terça-feira, 28 de janeiro de 2014

-DOIS MILITANTES REPUBLICANOS DE ALCOBAÇA-

-DOIS MILITANTES REPUBLICANOS DE
 ALCOBAÇA-

Fleming de Oliveira


1)=SANTIAGO PEREZ PONCE Y SANCHEZ-
Quando se deu a queda da Monarquia, a notícia foi recebida por uma elite loca alcobacense, aliás sem grande surpresa mas com emoção, que ficou agradada ao ver José Eduardo Raposo de Magalhães, nomeado Governador Civil de Leiria, pelo Ministro do Interior, o estimado António José de Almeida.
A República foi proclamada em Alcobaça, no dia 6 de Outubro de 1910 perante populares que se juntaram frente a Câmara Municipal depois de confirmada a queda da Monarquia, apesar vários rumores que circulavam pela vila, tendo competido a Santiago Perez Ponce y Sanchez anunciar a implantação da República e apresentar à aprovação popular José Coelho da Silva para Administrador do Concelho. Mais tarde Santiago Ponce terá confessado que este fora o momento mais emocionante da sua vida e que, por mais anos que tivesse, não voltaria a sentir igual emoção. Santiago Ponce y Sanchez era Presidente da Comissão Municipal Republicana e facultativo municipal. Foi naquela qualidade que esteve em Lisboa a representá-la nos funerais de Miguel Bombarda e Cândido Reis. O Centro Democrático também se fez representar com três dirigentes nessa manifestação de respeito e de saudade e aconselhou os militantes republicanos a usarem um fumo preto no braço. Santiago Ponce y Sanchez distinto cidadão, antigo, solícito e dedicado republicano, que nunca se não poupou a esforços ou canseiras na propaganda e defesa do seu absorvente ideal político (a quem a República não esqueceu), veio a ser nomeado diretor do Asilo Dª. Maria Pia, em Xabregas/Lisboa e que ainda se encontra em funcionamento. Trata-se de um Asilo masculino que se rege pelo princípio de dar aos internados uma formação profissional adequada, que dependia dos Serviços Centrais de Beneficência Pública.

