sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O MAPA COR DE ROSA E ALCOBAÇA






O MAPA COR DE ROSA
E
ALCOBAÇA

Fleming de OLiveira



-O DIREITO HISTÓRICO VS. OCUPAÇÃO EFETIVA-
Militares, cientistas, comerciantes, caçadores, aventureiros ou missionários católicos, penetravam no sertão africano por proselitismo, em busca de fortuna ou glória.
Invocando um Direito Histórico, decorrente da primazia da  ocupação, Portugal reivindicava vastas áreas, embora em nalguns casos, apenas dominasse feitorias em estreitas faixas costeiras e respetivos arredores. Em Moçambique, o território que Portugal ocupava era substancialmente inferior ao de Angola. Na Guiné, a presença portuguesa resumia-se, quase, ao litoral. A partir de 1870, com o Congresso de Berlim, vingou a tese que o Direito Histórico não seria suficiente e que a presença portuguesa impunha o alargamento rumo ao interior das possessões ultramarinas reclamadas.
Ao longo dos anos, houve várias razões para a diminuta presença portuguesa em África, a que não era estranho a importância relativa do Brasil, a resistência das populações locais e a inclemência do clima onde, afinal, os ganhos e empregos pareciam ser pouco aliciantes. As distribuições de terra também não apresentaram resultados apreciáveis. África era terra para degredados, aventureiros ou militares. Para contrariar a diminuta ocupação, iniciaram-se ações (expedições após expedições), a partir de zonas costeiras de Angola ou Moçambique, destinadas a promover a exploração e abertura à civilização europeia do interior africano, algo influenciadas pelas grandes e romanceadas viagens de Livingstone e Stanley. Enfim, era necessário fazer face à concorrência, perante o risco de usurpação.
-EXPEDIÇÕES-
A primeira expedição, relevante, realizada pelos Portugueses ainda antes do termo da Guerra Civil, largou em 1831 de Tete/Moçambique, que com objetivos económicos e científicos, teve o comando do Maj. Correia Monteiro, assessorado pelo Cap. Pedroso Gamito e integrou 420 carregadores e mercadores. Outras se seguiram, com destaque para as do comerciante e colono Silva Porto, nas décadas de 1840 e 1850, no território das atuais Angola e Zâmbia, pela influência que exerceram, aliás nem sempre produtiva, em prol da soberania portuguesa, sobre sobas em áreas onde não havia brancos.
Em 1877,  após alguma pausa, o Ministro da Marinha e Ultramar, João de Andrade Corvo, lançou um conjunto de iniciativas mais bem planeadas, visando explorar o território que separava Angola e Moçambique, criando os alicerces para o seu melhor conhecimento cartográfico e comercial e, obviamente, e expansão  portuguesa.
Destacam-se ainda as longas expedições dos Comandantes  Hermenegildo CapeloRoberto Ivens, e de um antigo companheiro de ambos, o Capitão Serpa Pinto, que atravessou África de lés a lés, ocidente para oriente.
Anos mais tarde, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Barros Gomes, supondo ter o apoio da Alemanha à sua política antibritânica, o que não se verificou, deu-se início ao projeto que mais tarde ficou conhecido por “Mapa Cor-de-Rosa”, pois Angola e Moçambique apareciam ligadas e esse território achava-se colorido em tom rosado. O objetivo inglês, que conflituava com o de Portugal passava, entre o mais, por construir uma ferrovia que atravessaria o continente africano pelo interior, ligando o Cairo à Cidade do Cabo, conforme o enunciado de Cecil Rhodes.
O governo português ao reclamar áreas cada vez maiores de território africano, agora através de esforços de ocupação efetiva, entrava em rota de colisão com outras potências europeias. Nesse contexto, a Sociedade de Geografia de Lisboa, criada em 1875, com o objetivo de “promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas” no enquadramento do movimento europeu de exploração e colonização, dando particular ênfase à exploração do continente africano, entendeu, por bem, ser necessário e urgente criar uma barreira às intenções britânicas, pelo que organizou uma subscrição para manter “estações civilizadoras”
na zona de influência portuguesa no interior do continente.
