É reconhecido que o
Poder Local constitui uma das mais sólidas e significativas transformações,
diria conquistas, da sociedade portuguesa, após 25 de abril.
O Poder Local está
firmemente enraizado na vida colectiva dos portugueses, pesem embora os atropelos
e alguns fenómenos de degenerescência de que tem sido vítima ao longo dos anos
e, que de alguma forma, têm maculado a sua matriz, em conexão com o que se
convencionou designar por conquistas da revolução, designadamente, no domínio
dos direitos sociais e políticos.
Importa assinalar
que, desde o início da sua institucionalização, o Poder Local Democrático, ao
longo do tempo, tem sido alvo de algumas más vontades, mais ou menos
dissimuladas, quando não de ostensivos
ataques. Esta ofensiva é patente, por exemplo, nos obstáculos ao processo de
regionalização (hoje completamente congelado embora os partidos recorrentemente
refiram a necessidade de descentralização), nas várias alterações ao regime
legal das autarquias locais e, mais recentemente no atabalhoado processo de extinção e fusão de freguesias.
Seja como for, pode
dizer-se que o poder local transformou a geografia política do País, no plano
do desenvolvimento e económico e social e as suas realizações são assinaláveis
de norte a sul, não obstante alguma obra
de fachada porventura com
desperdício de recursos, que os seus adversários não se cansam de
assinalar.
Não pretendo fazer o
balanço das realizações do Poder Local, mas como tem sido proclamado pela
Associação Nacional dos Municípios Portugueses, pelo Governo de António Costa e
publicamente reconhecido por entidades e instituições insuspeitas, o
investimento feito pelas autarquias é muito mais reprodutivo que o da
Administração Central.
Os atropelos legais,
o mau uso de dinheiros públicos e os crimes, a todos os títulos condenáveis,
que têm manchado algumas autarquias, servem muitas vezes, perante a opinião
pública, como biombo com que se pretende encobrir ou dissimular as tropelias do Governo, da Administração
Pública Central e dos poderes que
gravitam em sua órbita.
Neste contexto,
julgo poder afirmar-se que, de uma forma geral, as populações se reconhecem na
fecundidade das realizações Poder Local e, mais do que em qualquer outra
instância política, nele projectam a satisfação das suas necessidades e a
esperança de maior e melhor desenvolvimento e bem-estar.
O Poder Local não
tem apenas a dimensão desenvolvimentista,
em que a generalidade da sociedade portuguesa imediatamente mais se revê, mas
outras, nem sempre devidamente assinaladas. Realce-se que o Poder Local tem
encontrado, em maior ou menor grau, com mais ou menos acerto, intérpretes de
todo o leque partidário.Refiro-me aqui, à expressão democrática do poder local
e à componente participativa que está na sua génese e na sua matriz.
Uma realidade
pressentida e reconhecida, desde sempre, ainda que porventura apenas
implicitamente, na matriz do nosso Poder Local, são os valores cívicos,
culturais e simbólicos que ultrapassam a mera componente desenvolvimentista.
Já se escrevia em em
1986, que o poder local democrático tem
permitido em muitos casos um grau elevado das massas populares no exercício da
administração local (...) aproximou
homens e mulheres interessados no progresso das suas terras (...); todo esse processo transformou o exercício
do poder local democrático num factor importante de formação cívica das
populações, contribuiu para alargar a ideia de que os assuntos colectivos dizem
respeito a todo o povo, que este tem direito de participar, de que lhe prestem
contas, de decidir.
Assim foi desde a
Revolução de Abril, com a constituição de movimentos populares (embora nem
sempre ingénuos e frequentemente meramente voluntarista), que compreendeu a
destituição dos representantes locais do regime deposto e no desmantelamento do
seu aparelho administrativo, a eleição e designação das Comissões
Administrativas para as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, a criação de
Comissões de Moradores e outras entidades de participação popular, o trabalho
voluntário, entusiasta, que viabilizou a realização de necessidades básicas em
matéria de fornecimento de água, de saneamento, electrificação rural, vias de
comunicação, serviços de saúde, escolas, etc., etc.