Quem era Santiago Perez Ponce y Sanchez?
No século XIX e mesmo nos inícios do XX, muitas casas de Lisboa não possuíam água corrente. Aceder à água, nomeadamente em andares elevados, era um trabalho penoso que muitos lisboetas não queriam fazer, pelo que os galegos aproveitaram para criar aquilo a que hoje se poderia chamar um nicho de mercado, isto é, serem aguadeiros. Aquilino Ribeiro in Lápides Partidas, refere o galego, de Porriño/Tui, que escreveu à mulher dizendo que a terra é boa, a xente é tola, a auga é deles e nòs vendemoslla. Na literatura portuguesa da altura, os galegos eram parte integrante da paisagem humana lisboeta. Os avós paternos de Santiago Ponce y Sanchez, vieram da Galiza para Lisboa, em meados do século XIX, não como aguadeiros, mas para trabalhar na restauração. Outros parentes foram para Madrid. O negócio correu bem, o que lhes permitiu mais tarde mandar o neto estudar medicina na Escola Médico-Cirúrgica, o qual terminado o curso veio a ser provido como facultativo municipal em Alcobaça, onde não conhecia ninguém. Santiago Sanchez, foi bem aceite nos meios políticos e sociais de Alcobaça, não apenas republicanos, mas também conservadores, pela educação, inteligência e dedicação à causa pública.
2=-JOSÉ EDUARDO RAPOSO DE MAGALHÃES-
J. E. Raposo de Magalhães (filho de João de Magalhães e de Maria Silvéria Raposo), era neto do último Ouvidor dos Coutos de Alcobaça, José Emílio de Magalhães, cargo hereditário na família desde o século XVIII. Estudou na Universidade de Coimbra, onde se licenciou em Engenharia Civil em 1862, sendo Bacharel em Filosofia e Matemática. Aí, estabeleceu especiais relações com Afonso Costa e, embora mais novo, com alguns personagens da Geração de 70. Desde cerca os 25 anos, administrou os bens da família materna, que veio a herdar, importantes proprietários, com fortuna feita na madeira, e arrematadores de propriedades agrícolas e florestais do Mosteiro de Alcobaça após  a extinção das ordens religiosas. Construiu as adegas que vieram a integrar o Museu do Instituto Nacional da Vinha e do Vinho, em Alcobaça, durante os últimos anos encerrado, mas ao que se espera com perspetivas de reabrir, e foi um dos pioneiros da técnica da pasteurização em Portugal. Ganhou com os seus produtos agrícolas, medalhas em exposições internacionais.
O seu neto Fernando (que aliás mal conheceu), recordou que em 1880, José Eduardo Raposo de Magalhães, integrava o pequeno, mas seleto, escol republicano de Alcobaça, sendo em 1907 membro do recém-criado Centro Republicano Democrático de Alcobaça, que teve sede na Praça D. Afonso Henriques, cuja Direção, eleita em 12 de Dezembro de 1907, era constituída por José Ferreira da Silva, Sebastião Vazão, Manuel Serrano de Figueiredo, Joaquim Ferreira da Silva, José de Sousa Vitorino. O Conselho Fiscal era presidido por António de Sousa Neves e integrava Manuel Pereira dos Santos e João António Vasco. José Eduardo Magalhães foi eleito Presidente da Assembleia Geral, a par de Eurico Araújo e Aniceto Rosa, e integrou as listas do PRP, para as Cortes, embora não tenha sido eleito. Por alegados motivos de saúde (cuja natureza não apuramos junto do neto Fernando. Seria mesmo motivos de saúde? Talvez não). J. Ed. Raposo de Magalhães afastou-se durante algum tempo, da atividade político-partidária, recusando integrar as listas da Comissão Municipal de Alcobaça, para o triénio de 1909/1911. Com o 5 de Outubro de 1910, foi escolhido por António José de Almeida para exercer as funções de Governador Civil de Leiria, o que aconteceu até 17 de Junho de 1911, em que foi pediu a exoneração. O curto mandato de José Eduardo Raposo de Magalhães, foi assinalado por incidentes, reclamações e denúncias contra órgãos administrativos do Distrito de Leiria, que o levou, que mandasse instaurar sindicâncias à Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, ao Hospital D. Leonor em Caldas da Rainha, à Administração da Confraria da Nazaré e à Administração do Concelho da Batalha. Essa isenção, mal aceite por alguns correligionários, traduziu-se, entre o mais, na alegada proteção conferida a monárquicos, prisão de arruaceiros republicanos que impediam as reuniões daqueles, o que acarretou a intervenção pessoal do ministro António José de Almeida, para os soltar. As dissensões no Governo Provisório começavam cedo a manifestar-se e as fraturas programáticas, ideológicas e de caráter pessoal vieram a público. A união que juntara os revolucionários no derrube da monarquia, revelou-se precária e António José de Almeida (Ministro do Interior), tentou resistiu ao controlo do Estado pelos republicanos mais radicais, negando-se a preencher o aparelho com meros revolucionários, independentemente da competência profissional, que no seu enunciado não deveria prevalecer sobre a militância político-partidária. O alcobacense Américo d’Oliveira, herói da Rotunda, viu ser-lhe recusado um emprego como fiscal dos caminhos de ferro, o que levou a mal e a esfriar as relações com António José de Almeida (que, como se recorda, discursara no jantar de homenagem a Américo d’Oliveira). Com a promulgação da Lei Eleitoral para a Assembleia Constituinte, foi acusado de favorecer a eleição de monárquicos, o que não aconteceu, pois estes não concorreram. Foi bastante reprovado por defender amnistias a contra revolucionários (monárquicos) e grevistas, bem como pelas críticas à Lei da Separação, que reputou de exagerada e lhe acarretou tensão nas relações com Afonso Costa.
A participação de Delegados Especiais do Governo Provisório, na fiscalização das assembleias de voto na área do Círculo de Leiria (o que considerou uma afronta aos brios partidários e cívicos do povo do Distrito), bem como manipulações impróprias por parte de elementos do Diretório Republicano nas listas do partido, terão sido determinantes no pedido de demissão de Raposo de Magalhães, levando-o a regressar a Alcobaça.
