-PRIMÓRDIOS DOS TRANSPORTES E TELECOMUNICAÇÕES EM ALCOBAÇA (inícios do
sec.XX).
UM VEÍCULO (automóvel) A DEITAR FUMO E SEM CAVALOS-
Fleming de Oliveira
O
silêncio e pacatez da vila, até então uma vez ou outra interrompidos pelo
tropel de cavalos, do cantar das rodas dos carros de boi, foram quebrados por
um estranho barulho. Todos correram à porta e janelas para ver o que
estava a ocorrer, venham ver...
um pequeno veículo preto sem cavalos !!!, de pneus maciços, aros de madeira,
recobertos de borracha dura, que depois de parado algum tempo em frente ao
Mosteiro, havia arrancado em direção a Caldas da Rainha.
Oh vizinho, já me
está a ver com um veículo daqueles? O mundo está perdido, nunca se viu vi
um bicho desses aqui na terra. Até deita fumo.
José
Almeida e Silva, não foi propriamente um sportsman
no sentido britânico da expressão, mas um proprietário rural abastado,
inteligente e ativo, que dispunha de uma especial curiosidade pelas engenhocas.
Desempenhou ainda funções como Vereador, Presidente da Câmara e Administrador
do Concelho. Em 1889, requereu à Câmara de Alcobaça licença para estabelecer
uma linha telefónica, com cerca de dois quilómetros de comprimento, a ligar a
sua residência na Quinta de Stª. Teresa, nos Capuchos, à de seu sogro José de
Sousa Leão em Alcobaça. Foi Almeida e Silva quem instalou, no primeiro andar do
prédio onde funcionou a Farmácia Campeão e sede do PC, o primeiro telefone que
houve na Vila, uma novidade mesmo em Portugal, dado ter sido inventado nos
Estados Unidos em 1875 e introduzido na Europa em 1877.
Em
Alcobaça havia telégrafo pois, em 6 de setembro de 1865, foi pedido ao Dr.
António dos Santos Brilhante, para que conjuntamente com o deputado do Reino, o
alcobacense António Lúcio Tavares Crespo (que viria note-se a ter papel
importante na instalação do elevador do Sítio da Nazaré), diligenciasse no
sentido da criação de duas instalações telegráficas, uma em Alcobaça e outra em
S. Martinho do Porto. Instalado o telégrafo, constatou-se logo e com grande
preocupação que a estação de Alcobaça seria
uma das que fechariam no quadro de anunciados cortes orçamentais do governo,
se, porventura, a Câmara Municipal não requeresse em tempo a sua conservação,
o que veio a acontecer corria o ano de 1869.
Só
a 22 de abril de 1929 se inaugurou a primeira cabine telefónica na vila de
Alcobaça, em luzida e concorrida cerimónia sob a égide do Governador Civil de
Leiria, o carismático e antigo combatente nas trincheiras da I Guerra, Ten.
Silva Mendes (mais tarde capitão). Pelas 16 horas, nos Paços do Concelho,
realizou-se uma sessão solene, enaltecendo-se a importância do acontecimento,
que a Ditadura Nacional propiciava. Seguidamente, as individualidades rumaram à
Estação Telégrafo-Postal para inaugurar formalmente a rede telefónica que
dispunha de 52 assinantes e à noite, a Câmara Municipal ofereceu aos convidados
um banquete.
Recordem-se
alguns dos primeiros números telefónicos atribuídos em Alcobaça: 1-Central
Telefónica, 2-Câmara Municipal, 3-Secretaria Judicial, 4-GNR, 6-Companhia
Fiação e Tecidos de Alcobaça, 9-Sociedade de Automóveis Cruz de Cristo, 10-José
Emílio Raposo de Magalhães, 17-José Sanches Furtado, 26-Sindicato Agrícola,
27-Dr. Mário Pina Cabral, 32-Asilo de Mendicidade, 42-Pensão Restaurante
Corações Unidos, 45-Comissão de Iniciativa e Turismo, 46-Secretaria de
Finanças, 48)Hospital da Misericórdia, 50-Associação Comercial e Industrial.
As
telecomunicações, embora devagar, iam crescendo. O Chefe dos Correios,
Telégrafos e Telefones de Leiria, em Março de 1932, contactou a Câmara
Municipal para prestar colaboração no
sentido da instalação de Postos Telefónicos nas sedes de algumas freguesias do
Concelho. Almeida e Silva ainda dirigiu a instalação do telefone de segurança
no elevador da Nazaré, aquando da sua inauguração em 1899.
Segundo
reza a tradição, a primeira passagem de um automóvel pela vila de Alcobaça,
terá acontecido no terrado em frente ao Mosteiro, em data incerta, o mais
tardar em 1898, o que causou grande emoção, senão mesmo algum temor entre os
populares uns que fugiram ou que foram afoitamente a correr atrás dele, durante
algum tempo. Porém, a primeira referência escrita conhecida à existência de um
automóvel em Alcobaça, consta do Semana Alcobacense, de 30 de Abril de 1899 e
diz respeito a um automóvel que se deslocava em direção a Caldas da Rainha.
Almeida e Silva entusiasmou-se pela novidade pelo que foi encomendar um automóvel
ao Porto, nos Estabelecimentos João Garrido, com sede na Rua Passos Manuel, um
Clement, que demorou a ser entregue ao comprador (Dezembro de 1899), pois teve
problemas na alfândega, que não sabia como o classificar e lhe aplicou uma taxa
exorbitante só suportável por pessoas
abastadas. Foi este o primeiro automóvel a ser propriedade de um
alcobacense, pelo que antes de começar a circular esteve em exposição pública,
no pátio do Palacete Costa Veiga, à Rua Frei Fortunato.