Esta pulsão depressa
acarretou que os Governos e os partidos do Arco do Poder (expressão utilizada
até ao governo de António Costa) compreendessem que o Poder Local era obstáculo
ao propósito de criação de um Estado centralizado.
Nada de novo,
portanto, nesta ofensiva ao Poder Local, que têm as autarquias locais e os seus
representantes como o alvo.
Nada de novo no
activismo daqueles intelectuais, que não se preocupam com o despovoamento do interior
do País, proclamam a transformação da rede de municípios,
isto é, a sua extinção em nome, de um programa de ajustamento e da reforma do
Estado.
E, no entanto, bem
poderiam as autarquias locais, na sua expressão mais genuína constituírem-se
eixo fundamental da recuperação económica do País. E, mais do que isso,
erguerem-se, como espaço privilegiado de afirmação, compreensão e de estímulo
ao aprofundamento da democracia, em que os direitos políticos, sociais e
culturais são golpeados.
Quer dizer, poderia
o Poder Local constituir-se como instância de construção de (novas) afirmações,
valores e identidades, nos diversos contextos geográficos donde emana,
promovendo os fundamentos de transformação social e viabilizando uma outra
percepção do mundo e das coisas, libertos do determinismo das inevitabilidades tão proclamadas pelo poder.
Importará assim
perspectivar o Poder Local no contexto mais vasto do sistema de poder da
sociedade, onde se exprimem evidentemente as grandes figuras de poder,
designadamente, o poder do Estado (figura maior do Poder), mas também o poder
das classes e grupos sociais, o poder das elites culturais, o poder das
Igrejas, etc., bem como o poder mediático e outros instrumentos de
domínio social e de luta política.
O Poder Local emerge
então, nos termos constitucionais, como componente do Estado democrático, que,
no quadro da sua autonomia e competências próprias, se desenvolve em termos de subsidiariedade, face aos desígnios do
Estado e de outras instituições, designadamente, as europeias.
A
Revolução de 25 de abril devolveu a democracia a Portugal, depois de quarenta e
oito anos de regime autoritário. Este importante acontecimento da nossa
História recente, deu ao povo português, entre outras coisas, a liberdade de
escolher e votar nos dirigentes locais, de qualquer indivíduo se poder
candidatar a cargos públicos, ou seja, deu a oportunidade de participar
activamente na vida política e ser parte nas decisões tomadas a nível nacional
e local.
Na
Benedita, um dos primeiros a saber da existência do Movimento das Forças
Armadas foi, possivelmente, José Vinagre. Segundo me contou, soube pelas 5h, ao
ouvir as notícias pela rádio, que já transmitia músicas revolucionárias e fazia
avisos à população. Nesse dia, levantara-se excepcionalmente cedo e, logo que
pode, telefonou para familiares residentes em Lisboa, a quem alertou para o
facto e pediu prudência, se saíssem à rua.
Antes
de 1974, o país vivia sob o domínio da União Nacional, e todos os dirigentes
políticos, desde o Governo aos deputados da Assembleia Nacional, aos
presidentes e e vice-presidentes das Câmaras Municipais, aos presidentes e
vogais das Juntas de Freguesia, eram nomeados, em princípio, dentro desse
partido único. Todavia no ano de 1946, em Alcobaça, aconteceu um caso inédito.
Nascido em Alcobaça, o Dr. José Nascimento e Sousa
dedicou grande parte da sua vida ao exercício da Medicina, em cujo curso se
licenciara em Coimbra. A afinidade com o Estado Novo, levou-o, em 1942, a assumir a
Presidência da Comissão Concelhia de Alcobaça, da União Nacional e, quatro anos
mais tarde (como naturalmente), a Presidência da Câmara Municipal. O seu mandato, de
cerca de um ano foi o mais curto de que há registo, devido ao facto de a
Vereação ser composta por figuras da Oposição. A demissão do Presidente da
Câmara foi a forma eficaz e rápida que o Governo encontrou para ultrapassar a
situação inédita e impossível, uma
vereação maioritariamente não afecta ao regime, e a não recondução do Presidente, o meio para lhe manifestar a
veemente censura.
