quarta-feira, 5 de abril de 2017

-Bolo Rei vs. Bolo de Natal ou Bolo Presidente- NOVOS SÍMBOLOS DA I REPÚBLICA EM PORTUGAL E ALCOBAÇA-


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A gastronomia pode, também, ser uma vítima (inocente) da revolução. Em Portugal, após a implantação da República, o alvo foi o inofensivo Bolo-Rei.
A impudente sanha dos revolucionários do 5 de Outubro na sua ânsia de criar fraturas com o anterior regime, abateu-se também sobre esta muito portuguesa iguaria natalícia, que não podia mais continuar a usar a palavra rei . Se tinham acabado para sempre os reis em Portugal, também tinham de acabar na doçaria. Os fabricantes, que queriam continuar a cozinhar, vender ou defender o velho Bolo-Rei, tiveram de lhe encontrar nomes alternativos e politicamente aceitáveis ou corretos.
Uns optaram por o rebatizar de Bolo de Natal, Bolo das Festas ou Bolo de Ano Novo, enquanto outros optaram por ex-Bolo-Rei. Houve ainda quem adiantasse que a melhor e mais consensual designação seria a de Bolo Nacional. Mas isto não satisfez alguns republicanos, que começaram a chamar-lhe Bolo-Presidente ou mesmo Bolo-Arriaga, em honra de Manuel de Arriaga, o primeiro Presidente da República, que terá achado ridículo o empenho e não o aprovou.
Em Alcobaça, terá havido um ou outro caso, de repúdio pelo nome tradicional, o que acarretou que, por via de dúvidas, o doce que era importado de Lisboa e chegava pela carreira do Valado, fosse vendido ao público (em muitas famílias era feito em casa) com a designação, mais aceitável, de Bolo de Natal.

A intenção da República prosseguir um programa político e cultural da modernidade, exigiu a visibilidade e o reconhecimento de um novo poder simbólico, político e cultural, que usou vários instrumentos simbólicos, entre os quais estava o Busto da República.
A imagem da República Portuguesa foi representada de várias formas, seguindo o modelo francês da Liberdade, da autoria de Delacroix, caraterizando-se, apenas, pelas cores vermelha e verde das roupagens. A partir de 1912, o Busto da República, da autoria de Simões de Almeida, tornou-se um padrão oficial da imagem da República Portuguesa e a ser considerado um dos símbolos nacionais, tal como o retrato do Chefe de Estado, o Brasão de Armas, a Bandeira e o Hino. Chegou a ser obrigatório a existência de uma reprodução do Busto da República, em local bem visível, nos edifícios públicos. Mas ao invés do que aconteceu com os demais símbolos, este foi caindo em desuso, sendo hoje, raro encontrá-lo. Em junho de 1910, o fotógrafo alcobacense Carlos Gomes reproduziu fotograficamente o Busto da República, que se encontrava no Quartel, vendendo cada reprodução ao preço de 500 reis. Na montra da Farmácia Campeão, veio a ser exposto um Busto da República, em imitação de bronze que, segundo os (devotos) republicanos, constituía um elegante adorno de sala, tão perfeita era a modelação, tão bem lançada e artística é a cabeça altiva e insinuante. Encarregava-se do seu fornecimento a Casa Catalá, de Lisboa, que tinha como proprietário o alcobacense António Lopes de Oliveira, custando cada exemplar a módica quantia de 12$500 Reis. Na Sessão de 2 de fevereiro de 1914, foi autorizada a Comissão Executiva da Câmara Municipal a adquirir um Busto da República para a Sala das Sessões, sendo o mesmo, ao que se admite como muito provável, o que ainda lá se encontra. O Centro Republicano por sua vez adquiriu um exemplar.