Na sessão de 31 de Maio de 1911, o Vice-Presidente da Câmara Augusto Rodolfo Jorge redigiu a seguinte proposta: A Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Alcobaça lamentando profundamente a resolução tomada pelo grande governante deste Distrito e lamentando ainda mais a causa que deu lugar a essa resolução, que mais uma vez demonstra o quanto é nobre e independente o seu carácter e o seu sentir, em seu nome, e em nome de todo o povo do Concelho que representa, tem a honra de lhe manifestar a sua admiração pela forma impecável como desempenhou o seu importante lugar ao qual, pelo Bem da Pátria e elevação da República, sacrificou a sua saúde e os interesses da sua importante casa.
Esta proposta foi muito saudada na Câmara, com a exceção do vereador José de Magalhães que se retirou no momento da votação, pelo que foi decidido deslocarem-se todos à residência de José Eduardo Raposo de Magalhães, a fim de lhe dar conta da deliberação e prestar-lhe homenagem.
Na Sessão de 7 de Junho de 1911, o vereador Ceslau Ribeiro dos Santos, fez a seguinte exposição:
Lamento que não pudesse assistir à última sessão desta Câmara, por julgar essa ocasião a melhor oportunidade de lamentar o meu enérgico protesto contra a atitude do Governo, mandando delegados seus fiscalizar as assembleias eleitorais onde o predomínio republicano era evidente, considerando essa fiscalização uma afronta e alta desconsideração ao sincero e leal carácter do partido republicano deste Concelho, que tantas provas tem dado do seu honrado civismo. E ao mesmo tempo desejo fazer sentir nesta sessão quanto é o meu enorme pesar, que me vai na alma, pela demissão do ex-chefe deste Distrito, Ex.mo Sr. Dr. José Eduardo Raposo de Magalhães, por a considerar um desaire, ou até mesmo um desastre, na boa orientação dos serviços da República do mesmo Distrito. Em vista pois tão lamentáveis ocorrências que ferem e magoam o coração de todos quantos o sangue puro lhes punha nas veias pela prosperidade da Pátria, proponho (o que foi aprovado por unanimidade): que se lance na acto um voto de louvor ao mesmo Ex.mo Sr. Dr. José Eduardo Raposo de Magalhães, pela sua nobre resolução e bem assim ao Sr. José Coelho da Silva, que lhe seguiu o exemplo, pedindo a demissão de administrador do Concelho.
O Centro Democrático de Alcobaça, nomeou uma comissão de personalidades locais com o objetivo de lhe fazer chegar uma mensagem de desagravo, apreço e estímulo, da qual também faziam parte o Governador Civil interino/Eduardo Martins da Cruz, o proprietário/José de Oliveira Zúquete, o notário/João Pereira Gomes, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Leiria/José Jacinto de Assunção e o Administrador do Concelho/Gaudêncio Pires de Campos.
Para festejar a vitória da lista oficial do Partido Republicano, onde já havia várias e profundas clivagens, houve manifestações de regozijo na Vila, com um cortejo a partir do Centro Democrático Republicano (onde a Fanfarra de Alcobaça tocou A Portuguesa e foi servido uma taça de champanhe aos amigos correligionários), com a participação de algumas pessoas dando largas ao contentamento. Este cortejo dirigiu-se, também, a casa de José E. R. de Magalhães que desceu para agradecer.
A Filarmónica da Maiorga, no dia seguinte, acompanhada de vários populares e empregados da Companhia de Fiação e Tecidos, aonde não faltou Fernando Alípio Sá, no meio de vivas e foguetes, dirigiu-se para o Centro Republicano que festejava o seu 4º. aniversário com a presença da sua pequena banda.
Terá também sido importante no pedido de demissão, a publicação do Decreto, de 4 de Maio de 1911. José Eduardo Raposo de Magalhães, como agricultor e burguês mais que político, defendia um nacionalismo agrário redentor, um Portugal que precisava para além da mudança de regime, a emancipação económica contrariando a crónica dependência do estrangeiro.
Magoado com o que qualificou de facada pelas costas, liderou um movimento contra o diploma, para o que chegou a editar e distribuir a suas expensas o opúsculo Aos Proprietários e Lavradores do Concelho d’Alcobaça. Considerações Acerca das Declarações, que lhes são Impostas pelo Decreto de 4 de Maio de 1911, em que atacava a política fiscal governamental relativamente à propriedade fundiária e agrária. A partir daqui, a política ativa deixou de fazer parte dos seus objetivos e interesses imediatos, pelo que orientou a vontade e energia, para os afazeres e gestão da propriedade agrícola. Todavia, veio a integrar algumas Comissões Administrativas Municipais depois do sidonismo. Até morte viveu, na sua Quinta da Cova da Onça/Alcobaça, situada na antiga cerca do Mosteiro.
Raposo de Magalhães, concluía que uma coisa era o que a propaganda republicana dizia antes da implantação da República, o que depois era feito e o que era dito sobre o que então fora dito. Mas isto era, é, um problema nacional.

Portugal era um país incipientemente industrializado e com pequenos centros urbanos. A maioria da população vivia no campo, onde fazia uma agricultura de subsistência e sem horizontes. J. V. Natividade, no entanto, havia de descrever Alcobaça, com carinho: Neste oceano de verdura aparece Alcobaça, cercada de pequenos montes, cobertos de pujante vegetação, que a protegem como poderosa muralha natural. A casaria branca parece erguer-se do seio dos rios que a cruzam e, como um bloco gigantesco, o enorme mosteiro domina ainda hoje, como outrora, a povoação que se estende a seus pés.
Alcobaça não era um lugar no fim do mundo. Havia uma estação de caminho de ferro em Valado de Frades, a cerca de cinco quilómetros, embora servida por maus acessos.
Em cada Verão, as famílias com mais posses, iam passar temporadas de um a três meses de banhos, à Nazaré preferentemente ou a S. Martinho do Porto.


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