terça-feira, 4 de abril de 2017


É reconhecido que o Poder Local constitui uma das mais sólidas e significativas transformações, diria conquistas, da sociedade portuguesa, após 25 de abril.
O Poder Local está firmemente enraizado na vida colectiva dos portugueses, pesem embora os atropelos e alguns fenómenos de degenerescência de que tem sido vítima ao longo dos anos e, que de alguma forma, têm maculado a sua matriz, em conexão com o que se convencionou designar por conquistas da revolução, designadamente, no domínio dos direitos sociais e políticos.
Importa assinalar que, desde o início da sua institucionalização, o Poder Local Democrático, ao longo do tempo, tem sido alvo de algumas más vontades, mais ou menos dissimuladas, quando não  de ostensivos ataques. Esta ofensiva é patente, por exemplo, nos obstáculos ao processo de regionalização (hoje completamente congelado embora os partidos recorrentemente refiram a necessidade de descentralização), nas várias alterações ao regime legal das autarquias locais e, mais recentemente no atabalhoado processo de extinção e fusão de freguesias.
Seja como for, pode dizer-se que o poder local transformou a geografia política do País, no plano do desenvolvimento e económico e social e as suas realizações são assinaláveis de norte a sul, não obstante alguma obra de fachada porventura com  desperdício de recursos, que os seus adversários não se cansam de assinalar.
Não pretendo fazer o balanço das realizações do Poder Local, mas como tem sido proclamado pela Associação Nacional dos Municípios Portugueses, pelo Governo de António Costa e publicamente reconhecido por entidades e instituições insuspeitas, o investimento feito pelas autarquias é muito mais reprodutivo que o da Administração Central.
Os atropelos legais, o mau uso de dinheiros públicos e os crimes, a todos os títulos condenáveis, que têm manchado algumas autarquias, servem muitas vezes, perante a opinião pública, como biombo com que se pretende encobrir ou dissimular as tropelias do Governo, da Administração Pública Central e dos poderes que gravitam em sua órbita.
Neste contexto, julgo poder afirmar-se que, de uma forma geral, as populações se reconhecem na fecundidade das realizações Poder Local e, mais do que em qualquer outra instância política, nele projectam a satisfação das suas necessidades e a esperança de maior e melhor desenvolvimento e bem-estar.
O Poder Local não tem apenas a dimensão desenvolvimentista, em que a generalidade da sociedade portuguesa imediatamente mais se revê, mas outras, nem sempre devidamente assinaladas. Realce-se que o Poder Local tem encontrado, em maior ou menor grau, com mais ou menos acerto, intérpretes de todo o leque partidário.Refiro-me aqui, à expressão democrática do poder local e à componente participativa que está na sua génese e na sua matriz.
Uma realidade pressentida e reconhecida, desde sempre, ainda que porventura apenas implicitamente, na matriz do nosso Poder Local, são os valores cívicos, culturais e simbólicos que ultrapassam a mera componente desenvolvimentista.
Já se escrevia em em 1986, que o poder local democrático tem permitido em muitos casos um grau elevado das massas populares no exercício da administração local (...) aproximou homens e mulheres interessados no progresso das suas terras (...); todo esse processo transformou o exercício do poder local democrático num factor importante de formação cívica das populações, contribuiu para alargar a ideia de que os assuntos colectivos dizem respeito a todo o povo, que este tem direito de participar, de que lhe prestem contas, de decidir.
Assim foi desde a Revolução de Abril, com a constituição de movimentos populares (embora nem sempre ingénuos e frequentemente meramente voluntarista), que compreendeu a destituição dos representantes locais do regime deposto e no desmantelamento do seu aparelho administrativo, a eleição e designação das Comissões Administrativas para as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, a criação de Comissões de Moradores e outras entidades de participação popular, o trabalho voluntário, entusiasta, que viabilizou a realização de necessidades básicas em matéria de fornecimento de água, de saneamento, electrificação rural, vias de comunicação, serviços de saúde, escolas, etc., etc.
Esta pulsão depressa acarretou que os Governos e os partidos do Arco do Poder (expressão utilizada até ao governo de António Costa) compreendessem que o Poder Local era obstáculo ao propósito de criação de um Estado centralizado.
Nada de novo, portanto, nesta ofensiva ao Poder Local, que têm as autarquias locais e os seus representantes como o alvo.
Nada de novo no activismo daqueles intelectuais, que não se preocupam com o despovoamento do interior do País, proclamam a transformação da rede de municípios, isto é, a sua extinção em nome, de um programa de ajustamento e da reforma do Estado.
E, no entanto, bem poderiam as autarquias locais, na sua expressão mais genuína constituírem-se eixo fundamental da recuperação económica do País. E, mais do que isso, erguerem-se, como espaço privilegiado de afirmação, compreensão e de estímulo ao aprofundamento da democracia, em que os direitos políticos, sociais e culturais são golpeados.
Quer dizer, poderia o Poder Local constituir-se como instância de construção de (novas) afirmações, valores e identidades, nos diversos contextos geográficos donde emana, promovendo os fundamentos de transformação social e viabilizando uma outra percepção do mundo e das coisas, libertos do determinismo das inevitabilidades tão proclamadas pelo poder.