-A CONFERÊNCIA DE BERLIM-
Em 1884, a aceitação pela Grã-Bretanha das reivindicações portuguesas ao controlo da foz do rio Congo,  levou ao agravamento dos conflitos com potências europeias rivais. Convocada sob proposta de Portugal, a Conferência de Berlim, teve como objetivo reorganizar a ocupação de África pelas potências coloniais, mas a final resultou numa divisão que não respeitou, nem a história, nem as relações étnicas ou familiares dos povos indígenas. O Império Alemão, sem colónias, viu satisfeita a sua ambição expansionista, passando a administrar o Sudoeste Africano/Namíbia, e o Tanganica. Os Estados Unidos da América, tinham a Libéria, cuja  história  é ímpar, pois, é juntamente com a Etiópia uma das duas únicas nações da África Subsaariana, sem raízes na disputa europeia, fundada e colonizada por escravos americanos libertos, com a ajuda da organização privada, a “American Colonization Society . A Turquia que não possuía colónias em África, era a cabeça do Império Otomano, com interesses no norte do continente. Outros países europeus, não contemplados na partilha de África, eram potências comerciais ou industriais, com interesses nascentes no continente.
Portugal, foi vencido da Conferência de Berlim pois, para além de ter vingado a denegação do direito histórico, viu-se obrigado a aceitar a livre navegação dos rios internacionais com aplicação ao Congo, Zambeze e Rovuma, territórios tradicionalmente portugueses, e perdeu o controlo da foz do Congo, que mantinha desde 1884, ficando apenas com o enclave de Cabinda.
Finda a Conferência de Berlim, Portugal mais se consciencializou da imperiosa urgência de delimitar as possessões africanas, pelo que, logo em 1885, começaram negociações com a França e a Alemanha para delimitar as respetivas fronteiras.
Ao corrente da pretensão portuguesa, a Grã-Bretanha reagiu, comunicando a Portugal reputar nulo o reconhecimento francês e alemão do Mapa Cor-de-Rosa.
-O MAPA COR DE ROSA E O ULTIMATO DA “PÉRFIDA”  ALBION-
As pretensões portuguesas, como se referiu, estavam em   confronto com o projeto britânico de um caminho de ferro que atravessaria o continente africano de norte a sul, o qual acabaria por nunca se realizar, dadas as dificuldades técnicas, climáticas, orográficas e políticas. O governo português, que necessitava do apoio britânico para a delimitação de fronteiras, resolveu atrasar a negociação, fazendo saber que as suas pretensões eram as do Mapa Cor-de-Rosa, que entretanto se tinha transformado num documento com ampla divulgação pública e objecto de arraigadas paixões nacionalistas e arma de arremesso política.
A Grã-Bretanha encontrou-se a administrar a África Austral, com exceção de Angola, Moçambique e o Sudoeste Africano/Namíbia/Alemanha, a África Oriental, com exceção do Tanganica, partilhou a costa ocidental e o norte com a França, a Espanha e Portugal/Guiné/Cabo Verde.
O Congo continuou na posse da Associação Internacional do Congo, cujo principal “acionista ” era o rei Leopoldo II, da Bélgica, país que  passou ainda a administrar os pequenos reinos das montanhas, o Ruanda e o Burundi.
Considerando injusta e injustificável a expropriação do Caminho de Ferro de Lourenço Marques, a Grã-Bretanha protestou, com o apoio dos Estados Unidos, solicitando uma arbitragem internacional, que Portugal recusou. Iniciou-se na imprensa britânica uma forte campanha antiportuguesa, que criou as condições políticas para a rutura, o Ultimato,  pelo qual foi imposto a Portugal a retirada da zona em disputa, o Vale do Chire, sob pena de serem cortadas as relações diplomáticas e, eventualmente, iniciada uma intervenção militar. Isolado, Portugal continuou a protestar, protestar diplomaticamente, no Parlamento e na rua, mas seguiu-se a inexorável cedência e recuo, acabando o Mapa Cor-de-Rosa, não sem deixar um sentimento antibritânico, de humilhação nacional, que haveria de marcar a sociedade e potenciar a propaganda republicana.
