MARIA
DOMINGAS E O JOGO DA MACACA
Fleming
de Oliveira
Maria
Domingas das Dores, nos seus mais de oitenta lúcidos anos (viúva há mais de
quinze anos e com os filhos em Lisboa e na Suíça), vividos praticamente no
campo e no Carvalhal de Aljubarrota, recorda-se bem de jogar à macaca, descalça, com as colegas e de
muitas outras coisas. Não era esse, jogo para rapazes.
Andou
na escola até à terceira classe, onde aprendeu a ler, escrever e contar (agora
tudo um pouco esquecido, por falta de prática e de vista) e depois foi
trabalhar no campo, ao lado da família. Recordou-me que desenhava a macaca no chão (de preferência térreo ou
em cimento), com um objeto pontiagudo, giz (o que era mais raro) ou um caco de
barro vermelho. Numerava as casas de um a nove. O espaço em volta da casa
número um, era a terra, e o espaço
número nove era o céu. O primeiro
jogador lançava a patela (uma pedra, um caco, um vidro, etc.), para a casa
número um. Se a patela tocasse no risco ou saísse para fora, perdia a vez, e
jogava o seguinte. Se a patela ficasse dentro da casa, o jogador teria que
fazer o percurso para a apanhar. Esse percurso consistia em saltar, ao
pé-coxinho, de casa em casa, exceto na que tem a patela. Nas casas números
quatro e cinco, bem como sete e oito, o jogador teria que saltar com os dois
pés ao mesmo tempo. Chegando às casas sete e oito saltava, rodava no ar, sobre
si mesmo, devendo cair nas mesmas casas. Reiniciava então o percurso de volta,
até chegar à casa anterior, onde se encontrava a patela para a apanhar,
equilibrando-se só num pé. Se o jogador, conseguisse alcançar de novo a terra, voltava a lançar a patela, desta
vez para a casa número dois, e realizava o mesmo percurso. Se falhasse, passava
a vez ao jogador seguinte, e na próxima jogada partiria da casa onde perdeu.
Todas as vezes que o percurso for realizado da casa um à nove, o jogador
deveria fazer o percurso, mas desta vez em sentido inverso. No entanto, neste
percurso ao inverso, o jogador saltava apenas até à casa onde se encontrava a
patela. Quando os dois percursos estiverem concluídos, o jogador saltará ao
pé-coxinho as casas um, dois, três, cinco, seis, oito, sete, seis, quatro,
três, dois e um. Posteriormente, fazia o percurso todo caminhando, com a patela
em cima do peito do pé (o que requeria muita habilidade, como acontecia com
Maria Domingas, nos seus frescos anos). Seguidamente, tornava-se a fazer o mesmo
percurso, saltando ao pé-coxinho, sem a patela, mas de olhos fechados (o que
era difícil em geral, mas não para a Maria das Dores), perguntando aos colegas:
Queimei?. Se o jogador pisar a linha,
diz-se, Queimaste, caso contrário,
continuava a fazer o percurso, podendo apenas abrir os olhos nas casas sete e
oito. Finalmente, terminado o percurso, o jogador vai até ao céu e, de costas, atira por três vezes,
a patela para a macaca, e caso acerte no interior de uma casa, assinalava-a com
uma cruz, e colocava o seu nome. Caso contrário, cedia a vez ao colega. Nas
casas que já estiverem assinaladas, só o jogador que lá tinha o nome é que as
podia pisar, salvo autorização do dono da casa. É de salientar que quando um
jogador perdia numa determinada casa, ao voltar ao jogo seria daí que
recomeçava. O jogo terminava quando todas as casas estiverem assinaladas, isto
é esteja feita a macaca. Ganha o
jogador que possuir mais casas, ou seja, mais macacas.
Há
várias versões mais ou menos elaboradas deste jogo, sendo esta a descrita por
Maria Domingas das Dores, em cujo jogo se reclamava muito habilidosa para grande inveja das colegas, uma das mais
completas que conhecemos, mas que não coincide com a que aprendi no Norte com
as minhas irmãs, há mais de sessenta anos.
Nos
tempos em que Maria Domingas se criara, os rapazes olhavam mais para a família
e o dote, do que para as qualidades e a beleza das moçoilas. Qualquer cigana
podia pois ler, sem grande margem de erro, a buena-dicha a uma rapariga do
campo. Casada com um jornaleiro, criada de servir, amásia de lavrador, na
melhor das hipóteses costureira. Felizmente, os tempos e a emigração acabaram
com essa injustiça. As terras deixaram de ser olhadas como fonte de riqueza, já
poucos as querem. A desvalorização das terras colocou as filhas de antigos
jornaleiros, como a Maria das Dores, em pé de igualdade com as dos lavradores.
Todas se casam.
Buena dicha? Para quê?
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