ADEUS
AO MUNDO RURAL?
Fleming
de Oliveira
O
sociólogo Moisés Espírito Santo, escreveu que a decadência dos centros urbanos
é um fenómeno muito português, as nossas
velhas aldeias tornaram-se paisagens
deprimentes como que cenários para filmes de terror ou que parecem ter saído de
uma guerra destruidora; os novos abandonaram a casa dos pais para construir a
crédito uma ao largo, nos terrenos agrícolas de que viveram os antepassados,
enquanto a terra só passou a ser valorizada pelas suas potencialidades de
construção. A cultura mudou? Não. Só se transferiu da aldeia para a cidade.
No
século XX, especialmente depois do último quartel, o mundo rural transformou-se
radicalmente, sem que Alcobaça se tivesse revelado exceção. Nessa altura, o País
ainda produzia mais de metade do que comia, havia um certo equilíbrio entre o
mundo rural e a cidade. A crescente urbanização, o desenvolvimento da
indústria, a modernização da agricultura e o êxodo rural fizeram desaparecer,
definitivamente, formas de vida ancestrais. Hoje produz-se um quarto do que se
gasta à mesa, desmantelou-se uma cultura e sabores que demoraram gerações a
construir. Pagou-se aos agricultores para abandonar os campos e ficar sentados
a ver passar o tempo, desmembrou-se a floresta tradicional em troca do
eucalipto (petróleo verde?), o que agrava a desertificação e os incêndios e
verão.
Um
amigo, dizia-me recentemente que
recordações me trazes, meu caro Fleming! Na Póvoa (Coz), nos idos anos de 60, que saudades eu tenho
de ir em cima de um carro, puxado por dois bois castanhos, obedecendo cegamente
à ordem do Sr. Manel da Ludovina. Isto,
quando íamos buscar pasto ou outra carga. Na vinda, eu já vinha sentado uns
bons metros acima do chão, o que fazia com que tivesse viajado muitas vezes
deitado de rabo para o ar e de braços bem abertos para me agarrar à carga. E o
mais curioso é que não esqueço quando apanhei um enorme susto quando, numa
viagem de regresso, com os meus seis ou sete anos, deixei de ver e ouvir o Sr.
Manel a tocar os bois. Mas queres saber? Eles sabiam o regresso a casa e,
assim, o Sr. Manel podia atalhar caminho.
O genocídio a que se tem assistiu durante
as últimas décadas em Portugal tentando, ao que parece, acabar com as marcas da
ruralidade, como se essa fosse a solução para os nossos problemas de atraso e
de subdesenvolvimento económico-cultural, levou a que se esteja a perder uma
grande parte da nossa identidade coletiva e que o património cultural e
natural, caminhe para a descaracterização e até extinção.
Não
basta recuperar para fins turísticos uma dúzia de aldeias, ditas históricas, ou
organizar uma outra dúzia de feiras de artesanato ou gastronomia. Falta um
projeto nacional que encare o mundo rural como parte integrante da nossa
riqueza pois, quer queiramos ou não, provavelmente é esse legado que nos faz
diferentes num mundo cada vez mais igual e será valioso. Em cada verão que
passa, parte desse mundo é reduzido a cinzas. Saibamos interpretar esse facto
como um sinal, um apelo, um pedido desesperado de atenção e ajuda para travar
um processo de lenta agonia, que invariavelmente conduzirá à desertificação
humana, cultural e ou mesmo natural, de uma grande parte do território
nacional. O mundo rural é uma terra de velhos.
O
Francisco da Adelina, segue o conselho
do médico de família, de andar a pé, no seu vagar, pelo menos meia hora por
dia, para além do casario a cerca de quinhentos metros. Só depois se senta com
os amigos no seu refúgio da paragem do autocarro, no adro da igreja, a gozar a
tarde soalheira ou cinzenta, o céu azul ou carregado de nuvens que ameaçam
chuva.
Como
muitos do seu tempo, tem memórias do antigamente, de preferência boas. Outras
menos boas. Recordações que pareciam sumidas da memória, aparecem agora nítidas
para nos contar, ainda que um pouco desfocadas, com pormenores na altura tidos
por pouco importantes, no meio de tanta rotina lenta, como o passo de um carro
de bois do antigamente.
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