-DOIS MILITANTES REPUBLICANOS
DE
ALCOBAÇA-
Fleming
de Oliveira
1)=SANTIAGO PEREZ PONCE
Y SANCHEZ-
Quando se deu a queda da Monarquia, a
notícia foi recebida por uma elite loca alcobacense, aliás sem grande surpresa
mas com emoção, que ficou agradada ao ver José Eduardo Raposo de Magalhães,
nomeado Governador Civil de Leiria, pelo Ministro do Interior, o estimado
António José de Almeida.
A República foi proclamada em
Alcobaça, no dia 6 de Outubro de 1910 perante populares que se juntaram frente
a Câmara Municipal depois de confirmada a queda da Monarquia, apesar vários
rumores que circulavam pela vila, tendo competido a Santiago Perez Ponce y
Sanchez anunciar a implantação da República e apresentar à aprovação popular
José Coelho da Silva para Administrador do Concelho. Mais tarde Santiago Ponce
terá confessado que este fora o momento mais emocionante da sua vida e que, por
mais anos que tivesse, não voltaria a sentir igual emoção. Santiago Ponce y
Sanchez era Presidente da Comissão Municipal Republicana e facultativo
municipal. Foi naquela
qualidade que esteve em Lisboa a representá-la nos funerais de Miguel Bombarda
e Cândido Reis. O Centro Democrático também se fez representar com três dirigentes
nessa manifestação de respeito e de saudade e aconselhou os militantes
republicanos a usarem um fumo preto no braço. Santiago Ponce y Sanchez distinto cidadão, antigo, solícito e
dedicado republicano, que nunca se não poupou a esforços ou canseiras na
propaganda e defesa do seu absorvente ideal político (a quem a República
não esqueceu), veio a ser nomeado diretor do Asilo Dª. Maria Pia, em
Xabregas/Lisboa e que ainda se encontra em funcionamento. Trata-se de um Asilo
masculino que se rege pelo princípio de dar aos internados uma formação
profissional adequada, que dependia dos Serviços Centrais de Beneficência
Pública.
Quem era Santiago Perez Ponce y Sanchez?
No século XIX e mesmo nos inícios do
XX, muitas casas de Lisboa não possuíam água corrente. Aceder à água,
nomeadamente em andares elevados, era um trabalho penoso que muitos lisboetas
não queriam fazer, pelo que os galegos aproveitaram para criar aquilo a que
hoje se poderia chamar um nicho de
mercado, isto é, serem aguadeiros. Aquilino Ribeiro in Lápides Partidas, refere o galego, de Porriño/Tui, que
escreveu à mulher dizendo que a terra é
boa, a xente é tola, a auga é deles e nòs vendemoslla. Na literatura
portuguesa da altura, os galegos eram parte integrante da paisagem humana lisboeta.
Os avós paternos de Santiago Ponce y Sanchez, vieram da Galiza para Lisboa, em
meados do século XIX, não como aguadeiros, mas para trabalhar na restauração.
Outros parentes foram para Madrid. O negócio correu bem, o que lhes permitiu
mais tarde mandar o neto estudar medicina na Escola Médico-Cirúrgica, o qual
terminado o curso veio a ser provido como facultativo municipal em Alcobaça,
onde não conhecia ninguém. Santiago Sanchez, foi bem aceite nos meios políticos
e sociais de Alcobaça, não apenas republicanos, mas também conservadores, pela
educação, inteligência e dedicação à causa pública.
2=-JOSÉ EDUARDO
RAPOSO DE MAGALHÃES-
J. E. Raposo de Magalhães (filho de João
de Magalhães e de Maria Silvéria Raposo), era neto do último Ouvidor dos Coutos
de Alcobaça, José Emílio de Magalhães, cargo
hereditário na família desde o século XVIII. Estudou na Universidade
de Coimbra, onde se
licenciou em Engenharia Civil em 1862, sendo Bacharel em Filosofia e
Matemática. Aí, estabeleceu especiais relações com Afonso Costa e,
embora mais novo, com alguns personagens da Geração de 70. Desde cerca os
25 anos, administrou os bens da família materna, que veio a herdar, importantes
proprietários, com fortuna feita na madeira, e arrematadores de propriedades
agrícolas e florestais do Mosteiro
de Alcobaça após a
extinção das ordens religiosas. Construiu as adegas que vieram a integrar o
Museu do Instituto Nacional da Vinha e do Vinho, em Alcobaça, durante os
últimos anos encerrado, mas ao que se espera com perspetivas de reabrir, e foi
um dos pioneiros da técnica da pasteurização em Portugal. Ganhou com
os seus produtos agrícolas, medalhas em exposições internacionais.