As
estradas na região de Alcobaça, aliás como no País em geral, eram muito más,
principalmente em condições climatéricas desfavoráveis. As queixas eram mais
que muitas, concretamente por parte dos que iam de Alcobaça a Nazaré, a Caldas
da Rainha, a Rio Maior ou Leiria. O panorama era sempre o mesmo, e segundo a
imprensa as estradas cheias de
barrancos dificultando todo o género de transportes e o público bramando,
possuído de toda a razão, porque um tal estado de coisas o prejudica
gravemente, dificultando a sua importação, entravando a sua exportação e, atrás
disto, enchendo de embaraços tudo o mais que constitui o movimento recíproco e
constante de todos os povos. Isto, em certa medida, ajuda a
compreender que, no ano de 1900, se tenham vendido em todo o País apenas 13 automóveis. Note-se que, em 1901, foi
publicado o esboço do primeiro Código de Estrada, em 1902 se realizou o Raid
Figueira da Foz-Lisboa, com passagem e paragem (para almoço) por Alcobaça e
termo na Igreja do Campo Grande. Dado o impacto destas iniciativas, foi fundado
o Real Automóvel Club de Portugal, o que ajudou a que o automóvel se começasse a vulgarizar, embora a ritmo
menor que na restante Europa.
Não
admira também por isso que a visita em automóvel, em Janeiro de 1903, que o Príncipe (herdeiro) Luís Filipe e o
seu irmão Infante D. Manuel (futuro D. Manuel II), fizeram a Alcobaça, tivesse
tido muito público e entusiasmo no terrado do Mosteiro, talvez mais pelo meio
de transporte, que por razões políticas ou afetivas com a casa real.
Durante
alguns anos mais, os transportes em Alcobaça iriam continuar a fazer-se,
fundamentalmente, em veículos de tração animal. Assim, em Julho de 1904, João
dos Santos Carreira, tomou de trespasse a carreira semanal entre Alcobaça e
Lisboa, que saía da vila ao meio dia de segunda-feira e regressava na
sexta-feira, levando encomendas ou dinheiro, mesmo para quaisquer das
localidades existentes ao longo do percurso. Este industrial possuía ainda duas
galeras e um char-a-banc que alugava para quaisquer serviços, independentemente
da carreira.
Mas
os automóveis iam ganhando terreno. Em Leiria, corria o ano de 1906, formou-se
uma empresa para explorar carreiras automóveis no distrito, tendo-se criado
logo o percurso Leiria-Batalha-Porto de Mós-Alcobaça-Nazaré e vice-versa.
Aliás, para o serviço de transporte de peixe da Nazaré, foi estabelecida uma
carreira viária especial. Porém, a Câmara e as pessoas de Alcobaça queixavam-se
em 1910, que o transporte do correio para a estação de caminho de ferro de
Valado de Frades (em veículos de tração animal), saindo muitas vezes depois do
horário, o que acrescido ao mau estado da estrada, apesar de não ser muito complicado deitar-lhe umas carradas de
cascalho, um cantoneiro atento para qualquer buraco que fosse aparecendo e a
desgraça não seria tamanha, originava que chegasse depois do comboio, Em
Alcobaça aconselhava-se a utilizar a
estrada para o Valado após uma refeição, porque as comodidades da viagem aliviavam rapidamente o estômago.
Por
estas razões, o movimento da Estação de caminho de ferro de Valado de Frades
estava a diminuir, o que levou a que a CP oficiasse a Câmara Municipal de
Alcobaça informando que chegou à conclusão que o movimento de passageiros no Verão de 1910 não fora compatível com os
sacrifícios que o horário representava para a empresa, demonstrando
impossibilidade de se manter, obrigando
mesmo a algumas reduções.
Por
alturas de Abril de 1913, o alcobacense António Marques Trindade, tentando
acompanhar os ventos do progresso, trespassou a sua alquilaria, (animal)
abrindo uma garagem de automóveis para alugar (devidamente montada), na Rua Dr.
Brilhante, comprou um automóvel novo, que dirigido por indivíduo devidamente habilitado, alugará a preços módicos
para todos os pontos, onde as vias de comunicação se prestem. Como
dizia o Trindade, esperava que os alcobacenses lhe dessem preferência nos
serviços da sua alquilaria (automóvel), o
continuarão obsequiando com a utilização dos magníficos elementos de transporte
que agora está habilitado a fornecer-lhes.
Bom,
e se havia automóveis, a gasolina como se vendia? Como não havia bombas
públicas, era vendida ao litro, tal como o azeite, o branco ou tinto, na Casa Vitorino & Vitorino, que também
alugava e reparava bicicletes, vendia
pneus, gramofones, as últimas novidades em discos, máquinas de costura e
pêndulas americanas.
Só
mais tarde, por alturas de 1920, se irão iniciar em Alcobaça diligências com
vista a constituir-se uma empresa de viação com dimensão, cujo fim era a
exploração dos serviços de condução e transporte de pessoas e mercadorias por
meio de camions e outros veículos similares. A encabeçar este projeto,
encontrava-se o muito dinâmico
Joaquim Guimarães, do Sindicato Agrícola, futura Cooperativa Agrícola de
Alcobaça, como voltaremos a referir.
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