(I)
SUMÁRIO:
(1).O
Sarg. A. Ganito (da Guarda Real/Pessoal de
D. Carlos)-(2).O Rotativismo-(3).D.
Carlos, Luís XVI e Afonso Costa-(4).Ecos em Alcobaça-(5).Américo d’Oliveira-(6).O
Partido Republicano em Alcobaça-(7).O Descalabro do Regime. O Golpe do
Elevador-(8).O Regicídio e Aquilino Ribeiro-(9).Reflexos em Alcobaça-(10).Condolências
da CâmaraMunicipal de Alcobaça.
-1-O
SARG. A. GANITO (da Guarda Real/Pessoal de D. Carlos)-
A
1 de
fevereiro de 1908, quando regressavam a Lisboa provenientes de Vila Viçosa, o
rei D. Carlos e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe foram assassinados no
Terreiro do Paço.
Nos
últimos anos da monarquia, o Sarg. Cav. António de Oliveira Ganito, natural de
Castelo Branco, foi colocado no quartel de Alcobaça.
Casado
durante a sua comissão na vila, como não teve filhos, ajudou a criar a Abília,
filha de uma galega, criada de um padre, e de quem, segundo se dizia, também
era filha. Quando o Sarg. Ganito foi destacado para o Palácio de Vila Viçosa,
para fazer parte da guarda pessoal do Rei D. Carlos, além da esposa levou
consigo a menina.
A
viver nas instalações do palácio, o Sarg. António Ganito conheceu pessoalmente
o Rei D. Carlos, viu-o partir para as caçadas, assistiu à distribuição das
peças de caça, recebendo por vezes algumas e acompanhou-o ao comboio para
Lisboa, no fatídico dia 1 de fevereiro de 1908. O Sarg. Ganito, acabou por
regressar a Alcobaça, e a Abília veio a casar com um sobrinho de sua esposa.
Deste casamento, nasceram dois filhos, uma rapariga e um rapaz, e aquela, de
nome Maria Dolores Pimenta, é sogra de Joaquim Romão, a quem se voltará a
referir.
-2-O
ROTATIVISMO-
O
atentado ficou a dever-se, entre o mais, ao colapso do sistema político, em
parte fruto do Rotativismo.
Esta foi a designação dada ao sistema
político-partidário vigente em Portugal durante a segunda metade do século XIX,
com maior expressão no período compreendido entre 1878 e 1900, o qual era
caraterizado pela alternância no poder dos dois grandes partidos políticos, o
Partido Regenerador, do centro direita, e o Partido Progressista ou o Partido
Histórico, do centro esquerda. O Rotativismo português, teve o apogeu entre
1878 e 1890, e durante esse período, o Partido Regenerador governou durante 81
meses e o Partido Progressista 69 meses. De fora ficavam os pequenos partidos
de oposição, o Partido Republicano Português e o Partido Socialista Português,
que se dedicavam ao combate contra a monarquia pela via doutrinária, ausentes
do arco do poder e sem expressão parlamentar. O Rei, como árbitro/moderador,
papel atribuído pela Carta, havia designado João Franco para chefe do governo.
Este, enérgico e habituado à guerrilha política (dissidente em 1901 do Partido
Regenerador, por divergências relativas a uma lei sobre a contribuição
predial), passou a liderar o Partido Regenerador Liberal que fundou em 1903, no
que foi acompanhado por cerca de três dezenas de deputados, entre os quais
figuras de primeiro plano dentro do Partido Regenerador. João Franco convenceu
o Rei a encerrar as Cortes de modo, alegadamente a seguir um caminho novo,
implementar medidas objetivas e credíveis com vista à moralização da vida
política, como a reorganização interna que conduziria ao restauro da autoridade
do Estado e reformas sociais, aspiradas mas adiadas, capazes de colherem larga
base de apoio popular, especialmente entre os trabalhadores que pretendia caçar
como eventualmente os republicanos, destinatários da alta questão da justiça
social e utilidade pública, no seu mais largo sentido. Para João Franco, o seu
novo partido tinha sentido pois a fórmula rotativa estava esgotada, Portugal
não pode continuar a ser ludíbrio de regeneradores e progressistas.