Importará assim perspectivar o Poder Local no contexto mais vasto do sistema de poder da sociedade, onde se exprimem evidentemente as grandes figuras de poder, designadamente, o poder do Estado (figura maior do Poder), mas também o poder das classes e grupos sociais, o poder das elites culturais, o poder das Igrejas, etc., bem como o poder mediático e outros instrumentos de domínio social e de luta política.
O Poder Local emerge então, nos termos constitucionais, como componente do Estado democrático, que, no quadro da sua autonomia e competências próprias, se desenvolve em termos de subsidiariedade, face aos desígnios do Estado e de outras instituições, designadamente, as europeias.


A Revolução de 25 de abril devolveu a democracia a Portugal, depois de quarenta e oito anos de regime autoritário. Este importante acontecimento da nossa História recente, deu ao povo português, entre outras coisas, a liberdade de escolher e votar nos dirigentes locais, de qualquer indivíduo se poder candidatar a cargos públicos, ou seja, deu a oportunidade de participar activamente na vida política e ser parte nas decisões tomadas a nível nacional e local.
Na Benedita, um dos primeiros a saber da existência do Movimento das Forças Armadas foi, possivelmente, José Vinagre. Segundo me contou, soube pelas 5h, ao ouvir as notícias pela rádio, que já transmitia músicas revolucionárias e fazia avisos à população. Nesse dia, levantara-se excepcionalmente cedo e, logo que pode, telefonou para familiares residentes em Lisboa, a quem alertou para o facto e pediu prudência, se saíssem à rua.
Antes de 1974, o país vivia sob o domínio da União Nacional, e todos os dirigentes políticos, desde o Governo aos deputados da Assembleia Nacional, aos presidentes e e vice-presidentes das Câmaras Municipais, aos presidentes e vogais das Juntas de Freguesia, eram nomeados, em princípio, dentro desse partido único. Todavia no ano de 1946, em Alcobaça, aconteceu um caso inédito.
Nascido em Alcobaça, o Dr. José Nascimento e Sousa dedicou grande parte da sua vida ao exercício da Medicina, em cujo curso se licenciara em Coimbra. A afinidade com o Estado Novo, levou-o, em 1942, a assumir a Presidência da Comissão Concelhia de Alcobaça, da União Nacional e, quatro anos mais tarde (como naturalmente), a Presidência da Câmara Municipal. O seu mandato, de cerca de um ano foi o mais curto de que há registo, devido ao facto de a Vereação ser composta por figuras da Oposição. A demissão do Presidente da Câmara foi a forma eficaz e rápida que o Governo encontrou para ultrapassar a situação inédita e impossível, uma vereação maioritariamente não afecta ao regime, e a não recondução do Presidente, o meio para lhe manifestar a veemente censura.
Depois da Revolução, Portugal passou a viver num regime democrático. Contudo, e como acontece depois de uma revolução, não se efectuaram logo eleições, pois era primeiro necessário estabilizar o país, proceder à organização das instituições para que se pudesse levar a cabo o recenseamento eleitoral e dar tempo às estruturas partidárias de se organizarem e apresentarem as suas propostas.
Assim, só a 16 de Dezembro de 1976 se realizaram as primeiras Eleições Autárquicas Democráticas. Nestas eleições, foram eleitos 304 presidentes de câmara municipais, 5135 deputados municipais, e cerca de 26 mil deputados para as assembleias de freguesia. Pela primeira vez, depois de largos anos, o povo decidia livremente sobre os seus destinos a nível local.
Em Alcobaça, após a Revolução de abril, e a 17 de Julho de 1974, o Secretário do Governo Civil de Leiria, Luís de Almeida Trindade, deu posse à primeira Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Alcobaça, que teve a seguinte composição:
PRESIDENTE: Jorge Nogueira Silvestre, agrónomo (MDP/CDE),
VOGAIS: José Ventura Duarte, proprietário, Alberto Serrano e Silva, investigador, Gilberto Magalhães Coutinho, comerciante, João Lameiras de Figueiredo, médico, Pessanha Gonçalves, advogado e António Silva Rosa, agrónomo. Todos estes alcobacenses, para além de serem conotados com a oposição ao regime deposto, identificavam-se com partidos de esquerda, que não rejeitavam métodos violentos de ação.
