A cultura da vinha,
em Alcobaça, teve sempre importância pelo que o consumo de vinho incorporou-se
nos rituais e tradições locais, exercendo uma poderosa influência em setores,
como o folguedo ou a agricultura.
Foi uma cultura, que
ao longo dos séculos integrou socialmente a produção, transformação e
comercialização vitivinícola. Todavia, apesar do importante papel do vinho no
desenvolvimento da cultura e tradições nacionais, nas últimas décadas sofreu
profundas transformações com repercussão nos momentos, locais e formas de
consumir.
Em Portugal, o
consumo do álcool foi tradicionalmente quotidiano, praticamente exclusivo dos
homens em termos públicos (as mulheres que bebiam faziam-no às escondidas dos
familiares ou vizinhos sob pena de censura), com uma enorme componente social e
essencialmente protagonizado pelo vinho. O facto de o País ser um dos maiores
produtores de vinho, associado a mitos e preconceitos, como o vinho aquece, o vinho dá força, e em
certas regiões ter servido de pagamento complementar da jorna e utilizado como
alimentação pobre, sopas de cavalo
cansado, justifica em certa medida, que o português seja também um dos
maiores consumidores europeus de álcool, por pessoa.
José Malhoa em 1907, pintou um notável
quadro de costumes, bêbados a festejarem o São Martinho, a comerem sardinhas e
a beberem vinho.
A importância de Malhoa, na cultura
portuguesa decorre do entendimento que transmite pelo seu ofício numa obra que,
no seu conjunto, aborda trechos urbanos e burgueses, mas principalmente
percorre os aspetos da ruralidade do país, desde a paisagem aos costumes e
vivências do quotidiano. Recolhe o conteúdo de um panorama humano
diversificado, a que não é estranho a compreensão da relação com o meio e
natureza envolventes, um imaginário comum servido por uma arte de bons recursos
técnicos.
José Malhoa legou um trabalho carregado de
intenções, que intitulou Festejando
o São Martinho, mas que correntemente se chama Os Bêbados, no qual representa um bando de aldeões, sentados à
volta de uma mesa de uma taberna algo sórdida, no termo de uma festança. Ti
José de Sousa nunca ouviu falar de Malhoa e, possivelmente jamais se
reconheceria naquela tela, onde se figura um ferreiro (veja-se o avental de
couro) a resvalar para as franjas do coma alcoólico e o que lhe fica em frente
(esgotados uns quantos canecos de tinto sobre sardinhas ressequidas e castanhas
que juncam o tampo), não tardará a seguir-lhe o exemplo. Quanto aos restantes
convivas, terão permanecido no patamar em que o vinho, se não trouxe alegria
excessiva, não os precipitou ainda no torpor completo. Mas em breve
veríamos…
A alguns puritanos, ao ver o Festejando
o São Martinho, ocorrerá provavelmente estigmatizar o que Fialho de Almeida
caraterizou sibilinamente, como uma raça
de miséria, avergoada de superstições e de ignorância, comendo mal, vivendo
imundo, e guardando ao dinheiro dos ricos uma servilidade de escravos e cães
esfomeados.
Em
terra de vinhedos, o vinho não podia faltar à mesa e se um copo estimulava o
apetite e tornava mais agradável o repasto, não deixava de ser verdade que o vinho dava de comer a um milhão de
portugueses.
Durante
a refeição a garrafa do vinho rodava (muitas vezes sem copo) e todos bebiam,
incluindo as crianças, pois o vinho
ajudava a empurrar a comida e dava força. Chegava-se ao extremo de calar os
bebés quando choravam, com uma chucha de
açúcar molhado em vinho..., como recorda D. Adélia, embora reconhecendo, que talvez não fosse um bom procedimento.
A embriaguez era o estado normal de muita gente, especialmente ao Domingo à tarde e a origem
de incontáveis males físicos, morais e sociais, que se projetavam de geração em
geração.
Ti
Zé recorda casos de sua família, como
um tio, um irmão e um cunhado com maleitas graves, alegadamente devidas ao
vinho.
Beber
um copito na adega, convidar um amigo para vir provar o tinto, chamar o
compadre para beber um branquinho, pagar uma rodada na taberna, estava de
acordo com o certo e habitual, tal
como brigar ao fechar da taberna, chegar a casa e dar uma tareia à mulher e
filhos, partir a loiça, andar pelas ruas a cambalear, enfim gerar filhos com
problemas.
Mas
nem toda a gente bebia vinho.
Para
esses, além da água da nascente (que era muita e boa no poço de Ti Zé), havia o pirolito, até que mais tarde apareceu
com muito sucesso a laranjada Buçaco (mas
sé em dias especiais).
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