quarta-feira, 5 de abril de 2017

LEIS FRATURANTES DA I REPÚBLICA O REGISTO CIVIL OBRIGATÓRIO PORTUGAL E ALCOBAÇA

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O registo civil e paroquial foi um tema bastante discutido ao longo do século XIX português, ainda que o seu debate tenha sido mais intenso a partir da sua segunda metade.
Era um assunto que não poderia ser considerado de per si, pois estava intimamente relacionado com a participação da Igreja nos momentos cruciais da vida do homem, desde logo na educação e formação moral. Em Portugal oitocentista, a sociedade encontrava-se altamente imbuída dos princípios e valores cristãos, presa a uma instituição que assegurava a salvação da alma. O registo civil e paroquial, era a garantia de que o cristão/católico, no decorrer da vida cumpria os sacramentos do nascimento, casamento ou morte, que lhe permitiam alcançar a vida eterna. 
Contudo, para os não católicos, que aliás não eram percentualmente muitos, pelo menos assumidamente, o registo paroquial colocava-os numa situação de desfavor, pois que o registo do nascimento, casamento ou morte só se podia processar e reconhecer através da Igreja. Esta foi uma das razões que levou à instituição do Registo Civil, por Mouzinho da Silveira (Decreto de 1832). Segundo o artº. 69º., numa linguagem nova o registo civil é a matrícula geral de todos os cidadãos pela qual a autoridade pública atesta e legitima as épocas principais da vida civil dos indivíduos, a saber: os nascimentos, casamentos e óbitos.
Deste modo, passava-se a reconhecer igualdade de direitos entre católicos e não católicos, podendo estes doravante ver reconhecidas/legalizadas as suas  situações de facto, sem ter de recorrer a uma instituição que não a sua. Este registo ficou, a partir de 1835, a cargo do Administrador do Concelho, que passou a deter a redação e a guarda dos livros do registo civil para os não católicos.
Dado este primeiro e fundamental passo, surgiram novos diplomas, que regulamentaram o registo civil e paroquial, transferindo aos poucos para o Estado, novas responsabilidades nesse domínio.
Em 1867, ocorreu a regulamentação do registo do casamento civil para os não católicos, marco importante no caminho até ao registo civil para todos, pois dá-se a rutura com a exclusiva conotação religiosa e sacramental do casamento. No registo civil, o casamento passou a configurar um contrato entre duas pessoas de sexo diferente, sem origem ou intervenção de Deus. Vozes surgiram, antes e depois, a defender contra a corrente que o casamento civil contrariava a Carta Constitucional e punha em causa a instituição familiar, por rebaixar a condição da mulher e abrir as portas ao divórcio.
Mas sem sucesso. A medida acabou por se impor.
A polémica sobre a laicização do casamento ganhou acuidade aquando da promulgação do Código Civil. O casamento sempre fora considerado um contrato, embora revestido de caráter sacramental. Agora reivindicava-se uma natureza puramente civil, o que provocou fortes movimentações e pressões por parte do Vaticano através do Núncio em Portugal. O casamento civil foi previsto no Código Civil, mas ficou sem aplicação prática dada a resistência do poder político, que acolhia uma corrente popular e eclesial de peso.
Ramalho Ortigão, insurgia-se (1872) por só ser permitido em Portugal o casamento religioso. Portugal era no seu dizer um país em que ninguém pode entrar nem mesmo na família à qual parece que todos deveriam ter direito quaisquer que fossem as suas crenças sem provar com atestados autênticos o seu bom procedimento religioso.
O Governo Provisório da República, elaborou rapidamente diplomas legislativos, de modo a impor as ideias, que já vinham enunciadas no Programa do PRP, aquando do combate à Monarquia.
Uma delas, consistia na necessidade de estancar a, alegadamente, excessiva intervenção da Igreja na vida nacional que, segundo os republicanos, era o grande motivo pelo qual a sociedade e o país se encontravam no estado de decadência e atraso. Afonso Costa entendia que está admiravelmente preparado o povo para receber essa lei; e a ação da medida será tão salutar que em duas gerações Portugal terá eliminado completamente o catolicismo, que foi a maior causa da desgraçada situação em que caiu.

