quinta-feira, 27 de março de 2014

HISTÓRIAS DE CAÇA E CAÇADORES

HISTÓRIAS DE CAÇA E CAÇADORES

Fleming de Oliveira


Luís Miranda, do Juncal/Porto de Mós, acabara de fazer 16 anos. Um primo, sabendo do seu entusiasmo pela caça, oferecera-lhe uma velha arma calibre 16, que dizia ter mais de 70 anos, uma arma pequena de 2 canos e com cães exteriores, que já pertencera a seu avô. 
Depois de muita ansiedade, o pai acompanhado do Sr. Francisco farmacêutico, chegou a casa e anunciou que, finalmente, lhe tinha conseguido em Alcobaça, licença de uso e porte de arma. Foi uma ótima notícia para o rapaz, pois a caça abria no dia seguinte, ou seja, o dia um de Outubro. Havia já algum tempo, que Luís acompanhava o pai e dois colegas, e até tinha a licença de caça, com direito a fotografia e tudo, e que tinha custado 29$00!!!. Deste modo até podia levar um pau na mão, pois ninguém da venatória o incomodava. Mas doravante as coisas fiavam mais fino.
Foi bastante agitado o sono daquela noite. Muito antes das 5 horas da madrugada, lá partiram os quatro a pé. Eram todos muito mais velhos do que Luís Miranda, com a idade a rondar os 50 anos. Sentia-se vaidoso, munido de uma arma a sério e cartucheira à cintura, bem como com o barulho nas pedras da estrada, graças à carda metálica das botas de cabedal.  Evidentemente, não podia faltar o bornal, tipo tropa, com um pequeno farnel, nem um pequeno odre cheio de refresco de água com café adocicado, preparado pela mãe, de véspera. Acontece que nesse dia a caça era muito pouca, para não dizer quase nenhuma. Nos outros anos, lá aparecia um coelhito de vez em quando, que servia para animar os cães. Mesmo assim, Luís Miranda não desanimava e o seu entusiasmo mantinha-se intacto. Ao romper o dia chegaram finalmente ao local de caça lá para os lados da Ataíja. Largaram os 4 cães, o galego, o faísca, o ladino e o raio. Como se lembra deles! Ainda hoje, passados tantos anos, parece a Miranda estar a vê-los dar as primeiras correrias de alegria ao serem desatrelados, após mais de 2 horas de caminhada. Andavam no monte havia já algumas horas. Os cães cumpriam com algum zelo o seu dever, procurando no mato um coelho que teimava não aparecer, não porque fosse matreiro, mas, provavelmente porque não existia mesmo. A dada altura, Luís Miranda afastou-se um pouco dos colegas, e passou para o outro lado do cabeço, onde estavam. Após caminhar algumas dezenas de metros, foi surpreendido com um ruído que nunca tinha escutado, e viu saltar mesmo a frente, uns quatro ou cinco pássaros. Apontou a arma e disparou o seu primeiro tiro como caçador e, para aumentar a satisfação e orgulho, não obstante o fumo provocado pela pólvora preta, que usava, viu cair perto de si um dos pássaros. Não hesitou. Colocou a arma no chão e correu a apanhar a ave, sem se lembrar porém que ainda tinha mais um cartucho para disparar e que isso lhe permitiria a abater outra peça. Pegou eufórico na ave, na arma e correu para os colegas a gritar, apanhei um pássaro enorme.
Ainda hoje não sabe se a alegria aumentou, quando o Sr. Francisco famacêutico, exclamou que é uma perdiz. Sabe porém, que a partir daquele momento tinha-se tornado num caçador de perdizes.
Desde então, outros factos aconteceram, alguns bem curiosos, que às vezes recorda com amigos. As épocas de caça sucedem-se umas às outras, com maior ou menor sucesso, e cada uma tem as suas histórias mais ou menos verdadeiras.

O episódio que nos contou e registámos, refere-se possivelmente à época 1993/94, sendo testemunhado pelos amigos e companheiros destas andanças, que com ele rumaram ao Alentejo, no último dia do calendário para caça de salto à lebre. Luís Miranda tinha um perdigueiro com pouco mais de um ano, mas que revelava já boas aptidões, por vezes com lances um pouco largos, mas com uma paragem segura e uma busca perfeita, lateralizando muito bem.
Como era o último dia de caça às lebres, e o ano não tinha sido especialmente fértil no tocante a esta espécie, saíram cedo no jeep em direção ao Alentejo. Após mais ou menos meia hora o início da jornada, o perdigueiro fez uma paragem. Luís tomou posição, acelerou o passo na tentativa de ganhar terreno e acompanhar mais de perto animal, que encetou uma busca mais cautelosa e direcionada, a bom vento. Estavam eles numa encosta não muito íngreme, semeada de aveia com algumas zonas bem crescidas. Ao chegar ao cimo, o cão parou, ficou seguro, e quando Miranda. se preparava para ver se descobria caça, saltou uma lebre à sua frente. Retraiu-me na tentativa de atirar na melhor distância, e ao desenrolar do animal, disparou. A lebre deu uma cambalhota, endireitou-se e correu ainda na zona de tiro. Refeita a pontaria, apertou o gatilho, mas o tiro não saiu. Adeus lebre, que já lá vais à tua vida. Depois de verificar o que se teria passado,  constatou que a extração do cartucho do primeiro disparo não fora bem feita. No meio deste episódio e indiferente a ele, o perdigueiro, arrancou no rasto do animal e Luís Miranda desanimado, com a oportunidade perdida, retomou o lugar na linha, sem se lembrar quer da lebre, quer do cão. Quando se refez do desaire, olhou em redor e qual não foi o seu espanto, quando lá bastante longe, talvez a mais de um quilómetro, no cimo dum cabeço, descobriu o cão, a trazer algo na boca. Depois de percorrer a grande distância que os separava, chegou o cão com a lebre que dera como perdida.


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