O seu neto Fernando (que aliás mal conheceu), recordou
que em 1880, José Eduardo Raposo de Magalhães, integrava o pequeno, mas seleto,
escol republicano de Alcobaça, sendo em 1907 membro do recém-criado Centro
Republicano Democrático de Alcobaça, que teve sede na Praça D. Afonso
Henriques, cuja Direção, eleita em 12 de Dezembro de 1907, era constituída por
José Ferreira da Silva, Sebastião Vazão, Manuel Serrano de Figueiredo, Joaquim
Ferreira da Silva, José de Sousa Vitorino. O Conselho Fiscal era presidido por
António de Sousa Neves e integrava Manuel Pereira dos Santos e João António
Vasco. José Eduardo Magalhães foi eleito Presidente da Assembleia Geral, a par
de Eurico Araújo e Aniceto Rosa, e integrou as listas do PRP, para as Cortes,
embora não tenha sido eleito. Por alegados motivos de saúde (cuja natureza não
apuramos junto do neto Fernando. Seria mesmo motivos de saúde? Talvez não). J.
Ed. Raposo de Magalhães afastou-se durante algum tempo, da atividade
político-partidária, recusando integrar as listas da Comissão Municipal de
Alcobaça, para o triénio de 1909/1911. Com o 5 de Outubro de 1910, foi
escolhido por António José de Almeida para exercer as funções de Governador
Civil de Leiria, o que aconteceu até 17 de Junho de 1911, em que foi pediu a
exoneração. O curto mandato de José Eduardo Raposo de Magalhães, foi assinalado
por incidentes, reclamações e denúncias contra órgãos administrativos do
Distrito de Leiria, que o levou, que mandasse
instaurar sindicâncias à Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, ao Hospital
D. Leonor em Caldas da Rainha, à Administração da Confraria da Nazaré e à
Administração do Concelho da Batalha. Essa isenção, mal aceite por alguns
correligionários, traduziu-se, entre o mais, na alegada proteção conferida a
monárquicos, prisão de arruaceiros republicanos que impediam as reuniões
daqueles, o que acarretou a intervenção pessoal do ministro António José de
Almeida, para os soltar. As dissensões no
Governo Provisório começavam cedo a manifestar-se e as fraturas programáticas,
ideológicas e de caráter pessoal vieram a público. A união que juntara os
revolucionários no derrube da monarquia, revelou-se precária e António José de
Almeida (Ministro do Interior), tentou resistiu ao controlo do Estado pelos
republicanos mais radicais, negando-se a preencher o aparelho com meros revolucionários,
independentemente da competência profissional, que no seu enunciado não deveria
prevalecer sobre a militância político-partidária. O alcobacense Américo
d’Oliveira, herói da Rotunda, viu ser-lhe recusado um emprego como fiscal dos
caminhos de ferro, o que levou a mal e a esfriar as relações com António José
de Almeida (que, como se recorda, discursara no jantar de homenagem a Américo
d’Oliveira). Com a promulgação da Lei Eleitoral para a Assembleia Constituinte,
foi acusado de favorecer a eleição de monárquicos, o que não aconteceu, pois
estes não concorreram. Foi bastante reprovado por defender amnistias a contra
revolucionários (monárquicos) e grevistas, bem como pelas críticas à Lei da
Separação, que reputou de exagerada e lhe acarretou tensão nas relações com
Afonso Costa.
A participação de Delegados Especiais do Governo
Provisório, na fiscalização das assembleias de voto na área do Círculo de
Leiria (o que considerou uma afronta aos brios partidários e cívicos do povo do
Distrito), bem como manipulações impróprias
por parte de elementos do Diretório Republicano nas listas do partido,
terão sido determinantes no pedido de demissão de Raposo de Magalhães,
levando-o a regressar a Alcobaça.
Na sessão de 31 de Maio de 1911, o Vice-Presidente da
Câmara Augusto Rodolfo Jorge redigiu a seguinte proposta: A Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Alcobaça lamentando
profundamente a resolução tomada pelo grande governante deste Distrito e
lamentando ainda mais a causa que deu lugar a essa resolução, que mais uma vez
demonstra o quanto é nobre e independente o seu carácter e o seu sentir, em seu
nome, e em nome de todo o povo do Concelho que representa, tem a honra de lhe
manifestar a sua admiração pela forma impecável como desempenhou o seu importante
lugar ao qual, pelo Bem da Pátria e elevação da República, sacrificou a sua
saúde e os interesses da sua importante casa.
Esta proposta foi muito saudada na Câmara, com a exceção
do vereador José de Magalhães que se retirou no momento da votação, pelo que
foi decidido deslocarem-se todos à residência de José Eduardo Raposo de
Magalhães, a fim de lhe dar conta da deliberação e prestar-lhe homenagem.