O liberalismo reforçou, no campo do direito português, a família tradicional, ao atribuir ao chefe de família prerrogativas como a autoridade marital e o poder paternal, que a República, não obstante a sua matriz democrática, manteve em certa medida.
A primeira (autoridade marital), implicava a subordinação da mulher ao marido (como preceituava o Código Civil), ao definir como dever, prestar obediência ao marido, enquanto a este incumbia (…) proteger e defender a pessoa e os bens da mulher, considerada física e intelectualmente como a componente conjugal mais fraca. A mulher, encontrava-se nesta relação, numa situação subalterna, algo semelhante a um menor, com a obrigação de acompanhar o marido, de necessitar da sua autorização para exercer o comércio, adquirir, alienar bens, contrair obrigações, estar em juízo, podendo, ainda, aquele abrir as suas cartas e papéis.
O direito reconhecia-lhe a possibilidade de separação de pessoas sem bens, apenas em caso de sevícias, injúrias graves ou adultério do marido com escândalo público, completo desamparo ou com concubina teúda e manteúda no domicílio conjugal. De acordo com o Código Penal, o marido adúltero era sujeito a uma pena de prisão de três meses a três anos, enquanto que, em caso de adultério feminino, podiam ser-lhe retirados os bens e arbitrada uma mensalidade pelo Conselho de Família.
O Código de Processo Civil (1878), previa em caso de separação, o depósito da mulher casada, como preparatório ou consequência do ato, isto é, se esta pretendesse abandonar o domicílio familiar/conjugal, teria de requerer ao poder judicial, o depósito em casa de uma família honesta, escolhida pelo juiz. A expressão depósito, de conteúdo muito humilhante, foi revogada pela República, mas reposta com o Estado Novo, no que já foi qualificado como uma reconstrução jurídica do patriarcado, com a agravante de, em caso de abandono de marido ou de recusa em o acompanhar, este pode requerer que a mulher lhe seja entregue judicialmente.
A autoridade marital completava-se com as disposições sobre o casamento que, embora reconhecessem à mulher, direitos sobre bens próprios, atribuía ao marido a respetiva administração, salvo no caso de falta ou impedimento dele. A mulher podia por convenção antenupcial, reservar para si para despesas próprias, uma parte dos rendimentos dos seus bens, a qual não podia exceder um terço dos rendimentos líquidos.
Alegadamente na defesa da mulher e da família, o Código Civil estabelecia uma relação de desigualdade que submetia a mulher ao poder marital. A denúncia destas e outras descriminações mobilizou os movimentos feministas portugueses, na transição do século XIX para o século XX, os quais obtiveram de parte da República, a eliminação de algumas disposições, consideradas ofensivas da dignidade feminina.
Contudo está, apesar de admitir que a sociedade conjugal se baseava na liberdade e na igualdade, não tocou seriamente na supremacia masculina, apesar de conferir à mulher, o governo doméstico e uma assistência moral tendente a fortalecer e a aperfeiçoar a unidade familiar.
Os princípios democráticos não tinham tradução na arquitetura politico-constitucional do novo regime, que recusava o direito de voto ao sexo feminino, o qual só foi concedido, depois de 28 de maio, com algumas limitações.       
A segunda (poder paternal), traduzia-se no poder atribuído ao pai, reservando-se à mãe o direito de ser ouvida em tudo o que diz respeito aos interesses dos filhos. Remontando à tradição jurídica romana, que atribuía ao pater famílias um poder quase ilimitado sobre os filhos, o Código Civil estabeleceu a autoridade paterna, a quem conferiu severa capacidade de correção, com a possibilidade de no caso de filho desobediente e incorrigível, recorrer ao poder judicial e o colocar numa casa de correção.
À luz do direito e da vida em concreto, a família devia ser dirigida com mão firme, tendo os filhos a obrigação de honrar e respeitar os seus pais, e estes de lhes prestar alimentos e ocupação, conforme as suas posses e estado. Honrar pai e mãe era, por conseguinte, uma exigência reiteradamente repetida nos manuais de civilidade (não apenas decorrente dos valores morais ou cristãos da tradição e cultura nacionais), devendo o amor filial manifestar-se sob a forma de respeito e de deferência, expresso na forma de tratamento Senhor/Senhora ou Vossemecê, comum no meio rural, sendo raro o tutear. Senhora - mãe ou Senhor - pai era o modo como os filhos se dirigiam aos pais, pelo menos nalgumas famílias da zona norte do concelho de Alcobaça. Alguns republicanos, rurais ou urbanos, sem questionarem a supremacia masculina, aceitavam o menor papel conjugal da mulher, a quem competia ensinar, desde o colo, as virtudes domésticas, o respeito pelas instituições, o gosto pelo trabalho, o amor à pátria, a integridade moral, as boas maneiras enfim a disciplina. Este modelo assentava na diferença de funções desempenhadas, a mulher como dona de casa, o homem, como chefe da família e seu sustento.
A casa, âncora familiar, é o fundamento da moral e da ordem social subordinada, porém, à chefia masculina.
O desinteresse pelos afazeres domésticos era apenas um dos sintomas de um mal mais profundo que alguns, não apenas os ligados à Igreja, vinham a denunciar desde meados do século XIX.







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