Nos primeiros dias de Janeiro de 1975, a CA da Câmara de Alcobaça ainda empossou um dos últimos regedores do Concelho, neste caso na Benedita, na pessoa de José Félix Francisco, que substituiu Armando Ferreira Baltazar, a quem pelo Presidente Silvestre foi desejado um bom desempenho na sua missão cívica. Uma das principais funções cometidas aos regedores consistia no policiamento da freguesia. Para os auxiliarem, os regedores tinham às suas ordens os cabos de polícia. A importância dos cabos de polícia foi também diminuindo, à medida que se foram alargando as áreas de intervenção da PSP, nas áreas urbanas e, mais tarde, da GNR, nas áreas rurais. A última regulamentação dos regedores, foi definida pelos Códigos Administrativos de 1936 e de 1940. Os regedores deixaram de ter o estatuto de magistrado administrativo, passando a ser os representantes dos Presidentes das Câmaras Municipais e nomeados por estes, salvo nos concelhos de Lisboa e Porto, onde eram nomeados directamente pelos Governadores Civis. Incumbia aos regedores fazer cumprir as ordens, deliberações, posturas municipais e os regulamentos de polícia, levantar autos de transgressão, auxiliar as autoridades policiais e judiciais, agir de modo a garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, auxiliar as autoridades sanitárias, garantir os regulamentos funerários, mobilizar a população em caso de incêndio e cumprir outras ordens ou instruções emanadas do Presidente da Câmara Municipal. A figura do regedor foi extinta na sequência da entrada em vigor da CRP, de 1976.
O PPD fez em 15 de Janeiro de 1975 a sua apresentação na Benedita, terra que o MDP/CDE reputava de fascista, com a presença de Silva Carvalho, Gonçalves Sapinho, Rafael Serralheiro, José Vinagre, Fleming de Oliveira e outros, apesar da campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte se iniciar oficialmente apenas em 4 de Março.
Aquela CA governou os destinos do concelho, até Silvestre ser chamado a ir trabalhar para a Secretaria de Estado da Agricultura. Com a demissão de Silvestre, interinamente passou a ocupar o lugar o vice-presidente Gilberto Magalhães Coutinho. Os Vereadores António da Silva Rosa, Alberto Serrano e Lameiras de Figueiredo, apresentaram as respectivas demissões em 2 de Abril de 1975, pelo que, se impunha constituir uma nova CA para a CMA.
Após demoradas e pouco pacíficas negociações, já que mais uma vez o Governador Civil de Leiria Rocha e Silva queria ou pelo menos parecia querer favorecer determinadas forças, veio a ser empossada em 6 de Maio de 1975 uma equipa para a Câmara Municipal, com a seguinte composição:
PRESIDENTE: José Pinto Júnior, PC.
VOGAIS: Gilberto Magalhães Coutinho e Celeste Vilhena Costa, MDP/CDE, Vitalino Casinhas e Leonel Afonso Belo, PS, Alfredo Carvalho Lino, PPD, e José Ventura Duarte, Independente.
Esta CA esteve em funções até ao assalto e ocupação da CMA (julho de 1975), substituída por outra presidida por Miguel Guerra (PS) até à realização das eleições autárquicas de 16 de Dezembro de 1976.
Nas Eleições Autárquicas de 1976, os munícipes de Alcobaça deram a vitória ao Partido Socialista, tendo sido eleito Presidente da Câmara Municipal o seu cabeça de lista, Miguel Martinho Ferreira Guerra. Foram ainda eleitos os seguintes Vereadores: Eduardo Vieira Coelho (PS) Martiniano Rodrigues (PS) Fleming de Oliveira (PPD e substituto do presidente da Câmara), Mário Tanqueiro (PPD), José Rafael Serralheiro (PPD) e Manuel Ferreira Castelhano (CDS). A Benedita estava bem representada.
É também nestas primeiras eleições autárquicas que o povo elegeu os deputados à Assembleia Municipal. Passou, então, a existir um órgão autárquico, com poderes para deliberar e fiscalizar os assuntos municipais. Esta primeira Assembleia Municipal tomou em janeiro de 1977, tendo sido eleito Presidente da Assembleia Vasco da Gama Fernandes, do PS e Presidente da Assembleia da República, que em breve pediu a demissão sendo substituído por Gonçalves Sapinho (PPD).
Recordemos alguns autarcas da Benedita a começar naturalmente pela Comissão  Administrativa da Junta, presidida por António Guerra Madaleno, acompanhado por António Pimenta Marques, António Serrazina Mendes, Avelino Luís Ferreira Catarino, Fernando do Couto Marques, Manuel Bento de Sousa.
O primeiro executivo da Junta eleito depois de 25 de abril derivou de uma Lista de Independentes presidida António da Silva Marques  a que se seguiram uma da AD encabeçada por José Fialho Vinagre, uma do PSD encabeçada Avelino  Honório da  Silva que fez dois mandatos sucessivos, uma de Independentes encabeçada por Luís da Silva Marques, uma do PS encabeçada por João Raul, uma do  PSD encabeçada por José Fialho Vinagre que fez dois mandatos sucessivos, uma do PSD encabeçada Maria José Filipe, com dois mandatos e atualmente uma do PS cujo presidente é João Raul. Quanto a seguir antes do fim do ano saberemos.
Desde então, Alcobaça, tal como o resto do país, tem sabido preservar e consolidar os valores democráticos, tanto ao nível da Câmara Municipal, como das Freguesias. As Eleições Autárquicas, que se disputam de quatro em quatro anos, são hoje um dos pilares fundamentais do desenvolvimento social, cultural e económico do país e a base de sustentação do regime democrático em Portugal. Por isso, é imperativo que os cidadãos, de todas as idades, se empenhem e participem, de uma forma activa e consciente, nas decisões políticas da sua região.
Porque Participar é pressuposto de poder Decidir. 



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