Na Sessão de 7 de Junho de 1911, o vereador Ceslau Ribeiro dos Santos, fez a seguinte exposição:
Lamento que não
pudesse assistir à última sessão desta Câmara, por julgar essa ocasião a melhor
oportunidade de lamentar o meu enérgico protesto contra a atitude do Governo,
mandando delegados seus fiscalizar as assembleias eleitorais onde o predomínio
republicano era evidente, considerando essa fiscalização uma afronta e alta
desconsideração ao sincero e leal carácter do partido republicano deste
Concelho, que tantas provas tem dado do seu honrado civismo. E ao mesmo tempo
desejo fazer sentir nesta sessão quanto é o meu enorme pesar, que me vai na
alma, pela demissão do ex-chefe deste Distrito, Ex.mo Sr. Dr. José
Eduardo Raposo de Magalhães, por a considerar um desaire, ou até mesmo um
desastre, na boa orientação dos serviços da República do mesmo Distrito. Em
vista pois tão lamentáveis ocorrências que ferem e magoam o coração de todos
quantos o sangue puro lhes punha nas veias pela prosperidade da Pátria,
proponho (o que foi aprovado
por unanimidade): que se lance na acto um
voto de louvor ao mesmo Ex.mo Sr. Dr. José Eduardo Raposo de
Magalhães, pela sua nobre resolução e bem assim ao Sr. José Coelho da Silva,
que lhe seguiu o exemplo, pedindo a demissão de administrador do Concelho.
O Centro Democrático de Alcobaça, nomeou uma comissão de
personalidades locais com o objetivo de lhe fazer chegar uma mensagem de
desagravo, apreço e estímulo, da qual também faziam parte o Governador Civil
interino/Eduardo Martins da Cruz, o proprietário/José de Oliveira Zúquete, o
notário/João Pereira Gomes, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de
Leiria/José Jacinto de Assunção e o Administrador do Concelho/Gaudêncio Pires
de Campos.
Para festejar a vitória da lista oficial do Partido Republicano, onde já havia várias e profundas
clivagens, houve manifestações de regozijo na Vila, com um cortejo a partir do
Centro Democrático Republicano (onde a Fanfarra de Alcobaça tocou A Portuguesa
e foi servido uma taça de champanhe aos
amigos correligionários), com a participação de algumas pessoas dando largas ao
contentamento. Este cortejo dirigiu-se, também, a casa de José E. R. de
Magalhães que desceu para agradecer.
A Filarmónica da Maiorga, no dia seguinte, acompanhada
de vários populares e empregados da Companhia de Fiação e Tecidos, aonde não
faltou Fernando Alípio Sá, no meio de vivas e foguetes, dirigiu-se para o
Centro Republicano que festejava o seu 4º. aniversário com a presença da sua
pequena banda.
Terá também sido importante no pedido de demissão, a
publicação do Decreto, de 4 de Maio de 1911. José Eduardo Raposo de Magalhães,
como agricultor e burguês mais que político, defendia um nacionalismo agrário redentor, um
Portugal que precisava para além da mudança de regime, a emancipação económica contrariando
a crónica dependência do estrangeiro.
Magoado com o que qualificou de facada pelas costas,
liderou um movimento contra o diploma, para o que chegou a editar e distribuir
a suas expensas o opúsculo Aos Proprietários e Lavradores do Concelho
d’Alcobaça. Considerações Acerca das Declarações, que lhes são Impostas pelo
Decreto de 4 de Maio de 1911, em que atacava a política fiscal governamental
relativamente à propriedade fundiária e agrária. A partir daqui, a política
ativa deixou de fazer parte dos seus objetivos e interesses imediatos, pelo que
orientou a vontade e energia, para os afazeres e gestão da propriedade
agrícola. Todavia, veio a integrar algumas Comissões Administrativas Municipais
depois do sidonismo. Até morte viveu, na sua Quinta da Cova da Onça/Alcobaça,
situada na antiga cerca do Mosteiro.
Raposo de
Magalhães, concluía que uma coisa era o que a propaganda republicana dizia
antes da implantação da República, o que depois era feito e o que era dito
sobre o que então fora dito. Mas isto era, é, um problema nacional.
Portugal era
um país incipientemente industrializado e com pequenos centros urbanos. A
maioria da população vivia no campo, onde fazia uma agricultura de subsistência
e sem horizontes. J. V. Natividade, no entanto, havia de descrever Alcobaça,
com carinho: Neste oceano de verdura
aparece Alcobaça, cercada de pequenos montes, cobertos de pujante vegetação,
que a protegem como poderosa muralha natural. A casaria branca parece erguer-se
do seio dos rios que a cruzam e, como um bloco gigantesco, o enorme mosteiro
domina ainda hoje, como outrora, a povoação que se estende a seus pés.
Alcobaça não
era um lugar no fim do mundo. Havia uma estação de caminho de ferro em Valado
de Frades, a cerca de cinco quilómetros, embora servida por maus acessos.
Em cada Verão,
as famílias com mais posses, iam passar temporadas de um a três meses de
banhos, à Nazaré preferentemente ou a S. Martinho do Porto.
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