes do que os cometidos
por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI .
Novamente soou a
campainha, Ordem! Ordem, e Tomás
Pizarro de Mello Sampaio (de nome completo, deputado pelo Partido
Regenerador-Liberal, de João Franco, havia assumido a Presidência da Câmara dos
Deputados, entre 1906 e 1908), declarou que
ou o senhor Afonso Costa retira a frase ou tenho de lhe aplicar o Regimento.
Afonso Costa,
repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se ao tumulto que criara: Por muito menos rolou no cadafalso a cabeça
de Luís XVI.
O tumulto aumentou
nas galerias, que os contínuos queriam esvaziar. Os deputados republicanos
gritavam que era ilegal mandar sair o público, encontrando-se a sessão aberta e
não se deviam suspender os trabalhos. Mais uma vez a voz de Afonso Costa
fazia-se ouvir acima de qualquer outra:
-Eu respondo pelos meus actos!
-V.Exª não pode falar… Convido-o a retirar-se do
edifício das Cortes.
Afonso Costa
bradava:Havemos de sair todos! Hão de
prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a liberdade da monarquia.
-Em virtude da resistência do senhor Afonso Costa à
intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a força armada.
Quando os soldados
entraram na sala, num gesto largo e teatral, Afonso Costa ao ser arrastado para
o exterior, virou-se para eles de braços abertos e gritou: Soldados, não tendes o direito de tocar num representante do povo. E
acrescentou: Soldados! Com a minha voz e
as vossas armas baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria
nova.
Dirigindo-se a João
Franco e enquanto partia entre os soldados, Costa gritava de punho erguido: Esta é a sua liberdade!
O Deputado António
José de Almeida, ainda tentou convencer os militares (que apelidava de Filhos
do Povo), a proclamarem nesse momento a República. Este e outros incidentes,
difundidos e ampliados pelos republicanos, levaram a agitação a muitos pontos
do País. Em Alcobaça, tudo em que participava António José de Almeida era
seguido com atenção. Nas Cortes, Afonso Costa e Alexandre Braga, foram julgados
e condenados por ofensas ao Rei na suspensão dos direitos parlamentares por 30
dias.
-ECOS DO INCIDENTE EM
ALCOBAÇA-
Em 3 de Julho de 1907, Câmara Municipal protestou contra
o estado da administração pública decorrente da ditadura franquista, para o que
enviou a Lisboa, uma delegação com dois de seus membros, para pedir o regresso
à normalidade constitucional, a qual foi acolhida com uma certa indiferença
pelo secretário do ministro que a recebeu. O Presidente da Câmara, em 30 de
Dezembro de 1907 anunciou que, em obediência a ordens superiores, abandonava,
tal como os vereadores, a gestão da Câmara, em protesto contra a violação
constitucional e leis regulares do país, fazendo entregar a administração
municipal a uma entidade que não foi eleita pelos munícipes, como decorria da
Carta.
A notícia do acontecimento nas Cortes com Afonso Costa,
chegou a Alcobaça no dia seguinte, trazida de Lisboa por Américo d’Oliveira,
tendo sido recebida com cautela, dados os inusitados termos, e possíveis
efeitos. Todavia, quando na sexta-feira retomaram os seus lugares nas Cortes
(não esperaram 30 dias), os Deputados Afonso Costa e Alexandre Braga, foi
expedido para Lisboa o telegrama de solidariedade:
Drs. Afonso Costa e
Alexandre Braga, câmara dos deputados – Lisboa.
Republicanos de
Alcobaça saúdam os seus deputados e, confiando que eles continuarão a servir o
país e a honrar o seu mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a
injusta violência de que foram vítimas, e nós com eles.
(a) Raposo de
Magalhães
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