A governação de João Franco, agitou fortemente a oposição,
não só a republicana, mas também a monárquica não menos agressiva, liderada por
rivais que o acusavam de governar em ditadura.
Se o Sr. João Franco estende a mão aos republicanos, esta
fica-lhe no ar, porque nós não lha queremos, afirmou nas Cortes o Deputado
António José de Almeida, que os republicanos de Alcobaça muito apreciavam.
No Partido Progressista também se verificou em 1905 uma
dissidência liderada por José Alpoim, Ministro de Justiça de um governo
chefiado por José Luciano. Em Alcobaça, esta interessava, tão só, na medida em
que os republicanos como Santiago Ponce sabiam e diziam não ter pressa, pois
que iriam comer a maçã madura que lhes caía no prato sem esforço.
-3-D. CARLOS, LUIS XVI E AFONSO
COSTA-
O Deputado Afonso Costa virou-se para João Franco e disse
implacavelmente sem tremer a voz: O
Senhor Presidente do Conselho é mandatário do País e os membros do Parlamento,
como representantes da nação são seus mandantes. S. Eª, como administrador ou
procurador nosso, tem o dever de trazer à Câmara as contas dos adiantamentos
feitos a eles. A Nação ordena, e declarara indispensável, que essas pessoas
reponham as quantias desviadas com todos os juros sem exceção de uma só verba;
declara formalmente que não consentirá no aumento da lista civil, nem em
qualquer regularização, nem em outro modo acomodatício de pagamento. E mais
ordena do Povo, solenemente, que logo que tudo esteja pago, diga o Senhor Presidente do Conselho ao Rei: Retire-se senhor, saia do País, para não ter
que entrar numa prisão em nome da lei.
Das galerias, soaram aplausos, que a Mesa não conseguiu
dominar.
Afonso Costa prosseguiu: Por
muito menos crimes do que os cometidos por D. Carlos I, rolou no cadafalso, em
França, a cabeça de Luís XVI.
Novamente soou a campainha, Ordem! Ordem, e Tomás Pizarro de Mello Sampaio (de nome completo,
deputado pelo Partido Regenerador-Liberal, de João Franco, havia assumido a
Presidência da Câmara dos Deputados, entre 1906 e 1908), declarou que ou o senhor Afonso Costa retira a frase ou
tenho de lhe aplicar o Regimento.
Afonso Costa, repisou a injúria no mesmo tom, sobrepondo-se
ao tumulto que criara na Câmara: Por
muito menos rolou no cadafalso a cabeça de Luís XVI.
O tumulto aumentou nas galerias, que os contínuos queriam
esvaziar. Os deputados republicanos gritavam que era ilegal mandar sair o
público, encontrando-se a sessão aberta e não se deviam suspender os trabalhos.
Mais uma vez a voz de Afonso Costa fazia-se ouvir acima de qualquer outra:
-Eu respondo pelos meus atos!
-V.Exª não pode falar… Convido-o a
retirar-se do edifício das Cortes.
Afonso Costa bradava: Havemos de sair
todos! Hão de prender-nos a todos! Esta a liberdade do governo e a liberdade da
monarquia.
-Em virtude da resistência do senhor
Afonso Costa à intimação que lhe faço, em nome da Câmara, vou mandar entrar a
força armada.
Quando os soldados entraram na sala, num gesto largo e
teatral, Afonso Costa ao ser arrastado para o exterior, virou-se para eles de
braços abertos e gritou: Soldados, não
tendes o direito de tocar num representante do povo. E acrescentou: Soldados! Com a minha voz e as vossas armas
baionetas, vamos proclamar a República, vamos fazer uma Pátria nova.
Dirigindo-se a João Franco e enquanto partia entre os
soldados, Costa gritava de punho erguido: Esta
é a sua liberdade!
