O MAPA
COR DE ROSA
E
ALCOBAÇA
Fleming
de OLiveira
-O
DIREITO HISTÓRICO VS. OCUPAÇÃO EFETIVA-
Militares, cientistas, comerciantes, caçadores,
aventureiros ou missionários católicos, penetravam no sertão africano por
proselitismo, em busca de fortuna ou glória.
Invocando um Direito Histórico, decorrente da primazia da ocupação, Portugal reivindicava
vastas áreas, embora em nalguns casos, apenas dominasse feitorias em estreitas
faixas costeiras e respetivos arredores. Em Moçambique, o território que
Portugal ocupava era substancialmente inferior ao de Angola. Na Guiné, a
presença portuguesa resumia-se, quase, ao litoral. A partir de 1870, com o Congresso de Berlim, vingou a tese que o Direito
Histórico não seria suficiente e que a presença portuguesa impunha o
alargamento rumo ao interior das possessões ultramarinas reclamadas.
Ao longo dos anos, houve várias
razões para a diminuta presença portuguesa em África, a que não era estranho a
importância relativa do Brasil, a resistência das populações locais e a
inclemência do clima onde, afinal, os ganhos e empregos pareciam ser pouco
aliciantes. As distribuições de terra também não apresentaram resultados
apreciáveis. África era terra para degredados, aventureiros ou militares. Para
contrariar a diminuta ocupação, iniciaram-se ações (expedições após
expedições), a partir de zonas costeiras de Angola ou Moçambique, destinadas a
promover a exploração e abertura à civilização europeia do interior africano, algo influenciadas pelas grandes e romanceadas
viagens de Livingstone e Stanley. Enfim, era necessário fazer face à
concorrência, perante o risco de usurpação.
-EXPEDIÇÕES-
A primeira expedição, relevante,
realizada pelos Portugueses ainda antes do termo da Guerra Civil, largou em
1831 de Tete/Moçambique, que com objetivos económicos e científicos, teve o
comando do Maj. Correia Monteiro, assessorado pelo Cap. Pedroso Gamito e
integrou 420 carregadores e mercadores. Outras se seguiram, com destaque para
as do comerciante e colono Silva Porto, nas décadas de 1840 e 1850, no
território das atuais Angola e Zâmbia, pela influência que exerceram, aliás nem
sempre produtiva, em prol da soberania portuguesa, sobre sobas em áreas onde
não havia brancos.
Em 1877, após
alguma pausa, o Ministro da Marinha e Ultramar, João
de Andrade Corvo, lançou um conjunto de
iniciativas mais bem planeadas, visando explorar o território que separava Angola e Moçambique, criando os
alicerces para o seu melhor conhecimento cartográfico e comercial e,
obviamente, e expansão portuguesa.
Destacam-se ainda as longas
expedições dos Comandantes Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, e de um antigo companheiro de ambos, o Capitão Serpa Pinto, que atravessou África de lés a lés, ocidente para
oriente.
Anos mais tarde, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros
Barros Gomes, supondo ter o apoio da Alemanha à sua política antibritânica, o
que não se verificou, deu-se início ao projeto que mais tarde ficou conhecido
por “Mapa Cor-de-Rosa”, pois Angola e
Moçambique apareciam ligadas e esse território achava-se colorido em tom
rosado. O objetivo inglês, que conflituava com o de Portugal passava, entre o
mais, por construir uma ferrovia que atravessaria o continente africano pelo
interior, ligando o Cairo à Cidade do Cabo, conforme o enunciado de Cecil
Rhodes.
O governo português ao reclamar áreas
cada vez maiores de território africano, agora através de esforços de ocupação
efetiva, entrava em rota de colisão com outras potências europeias. Nesse
contexto, a Sociedade
de Geografia de Lisboa, criada
em 1875, com
o objetivo de “promover e
auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas” no
enquadramento do movimento europeu de exploração e colonização, dando
particular ênfase à exploração do continente africano, entendeu, por
bem, ser necessário e urgente criar uma barreira às intenções britânicas, pelo
que organizou uma subscrição para manter “estações civilizadoras”
na zona de influência portuguesa no
interior do continente.