O Governo de Sua Majestade Britânica não pode dar como satisfatórias ou suficientes as seguranças dadas pelo Governo Português (…). O que o Governo de Sua Majestade deseja e em que mais insiste é no seguinte: que se enviem ao governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas para que todas e quaisquer forças militares portuguesas no Chire e no país dos Macololos e Machonas se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto, todas as seguranças dadas pelo Governo Português são ilusórias. Mr. Petre ver-se-á obrigado, à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação se uma resposta satisfatória à precedente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade “Enchentress” está em Vigo esperando as suas ordens”.
O Ultimato teve em Portugal uma repercussão dolorosa e profunda. Alcançou uma grande audiência, a de “0de à Inglaterra”, de Guerra Junqueiro, que em Alcobaça se vendeu na farmácia Campeão após aquisição de alguns exemplares em Lisboa, na qual se fazia o contraste entre os objetivos das colonizações inglesa e portuguesa.
Ó bêbada Inglaterra, ó cínica impudente,
Que tens levado tu ao Negro e à escravidão
Chitas e hipocrisia, Evangelho e aguardente,
Repartindo por todo o escuro continente
Mortalha do Cristo em tanga de algodão ”.
O Teatro da Alegria, em Lisboa, esgotou as lotações com a revista “A Torpeza”, cujo argumento era o Ultimato da “Pérfida Albion ”e a política do regime, considerada responsável pelo malogro da grande quimera africana.
Este incidente mereceu por parte de Eça de Queiroz, o comentário que, a partir de Paris, endereçou a Oliveira Martins: “Não estou certo do que deva pensar desse renascimento do patriotismo, esses gritos, esses crepes sobre a face de Camões, esses apelos às academias do mundo, esse renunciamento heróico das casimiras e do ferro forjado, essas jóias oferecidas à Pátria pelas senhoras, essas pateadas aos Burnays e Mosers, esse ressurgir verbosa em que o estudante do liceu e o negociante de retalho me parecem tomar de repente o comando do velho galeão português (…) esse inteligente patriotismo que leva os jornais a não quererem receber mais periódicos ingleses, os professores a não quererem ensinar mais o Inglês, os empresários a não quererem que nos seus teatros entrem ingleses, os proprietários de hotéis a não quererem que nos seus quartos se alojem ingleses-parece-me uma invenção do inglês Dickens”. Mas este humor sarcástico, permitia-lhe aperceber-se o que havia de sentido, na reação portuguesa: “Nunca, creio eu, houve, antes deste, um momento em que Portugal moderno estivesse tão acordado e atento”. (…) “Ou a minha ingenuidade é grande, ou há decerto alguns milhares de homens em Portugal que desejem outra coisa, sem saberem o quê ”.

-O FIM DE UM “SONHO COR-DE-ROSA”-
Os republicanos incluíram no seu programa de ação política, o desenvolvimento do Ultramar, pelo que o colonialismo, ao lado de um forte nacionalismo, caraterizou o ideário republicano, suscitando  também aqui uma variedade de sonhos românticos. Portugal queria comparar-se à Bélgica ou à Holanda na capacidade de construir um império. O comunicado final, do governo português, ao Ultimato, enquanto um vaso de guerra inglês esperava a resposta, afirmava que “em presença duma ruptura eminente das relações com a Grã-Bretanha e todas as consequências que poderiam dela derivar, o Governo resolve “ceder” às exigências recentemente formuladas nos dois últimos memorandos, ressalvando por todas as formas os direitos da Coroa de Portugal nas regiões africanas de que se trata, protestando bem assim pelo direito que lhe confere o artigo 12.° do Acto Geral de Berlim de ser resolvido o assunto em litígio por mediação ou arbitragem. O Governo vai expedir para o Governo-Geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha.”
Era o fim do “Sonho Cor-de-Rosa”.