O Deputado António José de Almeida,
ainda tentou convencer os militares (que apelidava de Filhos do Povo), a
proclamarem nesse momento a República. Este e outros incidentes, difundidos e
ampliados pelos republicanos, levaram a agitação a muitos pontos do País. Em
Alcobaça, aquilo em que participava António José de Almeida era seguido com
atenção.
Afonso Costa e Alexandre Braga, foram julgados e condenados
por ofensas ao Rei na suspensão dos direitos parlamentares por 30 dias.
-4-ECOS EM ALCOBAÇA-
Em 3 de julho de 1907, Câmara Municipal protestou contra o
estado da administração pública decorrente da ditadura franquista, pelo que
enviou a Lisboa, uma delegação com dois de seus membros, para pedir o regresso
à normalidade constitucional, a qual foi acolhida com alguma indiferença pelo
secretário do ministro que a recebeu.
O Presidente da Câmara, em 30 de dezembro de 1907 anunciou
que, em obediência a ordens superiores, abandonava, tal como os vereadores, a
gestão da Câmara, protestando contra a violação constitucional e leis do país,
entregando a administração municipal a uma entidade que não foi eleita pelos
munícipes, como impunha a Carta.
A notícia do acontecimento nas Cortes com Afonso Costa,
chegou a Alcobaça no dia seguinte, trazida de Lisboa por Américo d’Oliveira,
tendo sido recebida com cautela, dados os inusitados termos e possíveis
efeitos.
Quando na sexta-feira os Deputados Afonso Costa e Alexandre
Braga, retomaram os seus lugares (afinal não cumpriram 30 dias), foi expedido
para Lisboa um telegrama de solidariedade:
Drs. Afonso Costa e Alexandre Braga,
câmara dos deputados – Lisboa.
Republicanos de Alcobaça saúdam os
seus deputados e, confiando que eles continuarão a servir o país e a honrar o
seu mandato como até aqui, esperam que se não repetirá a injusta violência de
que foram vítimas, e nós com eles.
(a) Raposo de Magalhães.
-5-AMÉRICO D’OLIVEIRA-
Américo d’Oliveira propagandista da República (para cuja
causa contribuiu com dinheiro que herdou), maçon e carbonário, teve ação
relevante já no dia 4 de outubro, na Rotunda ao lado de Machado dos Santos, que
ao admitir o eventual falhanço do golpe, o incentivou, permanecendo ambos lado
a lado até à vitória se consumar,
As coisas não correram bem aos sublevados que se tinham
concentrado na Rotunda. Perante a ausência dos principais dirigentes
republicanos e em face dos
boatos que começavam a fervilhar, alguns
consideram que se deveria levantar o acampamento.
Em 1908, Américo d’Oliveira vivendo ainda em Alcobaça, fundou
e custeou o jornal O Republicano, do qual terão saído apenas seis exemplares e
era principal redator Raul Proença que também vivia em Alcobaça.
Este, figura cimeira do pensamento político português no
primeiro quartel do século XX, marcou a intervenção cívica durante a I
República, cujos vícios criticou duramente. Proença combateu o sidonismo e a
Ditadura Militar que, em 1927, o condenou ao exílio em Paris. Tendo regressado
a Portugal em 1932, já acometido da grave doença mental que o levaria ao
internamento no Hospital do Conde de Ferreira, no Porto, aí faleceu.
Um grupo de amigos e correligionários de Américo d’Oliveira,
ofereceu-lhe no dia 21 de janeiro de 191/sábado, no Grande Hotel de Inglaterra-
Lisboa (um dos mais conceituados da capital, propriedade de A. Ramos, situado
na esquina da Praça dos Restauradores com a Rua do Príncipe, hoje Rua do Jardim
do Regedor, inaugurado a 15.04.1906, após profundas obras para ser adaptado a
hotel e que com o 5 de Outubro, sofreu bastantes danos, embora tenha reaberto
ao fim de poucos dias), um banquete de homenagem pelos serviços prestados à
República, quando do movimento que a implantou. Diversos brindes foram
proferidos, salientando a ação de Américo d’Oliveira, de quem o Ministro
António José de Almeida, que assistiu ao jantar, frisou ser um dos mais
heroicos combatentes da Revolução, ao qual a História haveria de fazer justiça.
