MARIANO E A CAÇA AOS GAMBUZINOS
Fleming de Oliveira
Francisco Mariano, com perto de noventa
anos, doente e com dificuldades de locomoção, gosta muito de contar a partida
da caça aos gambuzinos que, há perto
de oitenta anos, pregou ao primo e bom amigo Tó Mariano (ambos com uns oito ou
nove anos) que, recém chegado de Lisboa, se encontrava a passar as férias de
Verão, em casa dos avós paternos, nos Carris de Évora de Alcobaça.
Não sabendo bem o que eram os gambuzinos, Tó
na sua ingenuidade citadina, supunha serem uma espécie de mistura entre um
pirilampo e um ouriço cacheiro. Francisco começou por dizer ao primo que o
devia alertar que a caça aos gambuzinos
é rigorosamente proibida pela GNR, pelo que o não podiam contar a alguém.
Assim, logo depois do jantar, algo excitados, foram para o campo, onde
procuraram árvores com tocas (buracos no tronco), buracos no solo ou buracos
nas rochas. O pobre do rapaz, acabou por ficar umas duas ou três horas de apito
na boca, lanterna e saca aberta nas mãos, à espera que o primo, batedor
experimentado como se reclamava, fizesse o cerco e assim correr na sua direção,
os famigerados e assustados gambuzinos.
A aventura começou quando o Francisco lhe
deu um apito e uma saca de serapilheira, que foi buscar ao celeiro do avô, e,
por sua vez, se muniu de latas e paus para fazer barulho. Tó Mariano, foi
abandonado naqueles preparos e prosseguiu sozinho a caçada, apurando o ouvido
ao mínimo ruído. A experiência apenas acabou quando o frio, o medo ou o cair em
si, o trouxeram, enfim, à realidade.
Este instante, constituiu para o Tó, um dos
momentos de perda da inocência (que diz que bem lhe serviu na banca… onde fez
carreira), e a partir daí o mundo não seria mais o que parecia, como depois
reconheceu, sem acrimónia. Desabou um dos pilares que sustentava a sua infantil
e lisboeta visão do mundo e da realidade. Tó Mariano nunca mais esqueceu o
incidente e acabou por crescer com a expressão na boca, vai caçar gambuzinos.
Mais
tarde passou a ser bastante frequentada, nos domingos dos Montes depois da
missa, a taberna do Fernando Bento, cujos clientes se passaram para a de Zé
Filipe, quando ela fechou e onde se bebiam uns copos, enquanto se jogava à
sueca ou bisca, discutia a política da terra ou mulheres, por vezes de forma
tão animada que apareciam de repente facas ou mesmo podões, para ajudar a fazer
vingar as opiniões.
Sem comentários:
Enviar um comentário