(II)
SUMÁRIO:
(1).O
Sarg. A. Ganito (da Guarda Real/Pessoal de
D. Carlos)-(2).O Rotativismo-(3).D.
Carlos, Luís XVI e Afonso Costa-(4).Ecos em Alcobaça-(5).Américo
d’Oliveira-(6).O Partido Republicano em Alcobaça-(7).O Descalabro do Regime. O
Golpe do Elevador-(8).O Regicídio e Aquilino Ribeiro-(9).Reflexos em
Alcobaça-(10).Condolências da Câmara Municipal de Alcobaça.
-7-O
DESCALABRO DO REGIME.O GOLPE DO ELEVADOR-
Os
acontecimentos acabaram por se precipitar, na sequência da questão dos
Adiantamentos à Casa Real e da assinatura do Decreto de 30 de janeiro de 1908.
Brito
Camacho, relativamente a João Franco disse que, havemos de obrigá-lo a
transigências que rebaixam ou às violências que comprometem. Foram eficazes os
ataques da oposição personalizados, tanto em D. Carlos como em João Franco, por
parte de republicanos e dissidentes progressistas. Os Adiantamentos à Casa Real
foi uma acerada polémica que envolveu a Família Real, cujo aproveitamento pelos
republicanos, contribuiu bastante para o desgaste da instituição monárquica.
Não
faltavam políticos que julgavam que a popularidade e o êxito se conquistavam
não tanto pela inteligência e probidade, mas sim pela demagogia ou mesmo pelo
talento histriónico.
As
traições (tal como hoje com caraterísticas nada originais) que ocorriam com
maior incidência, situavam-se no mesmo grupo político, onde eram todos muito
amigos e solidários irrestritos e traduziam-se em reações hipócritas e
interesseiras, para subir numa escada virtual, onde se agarravam os da frente
para se empurrarem para trás, os que ajudaram a subir. Para isso, o traidor
sentia-se logo no direito de falar mal do traído. O político antes elogiado e
considerado um verdadeiro representante de uma comunidade, passava num instante
para outro a ser chamado de político ultrapassado e sem ação.
Os
amigos estavam sempre à beira da deceção, perante a iminência do rompimento de
uma amizade.
Eça
de Queiroz, em Os Maias, descreve a dependência política, o caciquismo e o
nepotismo, quando Gonçalo, reconhecendo embora que o Conde de Gouvarinho é uma
cavalgadura, tenta justificar o apoio que lhe é concedido:
-É
necessário, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidária… Há um
compromisso… O Paço quer, gosta dele…
Espreitou
em roda, murmurou, colado ao Ega:
-Há
aí umas questões de sindicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique…
Dinheiro, menino, o omnipotente dinheiro!
Já
nessa altura, Portugal era um estranho país de corruptos onde não havia
corrutores…
O
Golpe do Elevador da Biblioteca, foi uma tentativa de golpe de estado, visando
à proclamação da República, levada a cabo pelo PRP, de parceria com a
dissidência
progressista, como reação ao
anunciado fim da ditadura e o consequente risco de o Partido Regenerador
Liberal, de João Franco, vir a assumir o poder.
Embora o golpe tenha abortado por ação preventiva do governo,
este falhou em eliminar os focos de conspiração. Daí resultou, em questão de
dias, a execução da ação que previa a eliminação física do monarca, em
consequência do qual, embora a mudança de regime em si não tenha sido efetuada,
o afastamento do Rei e de João Franco puseram termo à tentativa de reforma da
monarquia, mantendo-se a mesma instabilidade e que levaria à proclamação da República.
O golpe fracassou, devido à inconfidência de um conspirador pelo que nesse dia
foram presos vários dirigentes republicanos. Afonso Costa e o Visconde de
Ribeira Brava foram encontrados de armas na mão no dito elevador, conjuntamente
com outros conspiradores, quando tentavam chegar à Câmara Municipal. António
José de Almeida, Luz Almeida/fundador da Carbonária, e João Chagas//jornalista,
contavam-se entre os noventa e três conspiradores presos. José Maria de Alpoim,
conseguiu fugir para Espanha. Alguns grupos de civis armados, desconhecedores
do falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade.
Em resposta, e como expressão de uma crispação do regime, que
ainda assim permitia aos republicanos bastantes intervenções políticas, o
governo apresentou ao Rei, que se encontrava em Vila Viçosa, o Decreto de 30 de
janeiro de 1908, que previa o exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as
colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por
atentado à ordem pública. O preâmbulo do diploma dizia que atendendo ao que me representaram o Conselheiro de Estado,
Presidente do Conselho de Ministros e Secretário dos Negócios do Reino, e os
ministros e secretários de Estado de outras repartições, hei por bem decretar,
para ter força de lei o seguinte (…).
Conta-se que, ao assiná-lo, D. Carlos terá comentado: Assino a minha sentença de morte, mas os
senhores assim o quiseram.
Eram os ministros, não tanto o Rei ao que se diz, que
determinavam armar-se com esta lei, ao mesmo tempo que permitiam a fuga de
alguns implicados no golpe, como sucedeu com José Maria de Alpoim.
Correu na época, que o regicídio fora devido a este diploma.
Não é, de todo, verdade. É de notar, no entanto, que o diploma, assinado a 30
de janeiro, só foi publicado a 1 de fevereiro, e os preparativos para o
regicídio datam seguramente de antes dessa data.
O ambiente contra o Rei fora preparado tanto pelos
republicanos, como por grande número de monárquicos sedentos de poder a todo o
custo.
O decreto em questão era na verdade uma ameaça séria, mas não
foi da sua letra que saíram a carabinas do BuÍça e a pistola do Costa.
-8-O REGICÍDIO E AQUILINO RIBEIRO-
A família real encontrava-se em Vila Viçosa, mas os
acontecimentos políticos levaram o Rei a antecipar o regresso a Lisboa.
A comitiva régia chegou de comboio ao Barreiro ao final da
tarde, para depois tomar o barco, desembarcando no Terreiro do Paço, por volta
das 17 horas. Apesar do clima de enorme tensão, o Rei optou por se deslocar em
carruagem aberta, com reduzida escolta, com o objetivo de demonstrar
normalidade. O Rei aparecia na rua de vez em quando. Descobriam-se algumas
cabeças, o povo chegava-se para uns olhares de momento, lançavam-se nas gazetas
e nas Cortes todo o tipo de diatribes.
Enquanto a família real saudava os populares, a carruagem foi
atingida por vários disparos. Um tiro de carabina atravessou o pescoço do Rei,
que morreu imediatamente. Seguiram-se mais disparos, sendo que o Príncipe D.
Luís Filipe ainda alvejou um dos atacantes, antes de ser atingido mortalmente.
D. Amélia, de pé, defendia-se com um ramo de flores que lhe fora oferecido
pouco antes, fustigando um dos atacantes, que subira o estribo da carruagem,
gritando Infames! Infames!, numa imagem que correu mundo e ficou marcada para a
História. O Infante D. Manuel foi atingido num braço. Dois dos regicidas,
Manuel Buíça e Alfredo Costa, foram mortos no local. Este, empregado do
comércio, editor e jornalista, membro da Carbonária e maçon, estivera implicado
já no falhado Golpe do Elevador e apesar da participação nessa iniciativa,
continuava a andar livremente por Lisboa. Diz-se que afirmou, afagando a
pistola que trazia na algibeira, num encontro que teve depois da Janeirada com
Machado Santos e Soares Andrea, no Café Gelo que, se algum bufo me deita a
unha, queimo-lhe os miolos. A carruagem entrou no Arsenal da Marinha, onde se
verificou o óbito do Rei e do herdeiro ao trono. D. Carlos e o filho foram
sepultados no Panteão Nacional dos Braganças (não se confunda com o Panteão dos
Duques de Bragança em Vila Viçosa) e nos respetivos mausoléus lançou-se terra
de Vila Viçosa.
Foi Manuel dos Reis da Silva Buíça quem alvejou de forma
mortal D. Carlos I e o Príncipe Real D. Luís Filipe.
Homem de caráter expansivo e exaltado, não mantinha muitas
ligações exteriores ao seu círculo profissional e frequentava, com Alfredo
Costa e Aquilino Ribeiro o Café Gelo, no Rossio.
No princípio do século XX, Aquilino Ribeiro foi para Lisboa,
onde conviveu com meios revolucionários radicais, violentos.
No seu primeiro livro, A Filha do Jardineiro, atacou
fortemente o Rei D. Carlos I, livro esse ao que se diz financiado por Alfredo
Costa e que apareceu sob o pseudónimo de Miriel Mirra.
Entrou para a Loja Montanha, do
Grande Oriente Lusitano, a convite de Luz de Almeida. Consta também que
pertenceu à Carbonária, a choça, de que faziam parte os bons primos (Les Bons Cousins Charbonniers) Alfredo
Costa e Manuel dos Reis Buíça e conspirou no Café Gelo.
Nesse ano de 1907, Aquilino foi preso como anarquista na
sequência da explosão de uma bomba no seu quarto, na Rua do Carrião em Lisboa,
na qual morreram dois carbonários (28 de novembro).
Todavia, em 12 de janeiro seguinte conseguiu evadir-se da
prisão e durante a clandestinidade em Lisboa, manteve contactos com os
regicidas, refugiado numa casa de Meira e Sousa, na Rua Nova do Almada, em
frente do Tribunal da Boa Hora.
Foi aí que, segundo alguns biógrafos lhe terá aparecido
Alfredo Costa na manhã de 1 de fevereiro, a participar que estava decidido a
matar o Rei. De facto, ocorreu o atentado nesse dia, tendo Aquilino Ribeiro,
segundo alguns, sido avistado com um revólver no Largo do Corpo Santo, segundo
outros no Terreiro do Paço, facto que o irá marcar até ao fim.
Ao fim de pouco tempo, Aquilino teve de fugir para Paris.
Pedida a extradição, o Presidente Clemenceau não a concedeu. Em Paris,
continuou a frequentar os meios radicais conhecendo o exilado Lenine.
Aquilino Ribeiro definiu Manuel Buíça ao arrepio da imagem
que lhe é atribuída, como galante, franco, liberal, corajoso, blasonador,
incoerente muitas vezes, parlapatão mais de uma, sem equilíbrio na vida, sem
disciplina moral.
Não terá sido o regicídio que determinou a queda da
Monarquia, mas parece ser consensual que a precipitou. A Monarquia estava
condenada, não tinha quem se dispusesse a lutar por ela o seu fim era uma
questão de tempo. A crise político-social era mais que evidente e o governo de
João Franco, concitava tanto os ódios de monárquicos, como republicanos.
Aquilino Ribeiro entrou para a Biblioteca Nacional, em
Lisboa, em 1919, a convite de Raul Proença, aonde também de acordo com alguns
biógrafos, foi procurado para lhe mostrarem uma Ata do Regicídio.
Participou na fracassada revolta de 7 de fevereiro de 1927
contra a Ditadura, o que o levou de novo a ter de se exilar em Paris,
regressando no fim do ano clandestinamente a Portugal, para se envolver noutra
intentona fracassada, a Revolta de Pinhel, pela qual acabou por ser preso,
embora se tenha evadido de Viseu, para se refugiar de novo em Paris, após ter
atravessado a Espanha praticamente a pé, num tipo de aventura muito a seu
gosto.
Em Lisboa, veio a ser julgado à revelia em Tribunal Militar e
condenado.
-9-REFLEXOS EM ALCOBAÇA-
A notícia do atentado começou a circular em Alcobaça, na
manhã do dia seguinte/Domingo 2 de fevereiro, trazida por pessoas que chegavam
de fora. Acolhida a princípio com reservas, em breve pelas comunicações
telegráficas foi-se adquirindo a certeza de terem sido assassinados a tiro o
Rei e o Príncipe Herdeiro.
Era enorme a curiosidade em saber pormenores, pelo que quando
chegaram os jornais de Lisboa na carreira do Valado de Frades, foram
insuficientes para contentar as pessoas que os aguardavam numa numerosa fila,
lendo-os depois sofregamente e nalguns casos até os revendendo com proveito.
Durante o dia, não se falou noutra coisa na rua (era domingo
e os barbeiros estavam fechados), aguardando com impaciência os republicanos
mais comprometidos que se reuniam no Centro Republicano, os desenvolvimentos
políticos, o que era espicaçado por fantasiosos boatos, rapidamente
desmentidos. Houve mesmo quem assegurasse saber da presença de uma esquadra
inglesa de três navios, fundeada no Rio Tejo, para evitar eventuais motins
populares. A este boato, que não correu apenas em Alcobaça, responderam alguns
telegramas de Londres e Paris publicados nos jornais de Lisboa no dia 4, nos
quais foi expressamente desmentido.
Ao mesmo tempo que a notícia das mortes ganhava força em
Alcobaça, uma onda de boatos tinha-a cruzado veloz, desmentindo qualquer morte,
que as reais personalidades foram feridas no braço, que os assassinos foram
mortos, que o Rei (por graça de Deus…) jamais poderia morrer às mãos de uns
malandros ateus a soldo de ideias estrangeiras. Não se sabia naquilo em que se
haveria de acreditar. A única verdade inteira e viva dos alcobacenses, é que
estava um dia de chuviscos, caía uma água miudinha que fazia rebrilhar as
pedras da calçada e a erva da terreiro em frente ao mosteiro.
Nem para os mais fervorosos adeptos do ideário da República,
frequentadores do Centro, a sua formação consolidada a partir do leite materno
havia conseguido extirpar o mito ancestral que só o sangue lava a honra que os
braganças conspurcaram. A legitimação do preceito tinha permitido que muitas
mulheres houvessem morrido às mãos de maridos e namorados, enlameados no
caráter pela (mera) suspeita de um adultério. Os duelos, agora fora de moda,
vinham dos tempos de antanho, desafios de vida ou morte para reencontrar uma
justiça verdadeira. Mas nenhum tribunal português, nenhum júri, mesmo os dos
novos tempos que se avizinhavam e porque se lutava, tinha força para condenar
homicidas de uma honra coletiva, lavada a tiro.
Nenhum tribunal, condenaria heróis da moral firmada na
destreza do gatilho, embora soubessem que a ação dos assassinos (sejam eles um
Costa ou do Buíça), era uma exceção, não uma regra, ainda que inserta no painel
de virtudes nacionais que levava uma parte do país a jurar a morte da outra.
Na segunda-feira, estiveram
encerradas a Recebedoria e Tribunal e outras repartições do Estado, hasteada a
meio pau a Bandeira Nacional na Porta de Armas do Quartel e no edifício da
Câmara Municipal. Várias pessoas vestiram de luto, os sinos da Igreja da
Conceição, Igreja Nova, Igreja de Santo António ou Igreja da Misericórdia e do
Mosteiro, dobraram a finados várias vezes por dia, e na Câmara foi aberto um
Livro de Condolências, assinado por populares.
Disse-se que houve mesmo dois republicanos que o assinaram (o
que não conseguimos comprovar).
A Comissão Administrativa da Câmara deliberou na sessão
extraordinária de 4 de fevereiro pedir ao Dr. Adolfo Guimarães, amigo pessoal
do Presidente e de Vitorino Froes, que a representasse nos funerais de Lisboa.
O Pe. Ribeiro d’Abranches, Pároco de Alcobaça, celebrou uma
missa na Igreja do Mosteiro, sufragando a alma de D. Carlos e do Príncipe D.
Luís Filipe, tendo convidado para o ato diversas corporações e entidades civis
e militares que compareceram, tal como alunos de ambos os sexos da escola
oficial. Entre a assistência destacava-se o Comandante do Regº. Artª.2,
aquartelado no Mosteiro, que ocupava a primeira fila, o qual envergava fato de
gala e se encontrava acompanhado pela oficialidade e algumas praças.
O Pe. Augusto Adelino de Miranda, capelão do Regimento, fez
ao Evangelho uma alocução apropriada à cerimónia.
-10-CONDOLÊNCIAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA-
Na mesma sessão, foi deliberado enviar ao camarista de serviço
de D. Manuel II, o telegrama: Muito rogo a V. Ex.ª se digne fazer constar em
nome da comissão Administrativa da Câmara Municipal de Alcobaça, a profunda
mágoa que lhe causou o inqualificável atentado de que foram vítimas sua Augusto
Pai e infeliz irmão e que em nome dos povos deste Concelho se protesta contra
tal procedimento, ao que aquele respondeu, dando parte que o novo Rei agradecia
as condolências.
A Alcobaça republicana, embora não tenha aplaudido o
regicídio com garrafas de champanhe ou palmas, também não o repudiou
expressamente.
A sua postura, exprimindo um sentimento republicano radical,
bem registado no Semana Alcobacense, decorria do sentimento que foi estranho e
trágico o epílogo da triste aventura, que à História de Portugal, passou com o
nome de Franquismo.
Isto era apregoado franca e publicamente pelos republicanos
nas ruas, farmácias ou Centro, num momento em que a sensação agora de alívio
como diziam, lhes dava a impressão de acordar de um horroroso e agitado
pesadelo, onde não era oprimir, censurar, mentir, perseguir, vexar e ludibriar
que se governa o povo Português. No discurso de massas, embora se queixassem da
falta de liberdade e da censura, os republicanos usavam uma linguagem e uma
imprensa onde parecia não haver freios, como era o caso de o Semana
Alcobacense.
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