O semanário lisboeta Colonial,
querendo prestar homenagem ao revolucionário Américo d’Oliveira, inseriu o
retrato num dos seus números, fazendo-o acompanhar de um artigo a salientar a
sua coragem e determinação no decorrer do 4 de outubro, na Rotunda.
Nos primeiros momentos da revolta Machado Santos corre o
acampamento e não encontra um oficial, a quem se pudesse entregar o comando.
Foi um momento de dolorosa angústia para o heroico
marinheiro, republicano desde muitos anos e um doido pela grande ideia.
O que ele sofreu nesses momentos, ao ver que o movimento ia
talvez fracassar, diante delle que estava ali resolvido a praticar todas as
loucuras!
Olhou em volta de si e viu Américo de Oliveira, que procurava
o mesmo que ele: uns galões de ouro.
Com a mesma ideia dirigem-se para outro.
-Estamos perdidos! Exclama Machado
dos Santos. Estamos sós! Que fazer?
Américo de Oliveira exclamou, num ímpeto:
-Tocar a unir, e perguntar aos
sargentos se aceitam o seu comando!
Machado dos Santos exultou, já não
estava só, tinha ali ao lado um companheiro heroico. Silenciosamente, mas com
grande decisão, caíram nos braços um do outro, e foi com uma voz potente de
comando de Machado dos Santos mandou tocar a unir.
Felizmente, os heroicos sargentos aceitaram sem relutância o
comando de um oficial da marinha, que nem sequer era combatente. De tal modo
eles queriam ir para a frente!
Américo d’Oliveira participou no 28 de maio de 1926, tendo
sido um dos dois que, com Mendes Cabeçadas, foi ao Palácio de Belém parlamentar
com Bernardino Machado, a entrega do poder.
Foi o editor de Arquivo Nacional, que Rocha Martins dirigiu
entre 1932 e 1943, semanário que divulgava, aliás sem grande profundidade
factos, acontecimentos, biografias e memórias de contemporâneos e de figuras de
outras épocas, quase sempre marcadas por controvérsia.
-6-O PARTIDO REPUBLICANO EM ALCOBAÇA-
O Partido Republicano não tinha delegação em Alcobaça, o que
não impedia ação política por parte de seus membros ou dirigentes.
O Centro Democrático Republicano apenas seria constituído em
1907, pelo que até aí os republicanos reuniam-se informalmente, na farmácia ou
em casa de Natividade. Por isso os abaixo assinados, constituídos em comissão
para levarem a efeito a organização do partido republicano no concelho de
Alcobaça, tomam a liberdade de convidar para um reunião que se há de efetuar no
dia 25 do corrente, todos os cidadãos republicanos e maiores de 21 anos do
mesmo concelho, a fim de se eleger a respetiva comissão municipal e encetar
outros trabalhos concernentes á referida organização.
A reunião terá lugar em Alcobaça, à 1
hora da tarde na casa onde existiu a antiga fábrica de papel, á Levada,
pertencente ao Sr. Francisco Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
Alcobaça, 15 de dezembro de 1906.
José Eduardo R. de Magalhães
António de Sousa Neves
Santiago Perez Ponce y Sanchez
João Ferreira da Silva
Afonso Ferreira
Nota-São considerados cidadãos
republicanos, além dos que se acham inscritos como subscritores do partido,
todos quantos assinaram as mensagens de adesão enviadas ao comício de Leiria e
ao banquete em homenagem aos deputados republicanos, e bem assim aqueles que,
desejando aderir, compareçam á reunião
do
dia 25 e nessa ocasião se inscrevam no respetivo cadastro partidário, a fim de
poderem votar na eleição da comissão municipal.
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