Depois
da Revolução, Portugal passou a viver num regime democrático. Contudo, e como
acontece depois de uma revolução, não se efectuaram logo eleições, pois era
primeiro necessário estabilizar o país, proceder à organização das instituições
para que se pudesse levar a cabo o recenseamento eleitoral e dar tempo às
estruturas partidárias de se organizarem e apresentarem as suas propostas.
Assim,
só a 16 de Dezembro de 1976 se realizaram as primeiras Eleições Autárquicas
Democráticas. Nestas eleições, foram eleitos 304 presidentes de câmara
municipais, 5135 deputados municipais, e cerca de 26 mil deputados para as
assembleias de freguesia. Pela primeira vez, depois de largos anos, o povo
decidia livremente sobre os seus destinos a nível local.
Em Alcobaça, após a Revolução de abril, e a
17 de Julho de 1974, o Secretário do Governo Civil de Leiria, Luís de Almeida
Trindade, deu posse à primeira Comissão Administrativa da Câmara Municipal de
Alcobaça, que teve a seguinte composição:
PRESIDENTE: Jorge Nogueira Silvestre,
agrónomo (MDP/CDE),
VOGAIS: José Ventura Duarte, proprietário,
Alberto Serrano e Silva, investigador, Gilberto Magalhães Coutinho, comerciante,
João Lameiras de Figueiredo, médico, Pessanha Gonçalves, advogado e António
Silva Rosa, agrónomo. Todos estes alcobacenses, para além de serem conotados
com a oposição ao regime deposto, identificavam-se com partidos de esquerda,
que não rejeitavam métodos violentos de ação.
Nos
primeiros dias de Janeiro de 1975,
a CA da Câmara de Alcobaça ainda empossou um dos últimos
regedores do Concelho, neste caso na Benedita, na pessoa de José Félix
Francisco, que substituiu Armando Ferreira Baltazar, a quem pelo Presidente
Silvestre foi desejado um bom desempenho
na sua missão cívica. Uma das principais funções cometidas aos regedores
consistia no policiamento da freguesia. Para os auxiliarem, os regedores tinham
às suas ordens os cabos de polícia. A importância dos
cabos de polícia foi também diminuindo, à medida que se foram alargando as
áreas de intervenção da PSP, nas áreas urbanas e, mais tarde, da GNR, nas áreas
rurais. A última regulamentação dos regedores, foi definida pelos Códigos
Administrativos de 1936 e de 1940. Os regedores deixaram de ter o estatuto de
magistrado administrativo, passando a ser os representantes dos Presidentes das Câmaras
Municipais
e nomeados por estes, salvo nos concelhos de Lisboa e Porto, onde eram nomeados
directamente pelos Governadores
Civis.
Incumbia aos regedores fazer cumprir as ordens, deliberações, posturas
municipais e os regulamentos de polícia, levantar autos de transgressão,
auxiliar as autoridades policiais e judiciais, agir de modo a garantir a ordem,
a segurança e a tranquilidade públicas, auxiliar as autoridades sanitárias,
garantir os regulamentos funerários, mobilizar a população em caso de incêndio
e cumprir outras ordens ou instruções emanadas do Presidente da Câmara
Municipal. A figura do regedor foi extinta na sequência da entrada em vigor da CRP, de 1976.
O
PPD fez em 15 de Janeiro de 1975 a sua apresentação na Benedita, terra que o
MDP/CDE reputava de fascista, com a
presença de Silva Carvalho, Gonçalves Sapinho, Rafael Serralheiro, José
Vinagre, Fleming de Oliveira e outros, apesar da campanha eleitoral para a
Assembleia Constituinte se iniciar oficialmente apenas em 4 de Março.