-A
CONFERÊNCIA DE BERLIM-
Em 1884, a aceitação pela Grã-Bretanha das
reivindicações portuguesas ao controlo da foz do rio Congo, levou ao
agravamento dos conflitos com potências europeias rivais. Convocada sob
proposta de Portugal, a Conferência de Berlim, teve como objetivo reorganizar a ocupação de África pelas potências coloniais, mas a
final resultou numa divisão que não respeitou, nem a história, nem as relações
étnicas ou familiares dos povos indígenas. O Império Alemão, sem colónias, viu
satisfeita a sua ambição expansionista, passando a administrar o Sudoeste
Africano/Namíbia, e o Tanganica. Os Estados Unidos
da América, tinham a Libéria, cuja história é ímpar, pois, é juntamente com a
Etiópia uma das duas únicas nações da África Subsaariana, sem raízes na disputa europeia, fundada e colonizada
por escravos americanos libertos, com a ajuda da organização privada, a “American Colonization Society ”. A Turquia que não possuía colónias em África, era a cabeça do Império
Otomano, com interesses no norte do continente. Outros países europeus, não
contemplados na partilha de África, eram potências comerciais ou industriais, com
interesses nascentes no continente.
Portugal, foi vencido da Conferência
de Berlim pois, para além de ter vingado a denegação do direito
histórico, viu-se obrigado a aceitar a livre navegação dos rios internacionais
com aplicação ao Congo, Zambeze e Rovuma, territórios tradicionalmente portugueses, e perdeu o
controlo da foz do Congo, que mantinha desde 1884, ficando apenas com o enclave
de Cabinda.
Finda a Conferência
de Berlim, Portugal mais se
consciencializou da imperiosa urgência de delimitar as possessões africanas,
pelo que, logo em 1885, começaram
negociações com a França e
a Alemanha para
delimitar as respetivas fronteiras.
Ao corrente da pretensão portuguesa,
a Grã-Bretanha reagiu,
comunicando a Portugal reputar
nulo o reconhecimento francês e alemão do Mapa Cor-de-Rosa.
-O MAPA
COR DE ROSA E O ULTIMATO DA “PÉRFIDA” ALBION-
As pretensões portuguesas, como se
referiu, estavam em confronto com o
projeto britânico de um caminho de ferro que atravessaria o continente
africano de norte a sul, o qual acabaria por nunca se realizar, dadas as
dificuldades técnicas, climáticas, orográficas e políticas. O governo
português, que necessitava do apoio britânico para a delimitação de fronteiras,
resolveu atrasar a negociação, fazendo saber que as suas pretensões eram as do
Mapa Cor-de-Rosa, que entretanto se
tinha transformado num documento com ampla divulgação pública e objecto de
arraigadas paixões nacionalistas e arma de arremesso política.
A
Grã-Bretanha encontrou-se a administrar a África Austral, com exceção de
Angola, Moçambique e o Sudoeste Africano/Namíbia/Alemanha, a África Oriental, com exceção do Tanganica, partilhou a costa
ocidental e o norte com a França, a Espanha e Portugal/Guiné/Cabo Verde.
O Congo continuou na posse da Associação Internacional do Congo, cujo principal “acionista
” era o rei Leopoldo II, da Bélgica, país que passou
ainda a administrar os pequenos reinos das montanhas, o Ruanda e o Burundi.
Considerando injusta
e injustificável a expropriação do Caminho de Ferro de Lourenço
Marques, a Grã-Bretanha protestou, com o apoio dos Estados Unidos, solicitando
uma arbitragem internacional, que Portugal recusou. Iniciou-se na imprensa
britânica uma forte campanha antiportuguesa, que criou as condições políticas
para a rutura, o Ultimato, pelo
qual foi imposto a Portugal a retirada da zona em disputa, o Vale do Chire, sob
pena de serem cortadas as relações diplomáticas e, eventualmente, iniciada uma
intervenção militar. Isolado, Portugal continuou a protestar, protestar
diplomaticamente, no Parlamento e na rua, mas seguiu-se a inexorável cedência e
recuo, acabando o Mapa Cor-de-Rosa, não sem deixar um sentimento antibritânico,
de humilhação nacional, que haveria de marcar a sociedade e potenciar a
propaganda republicana.
