quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

-D. CARLOS, LUIS XVI,AFONSO COSTA E ALCOBAÇA-




-D. CARLOS, LUIS XVI,AFONSO COSTA E ALCOBAÇA-

Fleming de Oliveira


O Deputado Afonso Costa virou-se para João Franco e disse implacavelmente e sem tremer a voz: O Senhor Presidente do Conselho é mandatário do País e os membros do Parlamento, como representantes da nação são seus mandantes. S. Eª, como administrador ou procurador nosso, tem o dever de trazer à Câmara as contas dos adiantamentos feitos a eles. A Nação ordena, e declarara indispensável, que essas pessoas reponham as quantias desviadas com todos os juros sem exceção de uma só verba; declara formalmente que não consentirá no aumento da lista civil, nem em qualquer regularização, nem em outro modo acomodatício de pagamento. E mais ordena do Povo, solenemente, que logo que tudo esteja pago, diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se senhor, saia do País, para não ter que entrar numa prisão em nome da lei .
Das galerias, soaram fortes aplausos, que a Mesa não conseguiu dominar. E Afonso Costa prosseguiu: Por muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em França, a cabeça de Luís XVI .
Novamente soou a campainha, Ordem! Ordem, e Tomás Pizarro de Mello Sampaio (de nome completo, deputado pelo Partido Regenerador-Liberal, de João Franco, havia assumido a Presidência da Câmara dos Deputados, entre 1906 e 1908), declarou que ou o senhor Afonso Costa retira a frase ou tenho de lhe aplicar o Regimento.
Afonso Costa, repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se ao tumulto que criara: Por muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI.
O tumulto aumentou nas galerias, que os contínuos queriam esvaziar. Os deputados republicanos gritavam que era ilegal mandar sair o público, encontrando-se a sessão aberta e não se deviam suspender os trabalhos. Mais uma vez a voz de Afonso Costa fazia-se ouvir acima de qualquer outra:
-Eu respondo pelos meus actos!
-V.Exª não pode falar… Convido-o a retirar-se do edifício das Cortes.
Afonso Costa bradava:Havemos de sair todos! Hão de prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a liberdade da monarquia.
-Em virtude da resistência do senhor Afonso Costa à intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a força armada.
Quando os soldados entraram na sala, num gesto largo e teatral, Afonso Costa ao ser arrastado para o exterior, virou-se para eles de braços abertos e gritou: Soldados, não tendes o direito de tocar num representante do povo. E acrescentou: Soldados! Com a minha voz e as vossas armas baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria nova.
Dirigindo-se a João Franco e enquanto partia entre os soldados, Costa gritava de punho erguido: Esta é a sua liberdade!
O Deputado António José de Almeida, ainda tentou convencer os militares (que apelidava de Filhos do Povo), a proclamarem nesse momento a República. Este e outros incidentes, difundidos e ampliados pelos republicanos, levaram a agitação a muitos pontos do País. Em Alcobaça, tudo em que participava António José de Almeida era seguido com atenção. Nas Cortes, Afonso Costa e Alexandre Braga, foram julgados e condenados por ofensas ao Rei na suspensão dos direitos parlamentares por 30 dias.
-ECOS DO INCIDENTE EM ALCOBAÇA-
Em 3 de Julho de 1907, Câmara Municipal protestou contra o estado da administração pública decorrente da ditadura franquista, para o que enviou a Lisboa, uma delegação com dois de seus membros, para pedir o regresso à normalidade constitucional, a qual foi acolhida com uma certa indiferença pelo secretário do ministro que a recebeu. O Presidente da Câmara, em 30 de Dezembro de 1907 anunciou que, em obediência a ordens superiores, abandonava, tal como os vereadores, a gestão da Câmara, em protesto contra a violação constitucional e leis regulares do país, fazendo entregar a administração municipal a uma entidade que não foi eleita pelos munícipes, como decorria da Carta.
A notícia do acontecimento nas Cortes com Afonso Costa, chegou a Alcobaça no dia seguinte, trazida de Lisboa por Américo d’Oliveira, tendo sido recebida com cautela, dados os inusitados termos, e possíveis efeitos. Todavia, quando na sexta-feira retomaram os seus lugares nas Cortes (não esperaram 30 dias), os Deputados Afonso Costa e Alexandre Braga, foi expedido para Lisboa o telegrama de solidariedade:
Drs. Afonso Costa e Alexandre Braga, câmara dos deputados – Lisboa.
Republicanos de Alcobaça saúdam os seus deputados e, confiando que eles continuarão a servir o país e a honrar o seu mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a injusta violência de que foram vítimas, e nós com eles.
(a) Raposo de Magalhães

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