-O MARQUÊS DE SOVERAL-
O Príncipe de Gales tardiamente chegado a Eduardo VII, era primo e amigo pessoal de D. Carlos de Portugal. O Marquês de Soveral, um elegante e talentoso diplomata, conseguiu conquistar a consideração, se não o afeto, do filho da Rainha Vitória (este  intitulava-o Portuguese through and throug, isto é, Português a valer, Português puro), a qual já tinha recomendado ao sobrinho, D. Carlos, que promovesse o diplomata de Primeiro Secretário da Embaixada a Ministro Plenipotenciário e condecorara-o com a Grã Cruz de S. Miguel e S. Jorge (cfr. Alberto de Oliveira in Memórias da Vida Diplomática e André Maurois in Eduardo VII e o seu tempo). Aquando do Ultimato, o diplomata português devolveu a condecoração britânica. A esse ultraje D. Carlos respondeu também com a devolução das condecorações inglesas, gesto essencialmente simbólico, cujo impacto podendo ser eventualmente considerável junto da opinião pública, não o foi neste caso, influenciado pela propaganda republicana.
Num jantar restrito, em que também estava presente o ainda Príncipe de Gales, um dos presentes, em tom irónico e sobranceiro, perguntou ao Marquês de Soveral, quanto tempo gastaria a esquadra inglesa a bombardear Lisboa. Este volveu, que “bombardear Lisboa, que é um porto indefeso por meio de uma esquadra, que consta ser a primeira do mundo, nem chegaria a ser valentia quanto mais heroicidade. Outra coisa seria colocar-se cada inglês em frente de cada português, podendo começar-se a experiência pelo que fez a pergunta e pelo que dá a resposta ” (cfr. Alberto de Oliveira, in Memórias da Vida Diplomática).
-SERPA PINTO E VOTOS NA CMA-
O vereador Augusto Rodolfo Jorge, na sessão da Câmara de 22 de Janeiro de 1890, apresentou a seguinte proposta que foi aprovada por unanimidade: “A Câmara Municipal de Alcobaça repetindo o eco de toda a Nação Portuguesa ofendida vilmente no seu brio e sentimento de nacionalidade pela maior das afrontas, protesta contra o acto de violência e deslealdade com que a Inglaterra acabou de proceder contra Portugal  ”.
Pelo mesmo vereador, na sessão de 9 de Abril seguinte, foi declarado  e proposto que “estando prevista a próxima chegada a Portugal de Serpa Pinto, brioso militar que nos territórios de África expôs valentemente a sua vida para defender o País das prepotências da Inglaterra e sustentar a honra da Bandeira, seria justo que o município alcobacense se associasse às demonstrações de júbilo e patriotismo que em Lisboa vão ser feitas à sua chegada fazendo assinalar na vila esse dia como verdadeira gala e festa nacional. Atendendo, porém, que o município não pode despender uma quantia que pudesse fazer face às despesas com os festejos que condignamente assinalassem a chegada desse verdadeiro patriota e arrojado militar, propõe que nesse dia seja arvorada em frente dos Paços do Concelho, a bandeira nacional, que se dê feriado aos empregados e lhe seja enviado um telegrama de felicitações pelo regresso à Pátria e pelo denodo com que soube sustentar o brio e a honra de povo português, pequeno em território, mas grande em feitos heróicos e acções magnânimas ” (cfr. Bernardo Villa Nova in, Alcobaça no Arquivo da CMA).
-RAFAEL BORDALO PINHEIRO-
Em Abril de 1890, a população de Alcobaça (que lia jornais), regozijou quando soube que Rafael Bordalo Pinheiro ofereceu ao Cap. Serpa Pinto, um escarrador em louça das Caldas, representando o John Bull, sobraçando dois sacos a transbordar de libras de ouro. Admitiu-se adquirir uma cópia abrindo para o efeito uma subscrição, para a expor no edifício da Câmara Municipal, mas Bordalo Pinheiro não acedeu à delegação municipal de Alcobaça que a Caldas da Rainha foi falar com ele, no seu atelier. O autor pretendia que fosse peça única.


Sem comentários: