-HÁ FESTA NA PRAÇA
A BANDA E O
CORETO-
Uma das lembranças fortes da infância de alguns alcobacenses
mais idosos ou pelo menos da família, é o coreto que dominava o principal largo
da vila, a Praça do Município, fronteiriça ao Mosteiro.
Esta praça, além dos nomes que assumiu sucessivamente, conforme
as circunstâncias, foi bastante alterada com intervenções mais ou menos
conseguidas e o coreto já não lá está há muitos anos (desde meados dos anos
trinta do século passado, graças a uma decisão pouco feliz, de Manuel
Carolino).
Foram numerosos os concertos que ali se deram, apresentando um
reportório, que incluía música clássica, árias de óperas, marchas e peças
populares de raiz mais ou menos folclórica. As pessoas ocupavam a Praça, onde
havia choupos, as famílias passeavam e algumas muniam-se de cadeiras que
traziam, para assistirem mais comodamente ao espetáculo.
A música ao ar
livre, nesses tempos idos, criava uma
atmosfera positiva e ocasionava salutar animação.
Era um bom momento e espaço cultural e social. A banda,
aproximava-se em passo certo, cadenciado, largo, ao som de uma marcha. À frente
vinha o maestro, muito hirto, fato e gravata. Rendido à música, olhos fixos no
trombone, postava-se até um homem que vendia jogo, e nesse momento se esquecia
de apregoar a sorte grande. Indiferentes, as meninas-famílias continuavam a
venda de rifas ou o peditório para os bombeiros ou asilo, tal como os
vendedores de tremoços ou pevides.
Os coretos fazem parte da história urbana. Era lá
que se realizavam os concertos das bandas de música e outras apresentações.
Porque será que já não há coretos para as bandas
realizarem concertos?
Caíram em desuso. Hoje, naturalmente preferem-se as
salas de espetáculos, com condições ambientais e acústicas, som apropriado e
outros requisitos. Mas talvez tivesse cabimento haver um coreto em Alcobaça.
É usual atuarem bandas em coretos ou outros locais
ao ar livre, em cidades da Europa, especialmente no verão da Alemanha e
Áustria. Porque cá não mais, seguindo uma boa tradição portuguesa?
Era ali na Praça do Município que se realizava, ao
domingo, o Mercado Semanal muito concorrido, e onde se vendia de tudo, especialmente
aos aperaltados alcobacenses das redondezas, que se deslocavam em família, a
pé, a cavalo, de burro ou carros de bois.
Para complementar a atração e o movimento (por
vezes eram tão intenso que as pessoas andavam aos encontrões), funcionavam lojas
na ala norte do Mosteiro.
Para guardar os animais, havia locais espalhados
pela vila (Piçarra, Portas de Fora e até ao lado do Palácio do Pena), onde lhes
era dado palha e recolhidas as necessidades, para depois se venderem
como estrume.
O
dia de mercado era festivo. As pessoas usavam os melhores fatos. No mercado,
tudo tinha o lugar costumeiro, os mesmos sítios há um ror de anos. Tudo se encontrava arrumado pela mesma ordem e na
mesma hora. Os que vendiam tinham o seu cantinho reservado. Os que compravam
sabiam onde encontrar o que precisavam.
Armavam-se
as barracas de madeira e lona onde eram expostos e vendidos a fruta,
hortícola e os artigos manufaturados. O visitante encontrava roupa de lã
ou algodão, ferragens, cutelarias, calçado e chancas, bem como quinquilharias.
As mercadorias vendidas no mercado constituíam o essencial para as necessidades
do povo. Ao lado da área dos produtos que o lavrador vendia, encontrava-se a
dos produtos que o lavrador comprava.
Cumpre
referenciar algumas figuras típicas do mercado, como a mulher dos tremoços, a
vendedora dos doces cobertos de açúcar, o homem que reparava os guarda-chuvas,
as aguadeiras ou mesmo o aldrabão da feira (o tradicional vendedor da banha de
cobra).
-UMA BOA FEIRA-
A Feira de S. Bernardo, realiza-se há muitos anos em
Alcobaça, umas vezes com mais animação, outras com menos.
Não obstante a descaracterização que hoje em dia apresenta,
aliás como muitas outras que por esse País se realizam,
nem por isso deixa de estar presente nos hábitos das pessoas da terra.
As festas e romarias são uma componente importante da cultura
popular do povo português. Numerosas e variadas, acontecem um pouco por todo o
País e fazem parte das tradições e memórias de um povo que pretende (?)
preservar e manter atual a cultura secular que lhe confere identidade.
Apesar de decorrerem ao longo do ano, é nos meses de Julho e
Agosto que acontece a maior parte das festas e romarias em Portugal, unindo
quase sempre a componente religiosa a um programa popular.
A Feira de S. Bernardo
teve sempre uma componente essencialmente lúdica e quando
no Rossio, era o ponto de encontro dos alcobacenses da
terra com os de fora, a ocasião para mercadejar coisas, beber uns copos com os amigos
e foliar. E pôr a conversa em dia, porque a vida não é só canseiras.
O que era uma boa Feira, no dizer dos antigos?
No tempo da República, da parte da tarde as tendas lado
a lado pejavam, como convinha, no Rossio, em longas fileiras, e vendiam de tudo,
fazendas, bugigangas, algodão doce, ouro.
Ouro sim, ouro de lei ou prata contrastada, como o
material do Maneca de Febres, porque o metal é que tem valor amanhã,
no meio de enorme algazarra e estridência de conversas, de
realejos ou outros instrumentos menos afinados, interpretados
por cegos (que afinal talvez não o fossem…) que faziam números com saltimbancos
e artistas de circo, enquanto se comiam tremoços ou pevides.
Havia a tômbola das panelas que era muito procurada
pelas mulheres, na esperança de poder sair uma peça, que mesmo de refugo, iria
fazer muito jeito na decoração da cozinha ou no serviço da casa.
Também havia as tendas do vai um tirinho o q´rido, as caixas com furinhos que davam prémios e
os matraquilhos.
O povo gostava de ir passear e ver. Famílias inteiras,
com ar grave e pasmado, rapazes vestidos à maruja, paravam diante dos
artistas a quem davam uns cobres, ajustavam o preço de um alguidar ou de uma
peça de fazenda, tiravam medidas para o rapaz fazer um par de
botas de carneira, iam ao mercado do gado, da fruta, da hortaliça ou do
peixe da Nazaré oh qu’ rida, oh freguesa!
Tudo era bom de apreciar. As ciganas liam a
buena dicha, as vendedeiras de limonada
faziam negócio com as mulheres e crianças. Alcobaça, em Agosto, com pó e
algumas moscas quanto baste à mistura, fazia sede que também se matava
moderadamente na tenda da ginjinha. As mulheres apreciavam muito as pesadas
mantas listadas de Minde, a lã azul fiada
para as saias, as loiças da Olaria de Alcobaça, com motivos pintados à mão simples e ingénuos, os
vidrados amarelos ou verdes das
Caldas da Rainha. Os homens, de pesado cajado, frequentavam principalmente, a feira do gado, faziam negócios
com dinheiro vivo (como poderia ser de outra forma?), entre dois copos de tinto, acompanhados de pequenos queijos de cabra ou de
ovelha, vendidos em poceiros cobertos
por alvas toalhas e, claro, sempre com os tremoços e pevides.
Esta era sim, uma boa Feira de S. Bernardo, com a PSP e a
GNR sempre por perto e atentas à malandragem (além dos ciganos, havia outros…
como os carteiristas) e às brigas do mau
vinho. Os
carteiristas que frequentavam as festas e romarias do país, como a Feira de S.
Bernardo, dizia-se serem normalmente provenientes do norte e bem referenciados
pela polícia, pois usavam habitualmente um caraterístico pequeno chapéu. A
Polícia detinha-os preventivamente pelo tempo das festas, mesmo que nada
tivessem ainda feito.
Durante
a Feira havia circo. Em primeiro lugar apareciam os cartazes espalhados pela
vila, ilustrados com animais ferozes, palhaços ou trapezistas, homens e
mulheres gordos, tatuados e anões. Depois vinham as carruagens, puxadas por
camionetas ou mesmo animais, que desfilavam com música, um tambor ou corneta
pelas ruas. Era este ainda o tempo do grande espetáculo (o maior espetáculo do
mundo), exibido em tendas redondas de lona onde entrava a chuva e seguramente o
vento, a arena colorida, as luzes feéricas, os maillots lustrosos das mulheres,
os corpos atléticos dos homens. Os palhaços, os animais. Os trapezistas, lá nas
alturas.
Senhoras e Senhores,
Meninas e Meninos, benvindos ao circo!!! Senhoras e Crianças, não pagam...
Senhoras e Crianças, não pagam!!!
-OS ROBERTOS-
E
o teatro de fantoches ou de robertos?
O
teatro de Robertos era um dos principais divertimentos (quase obrigatório) das
feiras, romarias e até praias do século XX, como recordam Altino Ribeiro e Tó
Lopes. Este estilo de teatro entrou, porém, em desuso em meados do século XX.
Nos seus tempos de criança, na altura da feira, apareciam os Robertos, tão
ansiados pela criançada. Trata-se de
espetáculos de fácil compreensão, com uma manipulação rápida e cheia de ação,
cuja característica importante é o uso pelo fantocheiro de uma palheta na boca
que lhe permite ampliar e distorcer a voz, produzindo efeitos surpreendentes,
algo ridículos e que abordam rábulas
tradicionais, que reproduzem a animação de rua (à moda antiga), algum
acontecimento e centram a atenção do público com o alarido e picardias dos
bonecos. Tó Lopes, em criança, gostava muito de ver os robertos e lembra-se bem
de um número especialmente apreciado, pois metia (muito fantasiosamente) o
Marquês de Pombal e a expulsão dos Jesuítas. Os adultos e a criançada
achavam-lhe muita graça, pagava-se cinco tostões. Mas o tema mais corrente era
o de um homem mal comportado, um touro para assustar e uma mulher que zangada
com o comportamento do marido lhe pregava umas valentes pauladas no final.
Nos
dias que passam, é difícil verem-se os Robertos, mas, de certeza, que haveria
muitas crianças que gostariam de assistir a um espetáculo, com os nossos
saudosos e deliciosos Robertos.
-A BANHA DA COBRA-
E
o vendedor da banha da cobra que aparecia todos os anos na Feira de S.
Bernardo. O vendedor da banha da cobra não é uma personagem de ficção, pois
existe, sempre existiu, evoluiu, existirá, é muito hábil e astuto.
Todos
sabem que a banha da cobra não serve para nada, mas a convicção que o vendedor
transmite, através duma oratória estudada e estruturada, é capaz de convencer
pessoas sobre as capacidades infinitas do milagroso medicamento. Impigens,
mau-olhado, torcicolos, urticária, febre dos fenos, dentes, nervos, escleroses,
artroses, entorses, diarreias, sarampo, escarlatina, espinhela caída, dores das
cruzes, doenças do miolo, verrugas, cravos, etc., são alguns dos males que a
banha da cobra afasta a quem a quiser comprar.
Não, não custa nem
20, nem 15, nem dez. Custa apenas cinco, e quem levar dois tubos leva um totalmente
de graça. Um para aquele senhor, outro para aquela menina, e enquanto eu vou lá
à frente receber o dinheiro, a minha mulher vai lá atrás distribuir o pacote.
Se
é certo que a banha da cobra não cura
nada, também não consta que daí tenha saído algum mal para a saúde pública ou
para o mundo.
Não custa dez nem
quinze, custa apenas vinte e cinco tostões, e quem levar dois tubos leva um de
graça.
Era
assim tentador, os argumentos um primor de explicação:
-Se bocência tem uma dor de dentes, fique a saber que não é o dente que lhe dói. O
dente é corno, o corno é osso e o osso não dói, o que dói é o nervo.
Sem comentários:
Enviar um comentário