“O Governo de Sua Majestade Britânica não
pode dar como satisfatórias ou suficientes as seguranças dadas pelo Governo
Português (…). O que o Governo de Sua
Majestade deseja e em que mais insiste é no seguinte: que se enviem ao
governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas para que todas e
quaisquer forças militares portuguesas no Chire e no país dos Macololos e
Machonas se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto, todas as
seguranças dadas pelo Governo Português são ilusórias. Mr. Petre ver-se-á
obrigado, à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos
os membros da sua legação se uma resposta satisfatória à precedente intimação
não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade “Enchentress”
está em Vigo esperando as suas ordens”.
O Ultimato teve em
Portugal uma repercussão dolorosa e profunda. Alcançou uma grande audiência, a
de “0de à Inglaterra”, de Guerra
Junqueiro, que em Alcobaça se vendeu na farmácia Campeão após aquisição de
alguns exemplares em Lisboa, na qual se fazia o contraste entre os objetivos
das colonizações inglesa e portuguesa.
“Ó bêbada Inglaterra, ó cínica impudente,
Que tens levado tu ao Negro e à escravidão
Chitas e hipocrisia, Evangelho e aguardente,
Repartindo por todo o escuro continente
Mortalha do Cristo em tanga de algodão ”.
O Teatro da Alegria,
em Lisboa, esgotou as lotações com a revista “A Torpeza”, cujo argumento era o Ultimato da “Pérfida Albion ”e a política do regime, considerada responsável
pelo malogro da grande quimera africana.
Este incidente
mereceu por parte de Eça de Queiroz, o comentário que, a partir de Paris,
endereçou a Oliveira Martins: “Não estou
certo do que deva pensar desse renascimento do patriotismo, esses gritos, esses
crepes sobre a face de Camões, esses apelos às academias do mundo, esse
renunciamento heróico das casimiras e do ferro forjado, essas jóias oferecidas
à Pátria pelas senhoras, essas pateadas aos Burnays e Mosers, esse ressurgir
verbosa em que o estudante do liceu e o negociante de retalho me parecem tomar
de repente o comando do velho galeão português (…) esse inteligente patriotismo que leva os jornais a não quererem
receber mais periódicos ingleses, os professores a não quererem ensinar mais o
Inglês, os empresários a não quererem que nos seus teatros entrem ingleses, os
proprietários de hotéis a não quererem que nos seus quartos se alojem
ingleses-parece-me uma invenção do inglês Dickens”. Mas este humor
sarcástico, permitia-lhe aperceber-se o que havia de sentido, na reação
portuguesa: “Nunca, creio eu, houve,
antes deste, um momento em que Portugal moderno estivesse tão acordado e atento”.
(…) “Ou a minha ingenuidade é grande, ou
há decerto alguns milhares de homens em Portugal que desejem outra coisa, sem
saberem o quê ”.
-O FIM DE UM “SONHO COR-DE-ROSA”-
Os republicanos
incluíram no seu programa de ação política, o desenvolvimento do Ultramar, pelo
que o colonialismo, ao lado de um forte nacionalismo, caraterizou o ideário
republicano, suscitando também aqui uma
variedade de sonhos românticos. Portugal queria comparar-se à Bélgica ou à
Holanda na capacidade de construir um império. O comunicado final, do governo
português, ao Ultimato, enquanto um vaso de guerra inglês esperava a resposta,
afirmava que “em presença duma ruptura
eminente das relações com a Grã-Bretanha e todas as consequências que poderiam
dela derivar, o Governo resolve “ceder” às exigências recentemente formuladas
nos dois últimos memorandos, ressalvando por todas as formas os direitos da
Coroa de Portugal nas regiões africanas de que se trata, protestando bem assim
pelo direito que lhe confere o artigo 12.° do Acto Geral de Berlim de ser
resolvido o assunto em litígio por mediação ou arbitragem. O Governo vai
expedir para o Governo-Geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha.”
Era o fim do “Sonho Cor-de-Rosa”.
-O MARQUÊS DE SOVERAL-
O Príncipe de Gales
tardiamente chegado a Eduardo VII, era primo e amigo pessoal de D. Carlos de
Portugal. O Marquês de Soveral, um elegante e talentoso diplomata, conseguiu
conquistar a consideração, se não o afeto, do filho da Rainha Vitória
(este intitulava-o Portuguese through and throug, isto é, Português a valer, Português puro), a qual já tinha recomendado ao
sobrinho, D. Carlos, que promovesse o diplomata de Primeiro Secretário da
Embaixada a Ministro Plenipotenciário e condecorara-o com a Grã Cruz de S.
Miguel e S. Jorge (cfr. Alberto de Oliveira in Memórias da Vida Diplomática e André Maurois in Eduardo VII e o seu tempo). Aquando do
Ultimato, o diplomata português devolveu a condecoração britânica. A esse ultraje D. Carlos respondeu também com a
devolução das condecorações inglesas, gesto essencialmente simbólico,
cujo impacto podendo ser eventualmente considerável junto da opinião pública,
não o foi neste caso, influenciado pela propaganda republicana.
Num jantar restrito,
em que também estava presente o ainda Príncipe de Gales, um dos presentes, em
tom irónico e sobranceiro, perguntou ao Marquês de Soveral, quanto tempo
gastaria a esquadra inglesa a bombardear Lisboa. Este volveu, que “bombardear Lisboa, que é um porto indefeso
por meio de uma esquadra, que consta ser a primeira do mundo, nem chegaria a
ser valentia quanto mais heroicidade. Outra coisa seria colocar-se cada inglês
em frente de cada português, podendo começar-se a experiência pelo que fez a
pergunta e pelo que dá a resposta ” (cfr. Alberto de Oliveira, in Memórias da Vida Diplomática).
-SERPA PINTO E VOTOS NA CMA-
O vereador Augusto
Rodolfo Jorge, na sessão da Câmara de 22 de Janeiro de 1890, apresentou a
seguinte proposta que foi aprovada por unanimidade: “A Câmara Municipal de Alcobaça repetindo o eco de toda a Nação
Portuguesa ofendida vilmente no seu brio e sentimento de nacionalidade pela
maior das afrontas, protesta contra o acto de violência e deslealdade com que a
Inglaterra acabou de proceder contra Portugal
”.
Pelo mesmo vereador,
na sessão de 9 de Abril seguinte, foi declarado
e proposto que “estando prevista a
próxima chegada a Portugal de Serpa Pinto, brioso militar que nos territórios
de África expôs valentemente a sua vida para defender o País das prepotências
da Inglaterra e sustentar a honra da Bandeira, seria justo que o município
alcobacense se associasse às demonstrações de júbilo e patriotismo que em
Lisboa vão ser feitas à sua chegada fazendo assinalar na vila esse dia como
verdadeira gala e festa nacional. Atendendo, porém, que o município não pode
despender uma quantia que pudesse fazer face às despesas com os festejos que
condignamente assinalassem a chegada desse verdadeiro patriota e arrojado
militar, propõe que nesse dia seja
arvorada em frente dos Paços do Concelho, a bandeira nacional, que se dê
feriado aos empregados e lhe seja enviado um telegrama de felicitações pelo
regresso à Pátria e pelo denodo com que soube sustentar o brio e a honra de
povo português, pequeno em território, mas grande em feitos heróicos e acções
magnânimas ” (cfr. Bernardo Villa Nova in, Alcobaça no Arquivo da CMA).
-RAFAEL
BORDALO PINHEIRO-
Em Abril de 1890, a população de Alcobaça (que lia
jornais), regozijou quando soube que Rafael Bordalo Pinheiro ofereceu ao Cap.
Serpa Pinto, um escarrador em louça das Caldas, representando o John Bull,
sobraçando dois sacos a transbordar de libras de ouro. Admitiu-se adquirir uma
cópia abrindo para o efeito uma subscrição, para a expor no edifício da Câmara
Municipal, mas Bordalo Pinheiro não acedeu à delegação municipal de Alcobaça
que a Caldas da Rainha foi falar com ele, no seu atelier. O autor pretendia que
fosse peça única.
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