Aquela CA governou os destinos do concelho,
até Silvestre ser chamado a ir trabalhar para a Secretaria de Estado da
Agricultura. Com a demissão de Silvestre, interinamente passou a ocupar o lugar
o vice-presidente Gilberto Magalhães Coutinho. Os Vereadores António da Silva
Rosa, Alberto Serrano e Lameiras de Figueiredo, apresentaram as respectivas
demissões em 2 de Abril de 1975, pelo que, se impunha constituir uma nova CA
para a CMA.
Após demoradas e pouco pacíficas
negociações, já que mais uma vez o Governador Civil de Leiria Rocha e Silva
queria ou pelo menos parecia querer favorecer determinadas forças, veio a ser
empossada em 6 de Maio de 1975 uma equipa para a Câmara Municipal, com a
seguinte composição:
PRESIDENTE:
José Pinto Júnior, PC.
VOGAIS:
Gilberto Magalhães Coutinho e Celeste Vilhena Costa, MDP/CDE, Vitalino Casinhas
e Leonel Afonso Belo, PS, Alfredo Carvalho Lino, PPD, e José Ventura Duarte,
Independente.
Esta CA esteve em
funções até ao assalto e ocupação da CMA (julho de 1975), substituída por outra
presidida por Miguel Guerra (PS) até à realização das eleições autárquicas de
16 de Dezembro de 1976.
Nas Eleições
Autárquicas de 1976, os munícipes de Alcobaça deram a vitória ao Partido
Socialista, tendo sido eleito Presidente da Câmara Municipal o seu cabeça de
lista, Miguel Martinho Ferreira Guerra. Foram ainda eleitos os seguintes
Vereadores: Eduardo Vieira Coelho (PS) Martiniano Rodrigues (PS) Fleming de
Oliveira (PPD e substituto do presidente da Câmara), Mário Tanqueiro (PPD),
José Rafael Serralheiro (PPD) e Manuel Ferreira Castelhano (CDS). A Benedita
estava bem representada.
É também nestas
primeiras eleições autárquicas que o povo elegeu os deputados à Assembleia
Municipal. Passou, então, a existir um órgão autárquico, com poderes para
deliberar e fiscalizar os assuntos municipais. Esta primeira Assembleia
Municipal tomou em janeiro de 1977, tendo sido eleito Presidente da Assembleia
Vasco da Gama Fernandes, do PS e Presidente da Assembleia da República, que em
breve pediu a demissão sendo substituído por Gonçalves Sapinho (PPD).
Recordemos alguns
autarcas da Benedita a começar naturalmente pela Comissão
Administrativa da Junta, presidida por António Guerra Madaleno,
acompanhado por António Pimenta Marques, António Serrazina Mendes, Avelino Luís
Ferreira Catarino, Fernando do Couto Marques, Manuel Bento de Sousa.
O
primeiro executivo da Junta eleito depois de 25 de abril derivou de uma Lista
de Independentes presidida António da Silva Marques a que se seguiram uma da AD encabeçada por
José Fialho Vinagre, uma do PSD encabeçada Avelino Honório da Silva
que fez dois mandatos sucessivos, uma de Independentes encabeçada por Luís da
Silva Marques, uma do PS encabeçada por João Raul, uma do PSD encabeçada por José Fialho Vinagre que
fez dois mandatos sucessivos, uma do PSD encabeçada Maria José Filipe, com dois
mandatos e atualmente uma do PS cujo presidente é João Raul. Quanto a seguir antes
do fim do ano saberemos.
Desde então,
Alcobaça, tal como o resto do país, tem sabido preservar e consolidar os
valores democráticos, tanto ao nível da Câmara Municipal, como das Freguesias.
As Eleições Autárquicas, que se disputam de quatro em quatro anos, são hoje um
dos pilares fundamentais do desenvolvimento social, cultural e económico do
país e a base de sustentação do regime democrático em Portugal. Por isso, é
imperativo que os cidadãos, de todas as idades, se empenhem e participem, de
uma forma activa e consciente, nas decisões políticas da sua região.
Porque Participar é
pressuposto de poder Decidir.
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