Também foi dada muita importância à Bandeira verde e vermelha (que foi hasteada pela primeira vez em Lisboa na Festa da Bandeira, a 1 de dezembro de 1910), ao Escudo (5 quinas e 7 castelos), à Esfera Armilar (manuelina), ao Hino Nacional (A Portuguesa), à Moeda (o escudo que substituiu os reis), ao Calendário (novos feriados e festas nacionais), à Divisa (Saúde e Fraternidade), à Festa da Árvore, ao Panteão Nacional (a Igreja de Santa Engrácia foi escolhida como monumento para o instalar), às condecorações (a Torre e Espada foi a única Ordem que se manteve), à Toponímia, à Numismática ou à Filatelia (Coleções Ceres em 1912, 1917/1920, 1921/1922, 1923/1926).
Para entender a evolução dos diferentes processos de legitimação simbólica, política e cultural, há que ter em conta a posição do Presidente da República António José de Almeida, longe do tempo dos primeiros governos e de Afonso Costa, manifestada em vários momentos, como no discurso que proferiu no Congresso, a 7 de abril de 1921, em honra dos transladados Soldados Desconhecidos, que teriam permanentemente no Mosteiro da Batalha uma Guarda de Honra, a Chama da Pátria e a proteção do Cristo das Trincheiras.
Mas se a escolha do átrio do Congresso, para exposição dos corpos dos heróis, foi acertada, a deliberação de os levar em definitivo para a Batalha traduz o melhor preito que à sua memória se podia prestar. O Mosteiro da Batalha é, conjuntamente, uma obra de poetas, de guerreiros e de crentes (…). O crente católico pode ajoelhar e rezar, porque como Casa de Deus, não a há mais pura e acarinhadora. Quem tiver outras crenças sentir-se-á comovido pelo aspeto imponente das naves, que proclamam grandeza, ou pela solidão enternecida dos claustros, que traduzem recolhimento, lenda, mistério, tudo envolvendo uma tradição que vem de longe (…). Toda a gente lá pode entrar, toda, a principiar pela própria República/Regime, pela própria República/Estado, que, sem adotar nenhuma confissão religiosa, mas respeitando todas as religiões, não pode deixar de sentir especiais deferências por aquela que, além de ser a da grande maioria dos portugueses, tem por suprema divindade o mesmo Cristo que (…), não é só o Deus dos católicos, mas também, na História de Portugal, o companheiro de armas de Nun’Álvares (…).
No dia 9 de abril de 1921, foram transladados para a Batalha, os restos mortais de dois Soldados Desconhecidos, vindos da Flandres e da África Portuguesa representando os mortos anónimos das expedições enviadas aos referidos teatros de operações e o sacrifício do Povo Português.
Os primeiros governos republicanos, conforme o ideário político-social de republicanização e nacionalização do Estado e da sociedade, com derivas radicais para o secularismo e o laicismo inseridos num alegado processo de secularização e de laicidade, investiram na politização das forças (GNR, missões civis e militares de propaganda, sociedades de instrução militar preparatória) e do capital simbólico (símbolos nacionais, memória e história nacional, tempo e calendário republicano, heróis e grandes homens, separação do Estado e das Igrejas, laicização do ensino, educação cívica).
O aprofundamento da secularização fez-se através do culto cívico da Pátria e da religiosidade profana do Estado, com a finalidade de retirar o controlo simbólico e social da intervenção eclesiástica, e até da religiosidade sagrada à Igreja. Valorizaram-se, idealmente, as expressões da liberdade e da consciência individual, para a construção do Estado de Direito, mas o mito revolucionário, que escorreu nos múltiplos pronunciamentos militares, acompanhará permanentemente o regime, inviabilizando a normalidade institucional de uma República que, na Constituição de 1911, consagrava um princípio inovador (embora amiúde postergado), a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, artº 3º/4.
A resistência aos governos republicanos multiplicou-se, ajudada pelas dificuldades decorrentes da I Guerra.
Tal como alguns tinham previsto, a Lei da Separação deu ao clero um sentido de vitimização e de solidariedade que reforçou a hierarquia e a relação com Roma, tornando a Igreja portuguesa mais integrada e combativa. Apesar da forte carga anticlerical que a propaganda republicana sempre manifestara, com a implantação da República não se ocorreram logo grandes atos de violência contra membros do Clero ou a Igreja, salvo alguns episódios em Lisboa e a sul do Tejo.
A legislação anticlerical iniciou-se com a reposição das leis pombalinas que expulsaram os Jesuítas (quando partiram para o exílio, sob a vigilância da tropa republicana, no tentativa de humilhação foram obrigados a usar chapéu e fato escuros) e extinguiu as ordens religiosas.
Depressa, o governo acabou com os feriados religiosos, as enfermeiras substituíram as irmãs de caridade, o ensino da doutrina cristã foi retirado dos programas escolares e extinta a Faculdade de Teologia de Coimbra. No início de novembro foi publicada a Lei do Divórcio e em fevereiro de 1911, o Código do Registo Civil (legislação que no conjunto foi sendo trabalhada e desenvolvida), que tornou obrigatório o registo civil dos nascimentos e casamentos. A medida mais polémica, foi a Lei da Separação do Estado das Igrejas (abril de 1911), que consagrava a separação entre a Igreja Católica e o poder político. As relações entre o Estado e a Igreja foram-se degradando sucessivamente, de maneira que a 10 de julho de 1913, foram cortadas as relações diplomáticas com a Santa Sé.
A perspetiva evolucionista de Sampaio Bruno manifestou-se ao insistir, que o fio da tradição tinha de ligar-se à trama da renovação, para que não se produzam hiatos nem se rasguem lacunas, e, assim, uma pátria nova quer simplesmente dizer a pátria antiga depurada, melhorada, aperfeiçoada, civilizada, progressiva, firmada nos conceitos da razão pura e nas admoestações da tradição histórica.
Após vinte anos de interregno, na cerimónia diplomática de imposição do barrete cardinalício ao Núncio Apostólico, Monsenhor Achilles Locatelli, ocorrida a 3 de janeiro de 1923 no Palácio da Ajuda, afinal nada mais que uma praxe ou ritual diplomáticos como descrevia a imprensa republicana, o Presidente António José de Almeida salientou a importância do catolicismo na sociedade portuguesa e na definição da identidade nacional, ressaltando o simbolismo da Cruz de Cristo, presente nalguns momentos identitários da construção de Portugal, em terra, nos descobrimentos e, agora, no ar.
(…) a quase totalidade da Nação segue o credo católico e o Estado republicano, sem desdouro para os princípios neutrais, ou menoscabo das suas leis, já declarou um dia, por meu intermédio, e com aplauso unânime, na soleníssima cerimónia patriótica em honra dos Soldados Desconhecidos, que tem especiais deferências para com essa mesma religião, que é tradicionalmente a da grande maioria dos portugueses (…). Os vossos votos para que este belo país conserve, conforme dizeis, a nobre característica cristã do seu caráter e do seu génio, terão fácil realização, porque, como sem esforço verificais, os intuitos cristãos da grande massa dos portugueses são evidentes e tão assinalados que a Cruz de Cristo aparece sempre com um prestígio a cada momento revigorado, através da sua história, ou nos épicos acontecimentos que determinaram a formação da nacionalidade, ou nos nossos famosos empreendimentos marítimos de há séculos, ou nos nossos magníficos feitos aéreos de há meses (…).
Nesse dia, e como reação contra essa cerimónia, os livre-pensadores de Lisboa realizaram uma romagem ao cemitério, onde se encontram sepultados Helidoro Salgado, Miguel Bombarda, Manuel Buiça e José Costa, cobrindo as respetivas campas com flores e cartões. Desta manifestação dissociaram-se os republicanos, embora não a tenham contestado.
O reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé ocorreu a 10 de julho de 1918, embora apenas tivessem sido normalizadas com Salazar e a Concordata. Em 6 de julho de 1928, a Ditadura Militar decretou a reposição da paz entre Portugal e a Igreja Católica, após Sidónio Pais ter recebido dias antes o enviado de Bento XV, Monsenhor Ragonesi e, em abril de 1919, o Núncio Apostólico Monsenhor Locatelli ter entregue as credenciais ao Presidente da República Canto e Castro.
Na Mensagem do Cardeal Patriarca António Mendes Belo a Sidónio Pais, seis dias de ser assassinado, estava patente o reconhecimento da nova postura do Estado face à religião e em especial à Igreja Católica: As injustiças e violências, os atentados e perseguições, de que a Igreja Católica tem sido alvo em Portugal, desde que foi nele implantado o regime político em vigor (…); essa tão humilhante e dolorosa situação principiou de suavizar-se desde que V. Exª. Sr. Presidente, assumiu o governo do Estado, publicando desde logo, com geral aplauso, medidas importantes, e, entre elas, a que anulou os efeitos dos Decretos que impunham a alguns Bispos, Párocos e outros membros do Clero, o desterro para fora das suas Dioceses, Paróquias e até do País (…), e mais recentemente, o reatamento das relações de Portugal e a Santa Sé, que haviam sido bruscamente interrompidas (…).
Os Bispos portugueses haviam feito questão de revelar disponibilidade para aceitar uma separação da Igreja do Estado, desde que fosse salvaguarda a liberdade de exercício de culto e o seu múnus em geral, bem como a posse e domínio dos haveres.
Foram confrontados, não com uma separação, mas com um Estado hostil e violento.
Os republicanos argumentavam, porventura retoricamente, que o Vaticano estava preocupado com a atitude de uma parte do clero português, pelo que o Pontífice, na sua última conferência com o Núncio em Lisboa, Monsenhor Locatelli, o teria incumbido de proceder a um inquérito sobre o assunto e de fazer ver ao clero que a verdadeira missão não é interessar-se pela política, muito menos pelo combate político.
O Semana Alcobacense que não perdia uma oportunidade de se manifestar anticlerical, ainda que com picardias por vezes de qualidade muito discutível, escrevia que (…) se o Senhor Locatelli de tal missão vem incumbido, deverá não se esquecer nas suas investigações de certo padre que paroquia ali para os lados das Alcobertas que num sermão recente ali na Benedita – pois onde havia de ser? – importou-se mais com a monarquia do que com a religião que o tem por ministro, e de tal maneira de Paiva Couceiro levou a falar, que dir-se-ia ser este, e não o infeliz Nazareno, aquele cuja trágica odisseia no momento se comemorava…(…).


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